Pronunciamento de Osmar Dias em 15/04/1997
Discurso no Senado Federal
CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS REFORMAS PROPOSTAS PELO GOVERNO FEDERAL, ENFATIZANDO A PREMENCIA DE MUDANÇA DA MENTALIDADE POLITICA, QUE PODERA ADVIR DA REFORMA POLITICA.
- Autor
- Osmar Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
- Nome completo: Osmar Fernandes Dias
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
REFORMA CONSTITUCIONAL.:
- CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS REFORMAS PROPOSTAS PELO GOVERNO FEDERAL, ENFATIZANDO A PREMENCIA DE MUDANÇA DA MENTALIDADE POLITICA, QUE PODERA ADVIR DA REFORMA POLITICA.
- Publicação
- Publicação no DSF de 16/04/1997 - Página 7727
- Assunto
- Outros > REFORMA CONSTITUCIONAL.
- Indexação
-
- ANALISE, NECESSIDADE, REFORMULAÇÃO, COSTUMES, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, PRIORIDADE, REFORMA POLITICA, GARANTIA, EFICACIA, ADMINISTRAÇÃO, RECURSOS, SETOR PUBLICO, ANTERIORIDADE, REFORMA ADMINISTRATIVA, REFORMA TRIBUTARIA, PREVIDENCIA SOCIAL.
O SR. OSMAR DIAS (PSDB-PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nesta época em que as reformas políticas e as reformas do Estado estão em pauta, estive, neste final de semana, viajando pelo interior do Paraná, onde percebi que há um anseio da sociedade pelas reformas.
Por outro lado, há uma confusão na inteligência de nosso País, nas pessoas que estão acompanhando os debates nacionais, sobre como podemos conectar, para o interesse nacional, as diversas reformas que estão tramitando no Congresso Nacional como prioritárias: a reforma política, a reforma administrativa, a reforma da previdência, a reforma tributária - que parece ser a que a sociedade mais reclama e é a que menos se discute neste Congresso. Enfim, reformas que possam dimensionar qual o tamanho ideal do Estado e quais as funções que ele deve exercer para priorizar os recursos orçamentários, que são insuficientes - disso não temos dúvida - para arcar com todas as suas funções.
Leio na imprensa todos os dias, principalmente por parte dos empresários, uma reclamação do custo Brasil, que virou também título da moda. E esse custo Brasil tem muitas causas. Umas delas é, sem dúvida nenhuma, a falta de reformas ou o seu atraso - cujo mérito não vamos analisar agora.
Fui buscar alguns dados, Sr. Presidente, em relação à reforma tributária, que é muito reclamada. Fiz reuniões com o Sindicato dos Hoteleiros de Foz de Iguaçu, com as cooperativas agrícolas do Paraná; portanto, com setores que são bastante distantes, pelo menos no que se refere à característica das suas atividades. Fiz reuniões com os sindicatos rurais e com o Sindicato dos Trabalhadores das indústrias da região oeste do Paraná. Eles reclamaram: "Por que o Congresso não prioriza a reforma tributária?"
É justo reclamarmos que a carga tributária brasileira é alta? Verificamos que 31% do PIB brasileiro se refere a tributos, a impostos que a sociedade paga; dinheiro que alimenta a máquina pública e do qual a sociedade espera retorno, na forma de benefícios econômicos e, principalmente, sociais.
Ouvi palestras do Ministro Malan, no início da nossa Legislatura. S. Exª afirmou várias vezes que a nossa carga tributária não é alta se comparada com a dos outros países do mundo. De fato, se compararmos com o Japão, ela é 2% mais baixa em relação ao PIB do que a carga tributária daquele país. Se compararmos com os Estados Unidos, estamos mais ou menos equilibrados, ou seja, os Estados Unidos gastam 30%, 31% de impostos em relação ao PIB. Se compararmos com a União Européia, vamos chegar à conclusão de que estamos pagando pouco, porque, lá, 45% do PIB são tributos. Estamos, portanto, relativamente abaixo.
Mas creio que a sociedade quer discutir sob um ângulo que não estamos acompanhando. Pelo menos aqui, nos debates tradicionais, verifiquei que a sociedade quer discutir sob um outro prisma: a carga tributária nacional, o custo Brasil, exatamente quais os benefícios que os impostos pagos estão trazendo à sociedade. É esse o ângulo de análise. Trinta e um por cento do PIB pode ser pouco ou pode ser muito; pode ser pouco se os recursos arrecadados estiverem voltando para a sociedade na forma de benefícios; nesse caso, paga-se com uma mão e recebe-se com a outra. Mas temos que analisar se apenas com a reforma tributária teríamos resolvido os problemas.
Bom, pagamos 31% do PIB e podemos até vir a pagar 25%. Mas o problema é analisar se esse dinheiro dos tributos está retornando para beneficiar a sociedade dentro das suas expectativas.
