Discurso no Senado Federal

AGRAVAMENTO DOS CONTRASTES SOCIAIS NO BRASIL E EM ESPECIAL NA AMAZONIA. MELANCOLICA SITUAÇÃO DA REGIÃO, TESTEMUNHADA PELOS AUTORES DO LIVRO REVISITANDO A AMAZONIA DE CARLOS CHAGAS: DA BORRACHA A BIODIVERSIDADE, QUE TINHAM COMO OBJETIVO RECONSTITUIR A EXPEDIÇÃO COMANDADA PELO MEDICO E CIENTISTA BRASILEIRO CARLOS CHAGAS ATRAVES DOS RIOS BRANCO E NEGRO, EM 1913. DESINTERESSE DAS AUTORIDADES PELOS PEQUENOS PROJETOS, DE BASE FAMILIAR, MAS QUE PODERIAM TER GRANDE ALCANCE SOCIAL.

Autor
Jefferson Peres (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • AGRAVAMENTO DOS CONTRASTES SOCIAIS NO BRASIL E EM ESPECIAL NA AMAZONIA. MELANCOLICA SITUAÇÃO DA REGIÃO, TESTEMUNHADA PELOS AUTORES DO LIVRO REVISITANDO A AMAZONIA DE CARLOS CHAGAS: DA BORRACHA A BIODIVERSIDADE, QUE TINHAM COMO OBJETIVO RECONSTITUIR A EXPEDIÇÃO COMANDADA PELO MEDICO E CIENTISTA BRASILEIRO CARLOS CHAGAS ATRAVES DOS RIOS BRANCO E NEGRO, EM 1913. DESINTERESSE DAS AUTORIDADES PELOS PEQUENOS PROJETOS, DE BASE FAMILIAR, MAS QUE PODERIAM TER GRANDE ALCANCE SOCIAL.
Aparteantes
Sebastião Bala Rocha.
Publicação
Publicação no DSF de 17/04/1997 - Página 8138
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • COMENTARIO, LIVRO, EXPEDIÇÃO, GRUPO, REPETIÇÃO, VIAGEM, CARLOS CHAGAS (MG), CIENTISTA, RIO BRANCO (AC), RIO NEGRO, REGIÃO AMAZONICA.
  • CONCLUSÃO, CONTINUAÇÃO, ABANDONO, ISOLAMENTO, POPULAÇÃO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, DOENÇA, OMISSÃO, GOVERNO, ATUAÇÃO, SAUDE PUBLICA.
  • CRITICA, OMISSÃO, POLITICA NACIONAL, PESCA, REGISTRO, CRIAÇÃO, PEIXE, TECNOLOGIA, ALTERNATIVA, FAMILIA, COMUNIDADE RURAL, PAIS ESTRANGEIRO, CHINA, INDIA, SUPLANTAÇÃO, PRODUÇÃO, REGIÃO AMAZONICA, SITUAÇÃO, ATIVIDADE PREDATORIA.

O SR. JEFFERSON PÉRES (PSDB-AM. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quando o sociólogo francês Jacques Lambert publicou, nos anos 50, sua hoje clássica obra Brasil, terra de contrastes, mal podia imaginar que o nosso País, às vésperas do terceiro milênio, dividir-se-ia não em dois, mas numa multiplicidade de brasis. Um gradiente que vai de estágios paleolíticos de atraso, ignorância e miséria aos mais ricos, confortáveis e sofisticados estilos de vida, que nada devem ao primeiríssimo dos mundos.

Sem dúvida, a persistência e, em alguns casos, o agravamento desses contrastes cobram um preço crescente à angustiada consciência nacional, que, volta e meia, enluta-se de dor e de vergonha diante de espetáculos como o do circo de horrores recentemente protagonizado pela PM paulista contra cidadãos indefesos e aterrorizados. Ora, se episódios como esse repetem-se corriqueiramente na região metropolitana de São Paulo, portanto, na fímbria do Brasil de primeiro mundo, o que se dirá, então, das vastas faixas de terceiro ou quarto mundo que convivem em nosso país-continente. O que se dirá, por exemplo, do meu Estado do Amazonas, onde, em razão de um secular abandono, agravado nas últimas décadas pelas distorções de um modelo de desenvolvimento concentrador, vemos não meros "bolsões" de miséria e atraso, mas sim uma ilha de relativo dinamismo e prosperidade - a Zona Franca de Manaus -, cercada de exclusão social por todos os lados. O Amazonas é hoje prisioneiro de um processo identificado por outro grande nome das Ciências Sociais, o sociólogo sueco Gunnar Myrdal, como "causação circular" cumulativa, um círculo vicioso aparentemente inquebrável, pelo qual a hipertrofia urbana de Manaus e vazio econômico-demográfico do interior amazonense se alimentam mutuamente, em patológica simbiose.

Nesse contexto, multiplicam-se os desafios típicos da modernidade sem que seja encaminhada qualquer solução para aqueles problemas característicos do arcaísmo.

