Discurso no Senado Federal

NECESSIDADE DE UMA REFORMA AGRARIA SERIA, COM VISTAS A FIXAR O HOMEM NO CAMPO.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • NECESSIDADE DE UMA REFORMA AGRARIA SERIA, COM VISTAS A FIXAR O HOMEM NO CAMPO.
Publicação
Publicação no DSF de 23/04/1997 - Página 8293
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • COMENTARIO, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA), DIVULGAÇÃO, DADOS, ORGANIZAÇÃO FUNDIARIA, PAIS, PERMANENCIA, SITUAÇÃO, CONCENTRAÇÃO, PROPRIEDADE, TERRAS.
  • COMENTARIO, INCAPACIDADE, FALTA, VONTADE, NATUREZA POLITICA, ALTERAÇÃO, ORGANIZAÇÃO FUNDIARIA, EFICACIA, EXECUÇÃO, REFORMA AGRARIA.
  • DEFESA, AGILIZAÇÃO, REFORMA AGRARIA, PRE REQUISITO, MODERNIZAÇÃO, PAIS, REDUÇÃO, DESEMPREGO, POBREZA, MISERIA, CAMPO.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil mantém uma estrutura fundiária altamente concentrada. Um por cento dos proprietários são donos de mais que 35% das terras. Os latifúndios constituem 2,8% dos imóveis rurais e correspondem a 56,7% da área total. Oitenta e nove por cento dos imóveis são minifúndios ou pequenas propriedades, ocupando apenas 23,4% das terras.

O Atlas Fundiário Brasileiro, lançado em 1996 pelo INCRA, mostra que o quadro de concentração de terras no País é substancialmente o mesmo de 1940. O Índice de Gini, um indicador internacional utilizado para medir o grau de concentração da propriedade de terras, permanece extraordinariamente alto em nosso País ao longo desses 56 anos. Em uma escala que vai de zero a um, o índice, para o Brasil, se vem mantendo em 0,8, um dos maiores do mundo, bem superior ao de outros países da América Latina, como Argentina e Chile, onde ele mede 0,5. Países de dimensões comparáveis ao nosso, Estados Unidos e Canadá, não passam da marca de 0,4, metade da brasileira.

Pode-se pensar que a Região Norte, com sua vastidão territorial e pequena população, é o fator que desequilibra o cálculo do índice nacional, puxando-o para cima. De fato, a medida de concentração de terras no Norte -- 0,85 -- é a mais alta, mas não fica muito acima das demais regiões. Na Região Sul, que apresenta o melhor quadro, o índice de Gini eqüivale a 0,7, estando 63% da área rural constituída de terras improdutivas. A partir daí, o índice vai crescendo, como no Nordeste, onde ele mede 0,79 e onde 70% da área não é utilizada para produção.

Não se trata apenas de dizer que nossa reforma agrária não avança. O diagnóstico correto é que ainda não houve uma verdadeira tentativa de realizar a reforma agrária neste País. Tamanha parece ser nossa incapacidade ou falta de vontade política para alterar a estrutura fundiária que muitos se sentiram aliviados ao ouvir falar que reforma agrária é coisa do passado.

Realmente, argumentam alguns, a reforma agrária teria sido muito boa para o País há trinta anos atrás. Agora, os tempos são outros, o futuro da agricultura se encontra nas grandes empresas, que se utilizam das melhores tecnologias, geram empregos assalariados no campo e produzem em quantidade suficiente para abastecer o mercado interno e para exportar.

No máximo, concede-se, a reforma agrária traria alguns efeitos sociais benéficos, evitando que os camponeses vão engrossar as fileiras de desempregados e miseráveis das grandes cidades ou trazendo-os de volta para a área rural. Entretanto, condenadas a voltar-se quase exclusivamente para a subsistência, as atividades agrícolas dos assentados não teriam maior relevância para a vida econômica do País. Poderíamos, portanto, conforme os pretensos arautos da modernidade virtual, continuar a brincar de reforma agrária de faz-de-conta, como válvula de escape para as tensões sociais mais agudas e justificação mínima perante a opinião pública.

Estaríamos assim, se me permitem os nobres Senadores a comparação infantil, na situação do aluno que atrasa semana após semana suas tarefas e recebe a notícia de que o professor já não vai cobrá-las. Instantaneamente, a consciência nacional se veria aliviada de um grande peso.

Há, no entanto, fortes motivos para considerarmos que nunca foi tão imprescindível uma autêntica reforma agrária em nosso País.

Por que, enfim, é necessária uma reforma agrária?Antes de tudo, devemos enfatizar a necessidade de fixar homens e mulheres no campo, dando-lhes condições dignas de vida, evitando que aumente ainda mais o caos nas cidades. O grande custo social do Plano Real tem sido o crescimento do desemprego, tornando dramática para milhões de brasileiros a luta pela sobrevivência.

Mesmo que tenha aumentado seu crescimento em função de ajustes do setor produtivo decorrentes do Plano Real, o desemprego não é um problema meramente conjuntural. A automação das mais diversas atividades econômicas vêm tornando seríssima a questão da falta de emprego em todo o mundo. O aproveitamento das áreas rurais para a produção familiar é uma das alternativas mais simples e eficazes de que dispõe o Brasil. Sabemos que as famílias produtoras nunca introduzirão tecnologias que causem desemprego de sua própria mão-de-obra.

O professor norte-americano Albert Fishlow, pesquisador do Conselho de Relações Externas de seu país, ressalta a reforma agrária como instrumento privilegiado para promover a distribuição de renda na América Latina, apontada como "a pior do mundo". O aproveitamento da terra em pequenas propriedades mostra-se também mais compatível com o desenvolvimento sustentado, na medida em que são manejados diversos produtos agrícolas, levando-se em conta a existência dos microclimas, em lugar da especialização em um só cultivo.

