Discurso no Senado Federal

MARCHA DOS SEM-TERRA A BRASILIA, CONSIDERADA O MARCO HISTORICO DOS MOVIMENTOS POPULARES. ANALISE DA EVOLUÇÃO DA REFORMA AGRARIA.

Autor
Odacir Soares (PFL - Partido da Frente Liberal/RO)
Nome completo: Odacir Soares Rodrigues
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA. ATUAÇÃO PARLAMENTAR.:
  • MARCHA DOS SEM-TERRA A BRASILIA, CONSIDERADA O MARCO HISTORICO DOS MOVIMENTOS POPULARES. ANALISE DA EVOLUÇÃO DA REFORMA AGRARIA.
Publicação
Publicação no DSF de 23/04/1997 - Página 8296
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA. ATUAÇÃO PARLAMENTAR.
Indexação
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, MARCHA, TRABALHADOR RURAL, SEM-TERRA, BRASILIA (DF), DISTRITO FEDERAL (DF), DEMONSTRAÇÃO, NECESSIDADE, URGENCIA, REFORMA AGRARIA, PROMOÇÃO, JUSTIÇA SOCIAL, PAIS.
  • REGISTRO, ATUAÇÃO PARLAMENTAR, ORADOR, PRONUNCIAMENTO, DISCURSO, CONFIRMAÇÃO, POSIÇÃO, DEFESA, REFORMA AGRARIA, PAIS.

O SR. ODACIR SOARES (PFL-RO. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs, e Srs. Senadores, Brasília viveu momentos de intensa movimentação, com a chegada dos militantes do Movimento dos Sem-Terra (MST), que fizeram da Capital Federal o ponto de encontro das colunas Sul-Sudoeste, com um número aproximado de 1.000 pessoas; da coluna Oeste, com cerca de 750 sem-terra; e da coluna DF-Entorno, com 750 participantes. Assim, 2.500 militantes sem-terra deixaram as localidades onde vivem para chegarem a Brasília.

O dia 17 de abril, quinta-feira, foi escolhido para a manifestação, por assinalar o primeiro ano da morte de 19 sem-terra, executados por soldados da Polícia Militar do Estado do Pará, em Eldorado do Carajás,Pará.

Existem informações de que os manifestantes pretendem permanecer acampados, na área do Gran Circo Lar, próximo à Esplanada dos Ministérios, até o dia 1° de maio. A estimativa do Secretário de Segurança do Distrito Federal, Roberto Aguiar, é de que 30 mil pessoas participaram da manifestação de quinta feira, 17 de abril.

O Distrito Federal recebeu, também, professores e servidores públicos da área de saúde. O Presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho, mobilizou os sem-emprego para a manifestação em Brasília. Os sindicatos dos servidores públicos também integrou-se ao ato para uma manifestação contra a aprovação da Reforma Administrativa.

A Marcha foi considerada o marco histórico dos movimentos populares. Ela recebeu solidariedade, ao longo da caminhada, que partiu de pontos remotos do território brasileiro, tendo como finalidade proclamar que a Reforma Agrária é necessária, inadiável e socialmente justa.

Acredito, Senhor Presidente, que o Movimento dos Sem-Terra alcançou uma unanimidade, poucas vezes expressada, somente comparável à movimentação pelas "Diretas Já".

O que se discute, o que é objeto de tanta solidariedade e convergência de idéias, não é uma coisa nova. O Império Romano, por volta do Século V, Antes de Cristo, havia consquistado imensas porções de terra. Cássio, um dos cônsules mais influentes da época, propôs um projeto que distribuía, entre os plebeus romanos, terras que estavam arrendadas para os patrícios, os nobres, mas que não eram pagas. Cássio, que poderíamos chamar de protomártir da Reforma Agrária, foi condenado à morte, jogado do alto de um penhasco próximo ao Capitólio, sede do Senado Romano.

A Lei Agrária Cássia, foi a primeira tentativa organizada, de que se tem notícia, tendo como propósito fazer reforma agrária. Foi, também, o primeiro fracasso desse intento, registrado na História. Praticamente, todos os Países desenvolvidos passaram por uma redistribuição de renda, mediante a divisão de terras e dos meios de produção.