Sr. Presidente, para uma análise das funções básicas do Estado, temos aqui especialistas no assunto, temos o Senador Lauro Campos, que é Professor e vai entender, por exemplo, quando eu disser que um relatório da FAO chegou à seguinte conclusão: de cada R$100 ou US$100 que saem dos cofres públicos para a educação, só R$30 chegam aos bancos escolares, ou seja, somente 30% dos recursos que são liberados para a educação chegam ao seu destino. O resto pára ou na burocracia, ou nos desmandos, ou no chamado custo Brasil - que virou moda, mas ninguém definiu direitinho o que significa. Isso faz com que os recursos enrosquem nesse caminho tortuoso até chegar à escola.
Se formos analisar, vamos verificar o seguinte: 1,3% do PIB de recursos federais são investidos na educação. Isso não é pouco dinheiro. Se compararmos com outros países, vamos chegar à conclusão de que a soma de recursos relativamente não é baixa, porque, quando somamos com os recursos estaduais e os municipais, chegamos a 3,5% do PIB para a educação.
Ora, então por que falta dinheiro para pagar salários mais dignos aos professores, para tornar o nosso nível de ensino compatível com a nossa expectativa de modernização e de desenvolvimento?
A prova de que o nível de ensino é baixo é de que há hoje, na imprensa, um dado segundo o qual 33% dos alunos do curso primário repetiram o ano. Ou seja, exatamente 1/3 dos alunos que cursam o primário repetiram o ano e 95% dos alunos que ingressam no curso primário não o concluem sem uma repetência. É evidente que, no meio das causas, vamos encontrar subnutrição, que não permite o aproveitamento do aprendizado; e vamos encontrar outras causas, mas principalmente um nível de ensino que não possibilita um aprendizado de acordo com as expectativas de um País que quer tornar-se desenvolvido.
Assim, se a reforma tributária é urgente e necessária, há também outras reformas, no âmbito do Executivo, que precisam ser feitas, especialmente essa que faz com que o aproveitamento do dinheiro público seja tão baixo em nosso País - 30% para a educação!
Fui ver também o que acontece na área da saúde. Há vários especialistas na área presentes neste momento. Eu não o sou, mas estou analisando o que a sociedade me transmitiu nas últimas reuniões que fiz. Dizem alguns que o Brasil já está aplicando US$92 por pessoa, por ano, na área da saúde. Mas o Uruguai e o Chile aplicam US$300; países mais desenvolvidos aplicam mais de US$1000 em saúde pública, e a prova de que só a reforma tributária não resolve é que aprovamos a CPMF. Só no primeiro mês, foram arrecadados R$500 milhões.
Fui até o Ministro da Saúde pedir socorro para o Hospital das Clínicas, em Curitiba, que está agonizando. É um hospital que tem programas de referência internacional, como, por exemplo, o transplante de medula, programa que não pode mais continuar por falta de recursos; também não pode mais atender as 150 mil consultas anuais, que estão paralisadas, uma vez que o SUS não repassa dinheiro para o referido hospital desde abril de 96.
Há falência do sistema público de saúde. Aprovamos o aumento de imposto, os R$500 milhões, e estes foram dissolvidos não sei onde e não sei para quê, porque não consegui a liberação de alguns milhões para aquele hospital salvar-se e salvar as vidas que procuram um atendimento público, já que não conseguem o atendimento privado.
Voltei, então, Sr. Presidente, Srs. Senadores, para analisar o que acontece com a previdência, cuja reforma estamos discutindo. Verifiquei que existe uma medida provisória de 1996 que impede que trabalhadores rurais que não conseguiram contribuir para a previdência recebam aposentadoria. Ora, se não contribuíram para a previdência não foi porque não quiseram, mas porque não havia um contrato de trabalho formal há dez anos, já que não havia a relação de trabalho formal no campo. Quando muito, havia uma relação de conversa, de percentagens, de arrendamentos, de parcerias, mas jamais o contrato de trabalho. Esses trabalhadores, portanto, segundo a medida provisória à qual me referi, serão alijados, porque somente poderão se aposentar aqueles que comprovarem a sua contribuição. Creio que contribuíram demais para o desenvolvimento do País para serem alijados desse direito fundamental. E conheço alguns trabalhadores, com 70 anos de idade, que não conseguiram se aposentar em função dessas barreiras burocráticas.
Há os que dizem que a previdência não tem dinheiro para sustentar a massa de aposentados. No entanto, verificamos que o percentual de recursos da previdência destinado ao pagamento de aposentadorias é ínfimo, porque o grande bolo destina-se a pagar a burocracia da previdência - que precisa ser reformada - e os outros encargos, que são sempre classificados como custos administrativos.
Fui ver a infra-estrutura brasileira. Andei de carro pelas estradas, acompanhando os caminhões de soja que estão transportando a safra paranaense, que, como a brasileira, é recorde. Verifiquei, Sr. Presidente, que nas margens das rodovias existe um risco amarelo, formado pelos grãos de soja que caem dos caminhões e colorem 500 ou 600 quilômetros, estendendo-se do oeste do Paraná até o Porto de Paranaguá. Se formos para o Centro-Oeste brasileiro, vamos verificar que acontece o mesmo: os grãos de soja e milho pintam de amarelo as margens das rodovias.