Garantem alguns que os resultados da produção agrícola dos assentamentos têm sido insignificantes. Pesquisa realizada pelo Instituto Vox Populi, por encomenda da Confederação Nacional de Agricultura, indica que a renda mensal média per capita dos assentados pela reforma agrária é de R$ 26,45. Desprezam os pesquisadores, nessa estatística, a produção de alimentos para o próprio sustento, além do fato de que os colonos nada gastam com aluguel. Se comparamos os dados com a provável situação dessas pessoas nas cidades, em condições de desemprego ou subemprego, com moradia e alimentação precárias, constatamos que os ganhos já foram bem significativos.

Sabemos, entretanto, há muito, que reforma agrária não é mera questão de redistribuição de terras. Os assentamentos carecem, em sua ampla maioria, de acesso aos serviços públicos essenciais, como saneamento, escola, energia elétrica e atendimento de saúde. Os dados da pesquisa citada demonstram o quanto tem sido precária a execução da reforma agrária no País, não apenas em termos quantitativos, mas igualmente do ponto de vista qualitativo. Faltam também equipamentos, insumos, assistência técnica e crédito para os novos agricultores -- ou seja, fatores imprescindíveis para que se obtenha produtividade agrícola e pecuária. Devemos considerar, diante do pouco que se investiu, que os resultados alcançados representam expressivas conquistas.

Todos os países desenvolvidos do mundo promoveram o acesso massivo à terra. Seja por reforma agrária ou pelas próprias características da ocupação, a unidade familiar é a base da produção agrícola nesses países. Isso é válido tanto para a Europa e os Estados Unidos como para países que realizaram recentemente a reforma agrária. A Coréia do Sul promoveu uma reforma radical que não apenas multiplicou sua produção agrícola como criou um amplo mercado consumidor interno, o qual veio a servir de base para sua revolução industrial-tecnológica.

Reforma agrária não é uma idéia passadista. Ela está na ordem do dia das prioridades para a Nação Brasileira. Ela é um pré-requisito indispensável para a nossa modernidade -- uma modernidade que deve ser socialmente conseqüente e ter bases sólidas, assentadas sobre a terra. Economistas perfeitamente alinhados com o processo de globalização do capitalismo apontam a reforma agrária como uma das medidas de maior impacto para o desenvolvimento do Brasil. O consultor da ONU Marc Dufumier, em recente visita ao Brasil, assegura que "a reforma agrária tem sentido econômico, não é somente questão de justiça social". A agricultura familiar tem se mostrado mais produtiva do que a empresarial por unidade de superfície, desde que sejam oferecidas condições adequadas, como terras de boa qualidade. A agricultura brasileira muito ganhará com as participações complementares das empresas e das unidades familiares.

Além disso, vivemos um momento verdadeiramente favorável para realizá-la. A opinião pública aceita e apóia, em sua grande maioria, a idéia. O desemprego, a pobreza e a violência nas cidades têm atingido níveis insuportavelmente altos, e passamos a perceber que as raízes desses problemas, em grande parte, encontram-se no campo. Os mais fortes ranços ideológicos que acompanhavam a questão já se dissiparam. Assistimos, sim, a inúmeros e lastimáveis conflitos no campo, mas a motivação ideológica aí é o menos importante. O que empurra os sem-terra para uma situação de confronto e perigo é a penúria e o desemprego, bem como um resto de esperança de poder superá-los. Afinal, como costuma afirmar o Ministro Raul Jungmann, o que se pretende com a reforma agrária é a criação de uma legião de pequenos capitalistas rurais.

Há que se reconhecer que o Governo, se não fez verdadeiramente uma reforma agrária, tem tido pelo menos boas idéias. A utilização de terras dos bancos em liquidação e de devedores inadimplentes do Banco do Brasil é uma solução interessante, mas de alcance restrito. Bem mais importante é a anunciada reforma do Imposto Territorial Rural -- ITR, que passaria a ter um valor menos irrisório, tomando como base de cálculo o valor declarado da propriedade, igual ao da indenização, no caso de uma eventual desapropriação. A arrecadação do ITR, transformado em contribuição, seria destinada ao financiamento da reforma agrária.

Argumentam ainda as autoridades que o Governo Federal não deve deter o monopólio da questão fundiária. É importante que Estados e Municípios passem a ter responsabilidades definidas na execução da reforma agrária, a qual abrange tanto a desapropriação como as etapas posteriores. Concordamos com uma descentralização, mas ela não pode servir como mais um pretexto para que o Executivo Federal continue a postergar ações que já há muito deveriam ter sido implementadas. 

O rito sumário nos processos de desapropriação é imprescindível para dar agilidade e eficácia à reforma agrária. A luta pela reforma agrária é também uma luta contra o tempo. Não se pode fazê-la com desapropriações de efeito retardado, após intermináveis delongas na Justiça.

Apenas acelerando a marcha da reforma agrária, por meio de ações sistemáticas que envolvam o Governo Federal e os dos Estados, o Legislativo, o Judiciário e a sociedade como um todo, podemos recuperar o atraso de décadas, que muito tem prejudicado nosso povo e nosso País. Transpor o limiar do século XXI com uma verdadeira reforma agrária em andamento significará que o Brasil, enfim, se encaminha para o progresso econômico e social efetivo.

Era isso o que queríamos trazer à consideração dos ilustres Senadores. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/04/1997 - Página 8293