Os Estados Unidos, o Japão, e recentemente a Coréia e Taiwan só viram crescimento depois de efetivarem a reforma agrária.O moderno Japão de hoje, ocupado pelos Estados Unidos, após a Segunda Guerra Mundial, sofreu uma ampla reforma agrária, imposta pelo General Mac Arthur, em apenas 22 meses.

O momento é de convergência de opiniões. O Presidente Fernando Henrique Cardoso, em artigo assinado, sob o título de "Reforma Agrária: Compromisso de Todos", distribuído a toda a mídia escrita brasileira, no último domingo, dia 13 de abril, reconheceu que:

"O Governo está buscando cumprir a sua parte.Está fazendo mais do que foi feito em qualquer período anterior, sob qualquer ponto de vista. Mas está ciente também de que mais terá que ser feito, pois o problema não se reduz à questão, embora verdadeira, de uma estrutura fundiária iníqua".

Historicamente, só a partir de guerras e revoluções armadas,é que as nações conseguiram romper com séculos de dominação e concentração de terras nas mãos de uns poucos. No Brasil, diz o pesquisador e professor Adhemar Romeiro, do Núcleo de Economia Agrícola da UNICAMP, de Campinas.São Paulo: "...a terra sempre foi usada como meio de especulação.Era reserva de capital e sinal de poder".

Em meu discurso de 19 de setembro de 1996, ao discorrer sobre o Atlas Fundiário Brasileiro, editado e lançado pelo INCRA, dizia:

"A perversa concentração de terras no Brasil é, nos dias de hoje, igual ao quadro existente nos idos de 1940, ou seja, na questão agrária o Brasil acumula 56 anos de atraso, de medidas inócuas".

Dizia isso, Senhor Presidente, porque o País em suas grandes propriedades ou latifúndios, concentra 56,7% de todas as terras cadastradas, dos imóveis rurais (187.762.627 hectares), apesar de representarem apenas 2,8% do número total de imóveis.

A média propriedade expressa 19,9% da área ocupada e, em termos de imóveis, concentra 8,0%. A grande propriedade e a média propriedade, somadas, concentravam uma área ocupada de 253.725.812 hectares, o que correspondia a 76,6% de toda a área ocupada no Brasil que alcançava 331.364.012 hectares.

Os minifúndios e pequenas propriedades somavam 77.638.198 hectares, o que corresponde a 23,4% da área ocupada. Os minifúndios, muito embora totalizem 1.938.441 imóveis rurais, o que expressa 62,2% do total dos imóveis, concentram 26.184.660 hectares, o que significa 7,9% da área ocupada.

Corroborando o que afirmei,com fundamento na análise dos dados numéricos do Atlas Fundiário do Brasil, o Ministro Raul Jungmann disse: "... o Brasil continua com uma das mais altas e vergonhosas taxas de concentração de terras do mundo".

Mas, por que não se fez ou não se faz a reforma agrária no País? O Brasil, segundo o INCRA, dispõe de farta matéria-prima, a terra. Vinte e cinco milhões de hectares de terras produtivas e não-utilizadas estão disponíveis, atualmente, para a reforma agrária. Quem a tem impedido ? Qual a conseqüência da concentração de terras no País? Quem são os donos das terras? O que é preciso para dar terras a quem não as possui? Quanto custará ao povo brasileiro a reforma agrária ?

Não tenho resposta para todas essas indagações, mas tenho ciência dos avanços já alcançados, no Governo Fernando Henrique Cardoso. A partir do Governo José Sarney, que mais desapropriou terras no Brasil para fins de reforma agrária (4,7 milhões de hectares), foram assentadas 85.940 famílias, com uma média anual de 17.188 famílias; o Governo Fernando Collor desapropriou apenas 19,7 mil hectares e assentou 42.213 famílias, com uma média anual de 21.107 famílias; o Governo Itamar Franco desapropriou 1,4 milhões de hectares, e assentou apenas 18.151 famílias, mais baixa média anual, com 9.076 famílias. O atual Governo de Fernando Henrique Cardoso, desapropriou menos do que o Presidente José Sarney, visto ter desapropriado 3,5 milhões de hectares, mas foram assentadas 104.956 famílias o que dá 52.478 famílias/ano.

Gosto de aduzir dados aos meus pronunciamentos, Senhor Presidente, porque eles retratam fielmente a realidade sem as deformações impressionistas. Examinando-os e analisando sua curva evolutiva, firmo minha crença em que, amadurece, finalmente, a hora da reforma agrária, no Brasil, e a vez dos que a reivindicam, para poder produzir e prover a subsistência própria e de suas famílias.