Um testemunho eloqüente disso é o livro Revistando a Amazônia de Carlos Chagas: da borracha à biodiversidade, recém-publicado, com textos de Fernando Dumas, Eduardo Thielem e Alexandre Medeiros e fotos de Rogério Reis e Flávio Souza. Essa obra, que considero leitura obrigatória para todos aqueles que detêm responsabilidade ou interesse pelos destinos da Amazônia, é fruto do trabalho de um grupo multidisciplinar de dezoito pessoas (médicos, entomologistas, antropólogos, jornalistas e fotógrafos) pertencentes a diversas instituições (Fiocruz, Universidade do Amazonas, Inpa, Museu Goeldi). Há dois anos, seus membros embarcaram em uma importante missão: reconstituir o percurso da expedição comandada pelo célebre médico e cientista brasileiro Carlos Chagas através dos rios Branco e Negro, em 1913.

Oitenta e quatro anos depois, o grupo encontrou a mesma Amazônia doente, explorada e ignorada pelas elites urbanas. Há hoje mais doenças ali do que as registradas por Chagas, sem qualquer acompanhamento ou providência da saúde pública, exatamente como em 1913.

Internacionalmente renomado por ter descoberto, em 1909, o ciclo evolutivo da doença em que leva seu nome, Chagas viajou pela Amazônia com a missão de interiorizar as ações de saúde desenvolvidas no início do século, sob a égide do Instituto Oswaldo Cruz. O próprio Oswaldo Cruz, em 1910, já havia visitado as obras da ferrovia Madeira-Mamoré, à qual dedicou um plano de combate e erradicação da malária, apelidando seu mosquito de "duende da Amazônia", responsável pela pobreza e abulia do caboclo.

Carlos Chagas percorreu, durante meio ano, vilas e seringais, numa fase em que o ciclo da borracha se aproximava do declínio, registrando as deformidades provocadas pela malária e por outras endemias tropicais, como a ancilostomose: fotografias de adultos e crianças com órgãos internos e externos afetados (baços volumosos, feridas na cabeça, nas pernas e nos braços). Realizou, com os parcos recursos técnicos da época, exames de laboratório naquelas populações esquecidas, além de recolher espécimes da flora e da fauna, especialmente insetos.

Nas calhas do rio Juruá, Purus, Acre, Negro e Branco, constatou altos índices de mortalidade, agravados pela ausência absoluta de outros grandes brasileiros que por lá estiveram em diferentes ocasiões, como o escritor Euclides da Cunha e o marechal e indigenista Cândido Rondon, o cientista vislumbrou oportunidades de enriquecimento e bem-estar para aquelas populações ribeirinhas, bastando para tanto que as autoridades cumprissem sua parte com ações de saúde pública voltadas a levar médicos e remédios para aquelas áreas.

Infelizmente, o testemunho dos expedicionários de 1995 mostram que esse sonho de prosperidade e saúde definhou e morreu na imensidão da floresta. Lado a lado com a malária, as verminoses, as doenças respiratórias e as disenterias, multiplicam-se outros males, tais como a hipertensão, as doenças cardiovasculares, a dependência química e os acidentes de trabalho.

Esse quadro devastador não se limita aos brancos e caboclos, mas atinge em cheio os índios submetidos ao avanço da civilização. Os ianomâmis, por exemplo, estão contraindo tuberculose e oncocercose, causadora de lesões cerebrais e cegueira.

Em São Gabriel da Cachoeira, que, visitada por Chagas, não passava de um povoado com alguns índios, seringueiros e comerciantes, hoje pouco menos de 40 mil habitantes sofrem com a falta de infra-estrutura básica de água potável e esgotos. Cerca de 85% dessa população é de origem indígena, e lá as aldeias ianomâmis de Maturacá e Ariabu vão sendo dizimadas pelas doenças trazidas pelo avanço do garimpo.

Retratos como esse se repetem na passagem dos autores do livro por outras localidades: Santa Isabel do Rio Negro, Barcelos e a ilha de Massarabi, onde uma foto dos índios locais repete uma pose feita por seus antepassados para Carlos Chagas em 1913.

Além de reconstituir a trajetória física da expedição Carlos Chagas, os autores concluem o livro com a mescla de tristeza e esperança do seu antecessor, reafirmando que a Amazônia tem futuro sim, desde que sua população seja resgatada dessa eterna situação de esquecimento e desassistência.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, também quero concluir este pronunciamento com uma rápida reflexão sobre uma das muitas oportunidades perdidas de que é feita a tragédia do subdesenvolvimento da Amazônia. Reportagem publicada no último dia 22 de março pelo jornal Crítica, de Manaus, informa que a China já produz mais tambaqui que o Amazonas. Isso mesmo: usando tecnologia húngara, os chineses já obtêm uma produção da ordem de mil toneladas de tambaqui por hectare de criadouro ao ano, toda ela baseada em imensas gaiolas submersas nos rios.

