Discurso no Senado Federal

DENUNCIA DO SERTANISTA SIDNEY POSSUELO SOBRE A EXTINÇÃO DE VARIOS GRUPOS DE INDIOS NO PAIS.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • DENUNCIA DO SERTANISTA SIDNEY POSSUELO SOBRE A EXTINÇÃO DE VARIOS GRUPOS DE INDIOS NO PAIS.
Publicação
Publicação no DSF de 23/04/1997 - Página 8288
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • ADVERTENCIA, CAMPANHA, AUTORIDADE FEDERAL, ESTADO DO AMAZONAS (AM), CRITICA, TRABALHO, SERVIDOR, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), ESPECIFICAÇÃO, SIDNEY POSSUELO, ESPECIALISTA, APROXIMAÇÃO, COMUNIDADE INDIGENA, ISOLAMENTO, MOTIVO, DENUNCIA, EXTINÇÃO, GRUPO INDIGENA, PAIS.
  • ELOGIO, ATUAÇÃO, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), POLICIA FEDERAL, PROTEÇÃO, COMUNIDADE INDIGENA, ESTADO DO AMAZONAS (AM).
  • DEFESA, IMPORTANCIA, TRABALHO, SIDNEY POSSUELO, ESPECIALISTA, APROXIMAÇÃO, INDIO.

A SRª MARINA SILVA (PT-AC. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, nesses dois anos, a maioria dos meus pronunciamentos tem-se reduzido aos cinco minutos das explicações inadiáveis. Não sei qual é o processo; não adianta estar em quinto, terceiro ou quarto lugar, porque acabo ficando por último. No entanto, não há problema.

Eu deveria abordar a questão do assassinato do índio, que foi o acontecimento desta semana, mas tratarei desse assunto, que é por demais extenso, numa oportunidade na qual possa fazer, com mais cuidado, uma avaliação desse fenômeno do alheamento, em relação aos menos favorecidos, daqueles que têm uma posição social até privilegiada em face dos milhares de desempregados ou dos sem-teto e sem-terra deste País.

Esse problema, que é individualmente condenável e deve ser punido com todo o rigor, é também um problema da sociedade contemporânea que não pode se individualizar, sob pena de estarmos tratando apenas do fenômeno e não das causas que o levaram a ocorrer.

Sr. Presidente, gostaria de tratar de um assunto que, do meu ponto de vista, é de muita relevância e está relacionado com as questões indígenas. Trata-se de uma denúncia que vem envolvendo alguns funcionários da Funai, pessoas que gozam de respeito e credibilidade pela sociedade, pelo trabalho corajoso e até heróico que realizam, como é o caso do sertanista Sidney Possuelo, que é um dos especialistas em contato com índios arredios e que merece todo o respeito e destaque da sociedade brasileira por sua coragem e por sua dedicação às comunidades indígenas arredias.

      "Ao prestar esta informação, devo esclarecer sobre quem estamos falando. Trata-se de um povo que vive em condições muito próximas daquelas que foram encontradas pelos descobridores do nosso continente. Eles vivem de arco e flexa, dependendo exclusivamente de recursos naturais. Não sabemos quantos são, que língua falam. Sabemos, entretanto, que estão sendo extintos violentamente na medida em que estamos ocupando e destruindo o meio ambiente. Refiro-me aos vários grupos de índios isolados, resto do que outrora foram grandes nações indígenas. Os que ainda subsistem estão espalhados na Amazônia brasileira, em pequenos grupos errantes.

      Em 1995, a Fundação Nacional do Índio, pela Portaria nº 1.849/E, reconheceu a terra indígena Vale do Javari-Amazonas, como habitat dos grupos indígenas Kanamari-Marubo-Matis-Maluruna e Kullina e outros grupos isolados. No ano passado, a Portaria nº 810, da Funai, confirmou a interdição da portaria anterior e estabeleceu parâmetros para o controle dessa Terra Indígena, ameaçada em sua integridade pela ação permanente de madeireiros, pescadores e caçadores que ilegalmente a invadem.

      A responsabilidade pelo controle, defesa ambiental, contato e proteção aos índios isolados ficou a cargo da Frente de Contato Vale do Javari, reativada após frustradas tentativas anteriores de contatar os índios isolados, denominados regionalmente de Korubo ou Caceteiros. Neste passado não tão distante, a Funai havia perdido nove servidores, massacrados na tentativa de aproximação com os Korubo. Cito o fato para destacar a belicosidade desses índios, motivada, talvez, pelas constantes agressões a que estão expostos, como aconteceu em 1989, quando foram mortos três índios por regionais e os corpos foram enterradas nas confluências dos rios Ituí e Itaquaí.