Tenho a convicção, Senhor Presidente, de que, em nenhum momento deixei de externar minha posição a respeito de tão importante tema. Apenas, atendo-me a uma retrospectiva de minha atuação parlamentar, nessa Casa no período de 8 de maio de 1996 a esta data - quase que um ano, fiz sucessivamente oito discursos.

Destaco dois discursos do mês de setembro de 1996, versando sobre a "Pesquisa de Opinião Pública e Caracterização Sócio-econômica nos Projetos de Assentamento do INCRA no País", realizada pelo Instituto Vox Populi.Uma posição conservadora da Confederação Nacional da Agricultura. Em outubro de 1996, analisei, em dois discursos,os resultados obtidos na pesquisa do Projeto BRA-87/022, "Principais Indicadores Socio-econômicos dos Assentamentos de Reforma Agrária". Ainda no mês de outubro de 1996, discorri sobre o Imposto Territorial Rural-ITR e a sua aplicação progressiva.

Nesse discurso sobre o ITR, expressei o seguinte desiderato: "... que saibamos entender o conceito básico de reforma agrária, o qual não se esgota na simples distribuição de terras, mas exige o ingrediente da reforma agrícola para culminar numa agricultura de mercado e não na lavoura de subsistência, sem rendas e sem bem estar social no campo".

Mas prefiro ater-me a propostas concretas e pragmáticas que logrei fazer, dentro as quais destaco:

* Discurso de 17 de março de 1997, no qual proponho que as terras ociosas, ou sub-utilizadas, da Gleba Burareiro no município de Ariquemes, outrora destinadas ao plantio de cacau, num total de 90 mil hectares, sejam retomadas, quer pela via da desapropriação, quer pela da compra direta. Essa área de solos de fertilidade natural alta, classe de solo I e II do Zoneamento Sócio-Econômico Ecológico do PLANAFLORO, poderiam assentar l.800 famílias, em lotes de 50 hectares, o que resolveria a situação dos acampados do município de Ouro Preto do Oeste (62O famílias) e acampados de "Manoel Ribeiro" (240 famílias), na fazenda Primavera, em Theobroma.

* Discurso de 12 de março de 1997, no qual relatava o que o prefeito recém-eleito de Ouro Preto do Oeste, técnico agrícola Carlos Magno (PFL-RO), propunha a desapropriação de uma gleba de 1.808 hectares, onde seria implantada a "AGROVILA OURO PRETO" que possibilitaria assentar 180 famílias, em lotes de oito hectares, com uma complexa infra-estrutura, constante de escolas, postos de saúde, armazéns, campos de esporte e recreação, residências, instalações de água tratada e energia elétrica.

* Discurso de 28 de agosto de 1996, no qual propunha "A Colonização Particular Como Instrumento de Reforma Agrária". Em resumo, neste discurso propunha:

* que a participação da Colonização Particular na solução do grave problema social dos sem-terra fosse considerada indispensável e inadiável, uma vez que sem custos para o Governo Federal;

* que os títulos representativos das dívidas dos colonos com a Empresa de Colonização fossem negociados junto ao BNDES, ou transformados em Títulos de Dívida Agrária.

Infelizmente, Senhor Presidente, ainda não tive conhecimento de que as propostas tenham recebido a acolhida favorável do Ministro de Estado Extraordinário de Política Fundiária, Dr.Raul Belens Jungmann Pinto, ou de dirigentes do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.

Finalizando, ressalto que é sempre muito proveitoso aprender com a sabedoria popular. Relembro a oportunidade que tive de aprender, em um encontro de lideranças extrativistas do Conselho Nacional dos Seringueiros, realizado em Rio Branco, Acre, de um seringueiro que disse:

"A Reforma Agrária é como uma feijoada. Ela tem que ser de feijão preto e ter outros ingredientes como a linguiça, o paio, o pé de porco, as costelas de porco, a couve mineira, a laranja e sem esquecer a caipirinha. Sendo de outra forma, não é feijoada, é só feijão. E nós queremos feijoada".

Tenho certeza, Senhor Presidente, que assim como os seringueiros do Acre, as lideranças e liderados, do Movimento dos Sem-Terra (MST) , querem uma suculenta feijoada.

Era o que tinha a dizer. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/04/1997 - Página 8296