Discurso no Senado Federal

REGISTRANDO OS 37 ANOS DA FUNDAÇÃO DE BRASILIA. QUADRO PERVERSO DA VIOLENCIA NA SOCIEDADE BRASILEIRA. LAMENTANDO A MORTE DO INDIO PATAXO GALDINO JESUS DOS SANTOS.

Autor
José Roberto Arruda (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/DF)
Nome completo: José Roberto Arruda
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. DIREITOS HUMANOS.:
  • REGISTRANDO OS 37 ANOS DA FUNDAÇÃO DE BRASILIA. QUADRO PERVERSO DA VIOLENCIA NA SOCIEDADE BRASILEIRA. LAMENTANDO A MORTE DO INDIO PATAXO GALDINO JESUS DOS SANTOS.
Publicação
Publicação no DSF de 23/04/1997 - Página 8236
Assunto
Outros > HOMENAGEM. DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, BRASILIA (DF), DISTRITO FEDERAL (DF).
  • COMENTARIO, PROBLEMA, VIOLENCIA, CAPITAL FEDERAL, OPORTUNIDADE, CONDENAÇÃO, CRIME, ADOLESCENTE, CLASSE MEDIA, PROVOCAÇÃO, FOGO, MORTE, INDIO.
  • REGISTRO, REUNIÃO, ORADOR, ADOLESCENTE, DISCUSSÃO, MOTIVO, VIOLENCIA, CRIME, VITIMA, INDIO.

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA (PSDB-DF. Como Líder. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, gostaria de registrar que Brasília comemorou, ontem, os 37 anos da sua fundação em 21 de abril de 1960.

Parece-me importante, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que se registre, nesta Casa, que a construção de Brasília foi o marco da interiorização do desenvolvimento nacional.

A década de 50, marcada por um período de desenvolvimento num regime democrático, teve, na construção da nova Capital do País, aqui no Centro-Oeste, o símbolo maior da capacidade de realização do povo brasileiro.

Mais do que isso, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, antes de Brasília, o Brasil era um País nitidamente litorâneo. A população brasileira concentrava-se numa margem estreita de terra junto ao Oceano Atlântico. E demoramos 450 anos, desde Pedro Álvares Cabral até meados deste século, para voltarmos as costas para o Oceano Atlântico e conquistarmos o nosso próprio território.

Por que Brasília marca esta época? Porque foi, exatamente, com a sua construção, com a construção de estradas, com a construção das usinas hidrelétricas - e tem posição de destaque a Usina de Três Marias -, que o Brasil buscou conquistar o seu próprio território.

Brasília não tem importância histórica apenas pelo seu projeto urbanístico e arquitetônico revolucionário, nem por se tratar de uma cidade com vocação para ser a capital do País; muito mais do que isso, ela abriu as portas da Amazônia, do Pantanal, do cerrado - hoje, altamente produtivo - e integrou as mais diversas regiões do País, fazendo com que, muito mais que uma capital político-administrativa, Brasília fosse o símbolo de um novo mapa econômico do Brasil; um mapa de regiões mais integradas. E por estar eqüidistante das várias regiões do País, Brasília consolida-se nestes 37 anos como ponto de encontro das mais diversas culturas e símbolo de uma luta que ainda está começando: da diminuição das desigualdades entre as regiões do País.

Mas, ao comemorar os seus 37 anos, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, desejo evocar aqui a memória daqueles que, como Juscelino Kubitschek, Israel Pinheiro, Bernardo Sayão, Ernesto Silva, Íris Membergue e tantos outros, acreditaram no sonho da construção da Capital, vieram para Brasília das mais diversas regiões do País e escreveram aqui uma das páginas mais bonitas da história brasileira. Tiveram a coragem de sonhar juntos - e o sonho coletivo torna-se realidade - e construíram uma nova cidade em três anos e meio. E ao evocar a memória de todos os pioneiros, ao evocar a memória - e quando falo memória trata-se da memória de uma época, porque muitos deles ainda vivem e são testemunhas vivas desse tempo -, ao evocar esse período da história brasileira, que é fundamental na comemoração do aniversário de Brasília, desejo lembrar que a missão da nossa geração, daqueles que vivemos na Capital do País hoje, é a de ser digna da geração que nos antecedeu, que teve a coragem de construir a nova Capital, e dar a ela o seu verdadeiro sentido.

Dizia o Presidente Juscelino Kubitschek que Brasília não deveria ser apenas uma cidade bonitinha, com cara de capital, mas, muito mais do que isso, Brasília deveria ser pólo irradiador do desenvolvimento econômico do Centro-Oeste brasileiro. E essa segunda parte ainda não se deu; o Centro-Oeste brasileiro ainda tem uma densidade demográfica bastante baixa. Apesar da fertilidade do cerrado, descoberta nas pesquisas da Embrapa e comprovada depois pelos altíssimos índices de produtividade, principalmente de grãos, aqui no Centro-Oeste brasileiro, ainda temos uma região periférica à Capital do País extremamente pobre, carente de serviços de infra-estrutura e carente de vetores que induzam ao desenvolvimento econômico auto-sustentável.