      Assim é que, em janeiro de 1996, a Portaria nº 810 da Funai, estabeleceu a restrição e o controle da Terra Indígena Vale do Javari, confirmando a Portaria nº 1.849/E, de 1985, que, há 10 anos passados havia declarado a Terra Indígena Vale do Javari.

      A Funai estabeleceu, na confluência dos rios Ituí e Itaquaí, a Frente de Contato Vale do Javari, com a missão de proteger o patrimônio indígena, proibindo, no interior daquela terra, atos ilegais de corte de madeira, caça e pesca, papel esse que lhe é atribuído por determinação constitucional, de acordo com o ART. 231/ da Constituição da República(vide anexo).

      Na Terra Indígena Vale do Javari mesclam-se interesses de comerciantes, que extraem ilegalmente madeira, praticam a pesca predatória e atividades associadas a narcotraficantes. Tudo isso com sérias implicações na política regional.

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma) - Senadora Marina Silva, interrompo V. Exª para prorrogar a sessão por mais cinco minutos.

A SRª MARINA SILVA - Agradeço a V. Exª, Sr. Presidente.

      A Polícia Federal e a Funai estão sendo vítimas de uma campanha, inclusive por atos da juíza de Benjamim Constant, que objetiva abrir a área agora protegida para que continuem as ações ilegais na região.

      Ameaçam de morte o chefe do Departamento de Índios Isolados e são incentivados por políticos regionais a continuarem a invasão das terras indígenas. As placas indicativas de terra indígena, fixadas pela Funai, foram arrancadas a mando do Prefeito de Atalaia do Norte, e, agora, com o novo Prefeito foram devolvidas à Funai.

      Recentemente, o Deputado Euler Ribeiro (PFL-AM) organizou uma visita à Frente de Contato Vale do Javari, levando alguns prefeitos, vereadores e outras autoridades regionais, inclusive o Bispo da Diocese do Alto Solimões, Dom Alelmar Magalhães, irmão de um dos maiores madeireiros da região.

      Essa comissão, ao seu retorno, apresentou ao Ministério da Justiça e à própria Funai sua visão cheia de inverdades, alegando mesmo o Bispo - e é lamentável que um Bispo se utilize de sua função para dar esse tipo de depoimento - que a equipe da Funai estaria querendo maltratar e escravizar os ribeirinhos em benefício das populações indígenas.

Faço este registro, Sr. Presidente, porque considero de alta importância que a Funai dê o tratamento adequado a essas comunidades que estão sendo contatadas. A Funai já perdeu nove funcionários na tentativa desse contato, assassinados por grupos arredios. E foram assassinados porque os grupos sabem do mal que podem vir a sofrer com o contato com os brancos. Mas, se continuarem como índios arredios, ficarão talvez ainda mais desprotegidos, pois, de uma forma ou de outra, seja através de madeireiros inescrupulosos ou dos que praticam a caça predatória em seus grupos, utilizando-se de armas que sequer conhecem e sem a mínima condição de enfrentá-las, poderão ser completamente dizimados.

O sertanista Sidney Possuelo tem um trabalho muito sério no que se refere ao contato com essas comunidades indígenas e não merece ser tratado como se fosse um bandido, inclusive com essas acusações sendo insufladas e veiculadas nos meios de comunicação por uma autoridade federal, no caso um Deputado.

Quero fazer um apelo para as autoridades, para os políticos da região. Em que pese os interesses locais, as disputas locais, essas populações não podem ser tratadas com esse desrespeito.

Faço este alerta desta tribuna porque é responsabilidade do Governo brasileiro o que acontecer a essas comunidades; é também responsabilidade da sociedade brasileira, particularmente, de todos aqueles que estão envolvidos nessa campanha contra os funcionários da Funai e a Polícia Federal que estão dando proteção a essas comunidades isoladas, mas acima de tudo daqueles que, por dever de ofício, deveriam fazer aquilo que o nosso Senador falou, cumprir a lei e fazer cumprir a Constituição.

A Constituição Federal, no seu Art. 231, diz que é obrigação do Estado proteger as comunidades indígenas, quanto mais a essas que estão isoladas e indefesas. Não é justo que um Deputado ou Senador, que podem até divergir politicamente, utilizar-se da função que tem para colocar em risco a vida de inocentes e de funcionários.

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma) - Senadora Marina Silva, peço permissão a V. Exª para endossar suas palavras no que diz respeito ao Sr. Sidney Possuelo. Quando trabalhei na Polícia Federal e ele na Presidência da Funai, aprendi a admirá-lo pelo conhecimento, pela vontade e pela devoção ao trabalho, principalmente na busca das comunidades de índios arredios.

Se V. Exª me permite, eu gostaria de endossar suas palavras.

A SRª MARINA SILVA - Com grande prazer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/04/1997 - Página 8288