As estradas estão no estado mais precário que poderíamos encontrar: buraco em cima de buraco. Em cada baque sofrido pelos caminhões, cai enorme quantidade de grãos. Ao final da viagem, perdem-se quilos de soja, que, somados, atingem os 15% de soja e de milho que são perdidos ao longo das rodovias brasileiras por falta de uma estrutura adequada que possa assegurar o transporte a um custo que nos permita competir.
A CNI, Confederação Nacional da Indústria, emitiu um relatório alarmante, segundo o qual nossos produtos, sejam eles agrícolas ou industrializados, têm um custo ampliado em 38% em razão da precariedade do nosso sistema de transporte e, principalmente, em razão da precariedade da nossa malha rodoviária. Os recursos que são arrecadados com os impostos também não estão sendo destinados à reforma dessa infra-estrutura e nem à sua modernização, porque não há - ou há poucas - obras públicas; recentemente o Presidente inaugurou uma. Na maioria, os investimentos são da iniciativa privada. Não há investimentos em infra-estrutura para que sejamos colocados em igualdade de condições de competir com o mercado que se globaliza e que exige eficiência para competir.
Começa a ficar extremamente pesada a carga tributária, uma vez que ela não retorna na forma de recursos para a educação, para a saúde, para a infra-estrutura ou para a previdência. Então, se pagamos 31% do PIB em impostos que não retornam sob forma de investimentos, ou seja, para cumprir as funções do Estado, é porque alguma coisa está errada.
A grande reforma de que necessitamos, Sr. Presidente, talvez seja a reforma política, porque, como regra, são os políticos que determinam - somos nós que determinamos - a aplicação dos recursos públicos. E estamos verificando que há uma falha, uma ineficiência na sua aplicação. A reforma política deveria ser encarada com muita seriedade pelo Congresso e pela sociedade, que exige mudanças na forma de administrar os recursos públicos.
E eu, Sr. Presidente, que viajei bastante pelo interior do Estado nesse final de semana, pude verificar a grande expectativa que existe em relação ao Congresso. Não é mais aquela expectativa de frustração, apesar de que, em alguns momentos, o Congresso ainda oferece o rosto de forma desnecessária. Eu, por exemplo, que estou no PSDB, no partido do Presidente, não posso aceitar - e fico feliz pelo fato de o Presidente ter revisto a sua posição -, não posso votar com a consciência tranqüila favoravelmente àquele acordo que estabelecia o sobreteto. Trata-se de uma violência contra a inteligência de milhares de pessoas que somam um salário mínimo durante quatorze anos para receber R$21.600,00. É só somar. São quatorze anos, contando com o 13º, de trabalho para que um assalariado possa receber o equivalente ao que uma pessoa se julga no direito de receber em um mês. São quatorze anos de trabalho duro, de muito suor, muito calo na mão. Por essa razão, não posso votar. Se a reforma administrativa vier como originalmente se propôs, com esse acordo, votarei contrariamente, porque não posso - repito -, mesmo apoiando o Governo, ser favorável a uma proposta que agride o cidadão brasileiro.
Então, que reforma deve ser feita? Se a reforma tributária é reclamada pela sociedade - é sob esse prisma, Srs. Senadores, que quero analisar - é porque o dinheiro que se paga em impostos não está se voltando da forma suficiente, conveniente, adequada para satisfazer aos anseios da sociedade. Não estaríamos reclamando dos tributos que pagamos se víssemos aquilo que ocorre nos países desenvolvidos: saem cem e chegam, no mínimo, setenta aos bancos das escolas; se víssemos que o dinheiro da saúde vai para a saúde do necessitado, da família carente que não tem acesso a hospital privado; se víssemos que a infra-estrutura é adequada ao transporte, ao escoamento da produção; se víssemos o financiamento das atividades produtivas com custos compatíveis com a realidade econômica do País...
Sr. Presidente, Srs. Senadores, levei ao Presidente da República uma proposta: não podemos mais continuar financiando as atividades produtivas com os mesmos prazos e as mesmas condições que vigiam no tempo em que a inflação era uma regra. Se a moeda é estável e se o Governo nela confia, por que não equiparamos os prazos de financiamento das atividades produtivas e os prazos de carência com os dos países desenvolvidos? Esses prazos devem ser compatíveis com as atividades que se estão financiando. O financiamento de atividades que têm retorno em três anos não pode começar a ser pago em um ano. Há uma série dessas atividades na indústria e nos campos brasileiros.
Portanto, as reformas são necessárias, mas elas serão estéreis se não houver a reforma política e se não se infiltrarem no pensamento da Administração Pública brasileira. Estamos administrando os recursos públicos de forma equivocada, de forma a jogar pela janela esse grande capital que se arrecada com os impostos no Brasil.
Arrecadam-se R$110 milhões e gastam-se R$40 milhões com os ativos e inativos, que representam 2% da população brasileira. Se há 40% da receita para 2% da população brasileira, sobram para 98% da população brasileira 60% da arrecadação. Assim, não sobra nada mesmo para a educação, para a saúde e para a infra-estrutura.
A meu ver, as reformas administrativa, tributária e previdenciária são necessárias, mas antes de tudo é preciso reformar os costumes da Administração Pública brasileira.
Muito obrigado.