Nós, que desejamos preservar o Plano Piloto, que é o único patrimônio cultural da humanidade, contemporâneo, na sua concepção original, sabemos que o único caminho para que isso se dê é encontrarmos vida econômica própria para as cidades que o cercam, dentro e fora do Distrito Federal.

E ao comemorar o aniversário de Brasília e ao juntarmos forças para a busca dessa auto-sustentação econômica no Distrito Federal, é preciso lembrar, Sr Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que Brasília, infelizmente, já vive problemas gravíssimos, muito típicos das outras grandes cidades brasileiras e do mundo.

Todos ficamos chocados com o crime cometido em Brasília há 48 horas. Alguns garotos de classe média alta, num momento horrível para a vida deles e para a vida da sociedade como um todo, cometeram o crime de atear fogo sobre um ser humano que estava em uma parada de ônibus - soube-se depois que se tratava de um índio que visitava Brasília -, que acabou falecendo, algumas horas depois, num hospital público do Distrito Federal.

Ontem, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, reuni na minha casa 32 jovens, com idade que variava de 16 a 23 anos - os meus filhos, os meus sobrinhos e filhos de amigos nossos -, e propus a eles que discutíssemos juntos por que a sociedade brasileira tem assistido a crimes de tal perversidade. O que está acontecendo? Qual é o câncer no seio da nossa sociedade, que faz com que jovens que tiveram oportunidade de estudar, jovens oriundos de famílias bem-situadas no contexto social, cometam crimes como esse? O resultado dessa discussão, que foi fértil e na qual aprendi muito, está registrado e será publicado rapidamente.

Eu queria dizer aqui, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores - e esta é uma maneira de comemorar também o aniversário de Brasília, ou seja, mostrando os seus problemas e buscando soluções para eles -, é que foi quase consensual entre esses 32 garotos, nesse debate de ontem, que certa classe média alta brasileira se sente, ainda que inconscientemente, à sombra da impunidade. Julgam eles que as leis não são cumpridas quando os que praticam um crime ou um delito vêm de uma classe mais alta. Mais ainda, esses garotos me disseram ontem, com todas as letras, que suas famílias - e aí leia-se "nós todos que somos pais"- não estão estabelecendo limites claros à ação dos jovens. Disseram ainda que os próprios colégios, com os seus currículos escolares, estão levando os garotos a uma visão muito material da sua vida, a uma visão muito competitiva do vestibular, faltando-lhes muitas vezes uma educação mais humanística. É claro que haveria uma discussão muito longa para saber se depende da família, se depende do colégio, se depende de outros segmentos organizados da sociedade, ou de todos eles - o que é mais provável -, a responsabilidade de dar valores humanos mais claros a esta geração.

O que importa, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é que nós todos, principalmente nós que temos mandato pelo Distrito Federal, mas também todos os que têm vida pública e responsabilidade por tê-la, não podemos ficar de braços cruzados, assistindo, nos telejornais e nos jornais do dia seguinte, a notícias de que gangues de rua espancaram até a morte membros de uma outra gangue, todos eles jovens de classe média alta; que um zelador de bloco estuprou e matou uma garota de 15 anos e, mais na frente, que policiais militares espancaram e mataram um cidadão que voltava para casa e, agora, que jovens de classe média alta queimaram vivo um índio que estava numa parada de ônibus.

Ora, definitivamente esta não é a sociedade que desejamos e, mais do que isso, sentimo-nos, de certa forma, impotentes, porque não depende de leis - elas até existem - e não depende de ações isoladas modificar esse quadro perverso da sociedade brasileira. Mas há uma certeza: se cada um de nós tiver a preocupação de fazer sua parte, se cada um de nós ficar atento a este verdadeiro câncer na sociedade brasileira, com certeza, juntos, alguma coisa poderemos fazer.

A SRª PRESIDENTE (Júnia Marise) - Senador José Roberto Arruda, peço desculpas por interrompê-lo, mas gostaria de comunicar a V. Exª que o seu tempo já está esgotado. Temos uma lista de oradores e, por essa razão, solicito a V. Exª que conclua seu pronunciamento.

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA - Concluo, Srª Presidente, agradecendo a compreensão da Mesa e dizendo que estou triste e chocado, não só com a morte de um ser humano, mas também com esse horror que se instala nas famílias desses adolescentes. Estou absolutamente preocupado com tudo isso e penso que todos temos que buscar juntos, pelo menos, discutir mais às claras esse assunto. E, no caso de Brasília, Srª Presidente, é preciso dizer que esta Capital, muito rapidamente, se transformou em uma cidade convencional e, como tal, merece de todos nós os cuidados para que não se repitam, aqui, os mesmos erros que assistimos acontecer nas outras grandes cidades brasileiras.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/04/1997 - Página 8236