Segundo fontes do Ministério da Agricultura, citadas na matéria, a quase totalidade da produção chinesa e indiana advém da aqüicultura familiar, em comunidades rurais com sistema semi-intensivo ou extensivo das espécies em tanques tradicionais de terra, tanques-rede e em reservatórios com densidades moderadas de estocagem. Enquanto isso, em função da pesca predatória e da inadequada fiscalização ambiental, nossa população de tambaquis vem sendo drasticamente reduzida. Por isso, nosso País, apesar de ostentar a maior bacia hidrográfica do planeta, ocupa uma insignificante 24ª posição mundial em captura de pescado no ranking liderado pela China, a Índia, o Japão, a Coréia do Sul e as Filipinas.

O Sr. Sebastião Rocha - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JEFFERSON PÉRES - Concedo-lhe o aparte, nobre Senador Sebastião Rocha.

O Sr. Sebastião Rocha - Senador Jefferson Péres, cumprimento-o inicialmente pela importante exposição que faz, nesta tarde, no plenário, a respeito da Amazônia; e o apelo que traz, de certa forma, muito forte ao Brasil e às autoridades, sobretudo do Governo, no sentido de que se deva realmente estabelecer políticas que visem encontrar soluções para os problemas do povo da Região Amazônica, e sobretudo agregar valores aos produtos, com o desenvolvimento de projetos que tenham como finalidade desenvolver as atividades próprias da nossa Região. V. Exª citou o exemplo do tambaqui. Temos o exemplo da borracha. Daqui a pouco até o açaí. O açaizeiro, uma árvore típica da nossa região, também será cultivado em outras regiões do País, ou pelo mundo afora. Porque não se vislumbra no Governo uma perspectiva, não se trabalha em como identificar quais os produtos que estão em ascensão no mercado, que despontam sobre uma demanda crescente, como é o caso que citei, do açaí, um exemplo concreto, que passa a ser consumido em todos os grandes centros nacionais e até em alguns já internacionalmente. Se não estabelecermos, se o Governo, sobretudo, não estabelecer incentivos, no sentido de propor, de levar ao homem da Amazônia essa sugestão, essa oportunidade, para que se possa, por exemplo, agora neste momento, cultivar o açaí na nossa região, porque é um mercado claramente em ascensão, vamos novamente perder, como já tivemos essa queda na produção da borracha e agora no setor de piscicultura. Associo-me a esse apelo de V. Exª. Temos essa comissão da Amazônia, que está tentando encontrar também alternativas e apontar sugestões para o desenvolvimento da nossa região e agora o Projeto Caboclo, que é uma idéia do Senador Darcy Ribeiro, mas que não são suficientes para que se garanta ao povo da Amazônia o desenvolvimento adequado e no mesmo padrão dos demais centros nacionais, fazendo dessa forma com que a população possa permanecer no campo, na nossa região, produzindo, trabalhando e melhorando a qualidade de vida lá, sem precisar migrar para os grandes centros, onde normalmente vai conviver com a miséria, com o abandono, com o desemprego e muitas vezes com a fome. Daí eu destacar a importância do pronunciamento de V. Exª, do qual eu não poderia deixar de participar. Louvo a iniciativa de V. Exª de discutir esse tema hoje no plenário e agradeço a oportunidade do aparte.

O SR. JEFFERSON PÉRES - Muito obrigado, Senador Sebastião Rocha.

Parece que as nossas autoridades, de um modo geral, só acreditam em megaprojetos ou grandes projetos, que às vezes nem sequer geram desenvolvimento, porque são projetos concentradores de renda.

Quando se trata de projetos pequenos, de base familiar, mas com grande alcance social, como projetos agroflorestais, projetos de criação de peixes em gaiolas, etc., não despertam a menor atenção das nossas autoridades.

No Amazonas, um cidadão espanhol, mais exatamente basco, luta há dez anos, Senador Sebastião Rocha, batendo às portas das autoridades dos ministérios, em busca de apoio para a implantação de criação de peixes em gaiolas e não recebe qualquer apoio.

Marx já dizia que os fatos históricos acontecem duas vezes: a primeira como tragédia e a segunda como farsa. No caso do tambaqui, estamos permitindo a repetição de uma cruel ironia histórica: há quase um século, nossa imprevidência assistiu de braços cruzados ao florescimento de seringais racionalizados e modernos na Malásia, à custa de sementes brasileiras, até que essa concorrência esmagasse a borracha brasileira no mercado mundial. Agora, são as gaiolas aquáticas chinesas, um simples aperfeiçoamento do nosso velho curral-de-peixe, que abocanham um lugar que poderia ser nosso no abastecimento do mercado internacional com a fonte protéica mais importante do próximo século: o peixe.

É melancólico constatar que neste final de século o quadro nosológico do interior da Amazônia seja praticamente igual ao do seu início. É também melancólico, além de preocupante, verificar que podemos cometer, com nossos recursos pesqueiros, o mesmo erro imperdoável que cometemos com a borracha.

Se tal acontecer, teremos passado, pela segunda vez, um vexatório atestado coletivo de incompetência.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/04/1997 - Página 8138