Discurso no Senado Federal

MARCHA DOS SEM-TERRA PELA REFORMA AGRARIA, JUSTIÇA E EMPREGO. CONVIDANDO OS SRS. SENADORES PARA PARTICIPAREM DO ENCONTRO DE REPRESENTANTES DO MOVIMENTO DOS SEM-TERRA COM O PRESIDENTE ANTONIO CARLOS MAGALHÃES, AMANHÃ, NO SALÃO NEGRO DO SENADO.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • MARCHA DOS SEM-TERRA PELA REFORMA AGRARIA, JUSTIÇA E EMPREGO. CONVIDANDO OS SRS. SENADORES PARA PARTICIPAREM DO ENCONTRO DE REPRESENTANTES DO MOVIMENTO DOS SEM-TERRA COM O PRESIDENTE ANTONIO CARLOS MAGALHÃES, AMANHÃ, NO SALÃO NEGRO DO SENADO.
Publicação
Publicação no DSF de 18/04/1997 - Página 7992
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • COMENTARIO, SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, TRECHO, LIVRO, AUTORIA, JOSE SARAMAGO, ESCRITOR, PAIS ESTRANGEIRO, PORTUGAL, CHICO BUARQUE, COMPOSITOR, SEBASTIÃO SALGADO, FOTOGRAFO, REFERENCIA, TRABALHADOR RURAL, SEM-TERRA, BRASIL.
  • COMENTARIO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, TRABALHADOR, SEM-TERRA, MARCHA, DIREÇÃO, BRASILIA (DF), DISTRITO FEDERAL (DF), APOIO, OPINIÃO PUBLICA.
  • OPORTUNIDADE, PRESIDENTE DA REPUBLICA, REALIZAÇÃO, REFORMA AGRARIA, CONVITE, SENADOR, PARTICIPAÇÃO, AUDIENCIA, SEM-TERRA, SENADO, PRESIDENCIA DA REPUBLICA.

O SR. EDUARDO SUPLICY (BLOCO/PT-SP. Para uma comunicação inadiável. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores,

      "Oxalá não venha nunca à sublime cabeça de Deus a idéia de viajar um dia a estas paragens para certificar-se de que as pessoas que aqui mal vivem, e pior vão morrendo, estão a cumprir de modo satisfatório o castigo que por ele foi aplicado, no começo do mundo, ao nosso primeiro pai e à nossa primeira mãe, os quais, pela simples e honesta curiosidade de quererem saber a razão por que tinham sido feitos, foram sentenciados, ela, a parir com esforço e dor, ele, a ganhar o pão da família com o suor do seu rosto, tendo como destino final a mesma terra donde, por um capricho divino, haviam sido tirados, pó que foi pó, e pó tornará a ser. Dos dois criminosos, digamo-lo já, quem veio a suportar a carga pior foi ela e as que depois dela vieram, pois tendo de sofrer e suar tanto para parir, conforme havia sido determinado pela sempre misericordiosa vontade de Deus, tiveram também de suar e sofrer trabalhando ao lado dos seus homens, tiveram também de esforçar-se o mesmo ou mais do que eles, que a vida, durante muitos milênios, não estava para a senhora ficar em casa, de perna estendida, qual rainha das abelhas, sem outra obrigação que a de desovar de tempos a tempos, não fosse ficar o mundo deserto e depois não ter Deus em quem mandar."

Srª Presidenta, Senadora Benedita da Silva, assim inicia José Saramago, um dos maiores escritores da língua contemporânea portuguesa, este maravilhoso "Terra", livro de Sebastião Salgado, de Chico Buarque e do próprio José Saramago, a respeito dos trabalhadores sem terra em nosso País.

Um pouco mais adiante - solicitarei que seja transcrito o texto na íntegra -, fala ele sobre aquilo que ocorreu exatamente há um ano.

      "No dia 17 de abril de 1996, no estado brasileiro do Pará, perto de uma povoação chamada Eldorado dos Carajás (Eldorado: como pode ser sarcástico o destino de certas palavras...), 155 soldados da polícia militarizada, armados de espingardas e metralhadoras, abriram fogo contra uma manifestação de camponeses que bloqueavam a estrada em ação de protesto pelo atraso dos procedimentos legais de expropriação de terras, como parte do esboço ou simulacro de uma suposta reforma agrária na qual, entre avanços mínimos e dramáticos recuos, se gastaram já cinquenta anos, sem que alguma vez tivesse sido dada suficiente satisfação aos gravíssimos problemas de subsistência (seria mais rigoroso dizer sobrevivência) dos trabalhadores do campo. Naquele dia, no chão de Eldorado dos Carajás ficaram 19 mortos, além de umas quantas dezenas de pessoas feridas. Passados três meses sobre este sangrento acontecimento, a polícia do Estado do Pará, arvorando-se a si mesma em juiz numa causa em que, obviamente, só poderia ser a parte acusada, veio a público declarar inocentes de qualquer culpa os seus 155 soldados, alegando que tinham agido em legítima defesa, e, como se isto lhe parecesse pouco, reclamou processamento judicial contra três dos camponeses, por desacato, lesões e detenção ilegal de armas. O arsenal bélico dos manifestantes era constituído por três pistolas, pedras e instrumentos de lavoura mais ou menos manejáveis. Demasiado sabemos que, muito antes da invenção das primeiras armas de fogo, já as pedras, as foices e os chuços haviam sido considerado ilegais nas mãos daqueles que, obrigados pela necessidade a reclamar pão para comer e terra para trabalhar, encontraram pela frente a polícia militarizada do tempo, armada de espadas, lanças e alabardas. Ao contrário do que geralmente se pretende fazer acreditar, não há nada mais fácil de compreender do que a história do mundo, que muita gente ilustrada ainda teima em afirmar ser complicada demais para o entendimento rude do povo."

Srªs e Srs. Senadores, está a se realizar a mais importante manifestação desta década, a mais importante manifestação durante o Governo Fernando Henrique Cardoso, que tem, segundo as próprias palavras de José Saramago, a possibilidade de entrar para a História não apenas por ser o Presidente do Brasil. Fernando Henrique Cardoso tem a possibilidade de entrar para a História como sendo o Presidente que fez a reforma agrária, não pelo que fez nos últimos dois anos e quatro meses, mas pelo que pode vir a fazer a partir de hoje, a partir de amanhã, na audiência que terá com os coordenadores da Marcha pela Reforma Agrária, Emprego e Justiça, num diálogo construtivo no seu próximo ano e oito meses de Governo - apenas o que lhe resta do mandato constitucional que o povo lhe conferiu.

Srªs e Srs. Senadores, essa Marcha está alcançando impressionante respaldo. Nas 200 cidades por onde passou, até a chegada ao Núcleo Bandeirantes, a Marcha recebeu as boas-vindas, o aplauso da população de Brasília. Isso ocorreu em Valparaízo, no Gama, no Núcleo Bandeirantes e em todas as demais cidades daqui. Os sem-terra chegaram com o povo aplaudindo. E, quando chegaram diante do Banco Central, foram surpreendentemente saudados com chuvas de papel e com fogos de artifício.

Srªs e Srs. Senadores, se, em meados do ano passado, Parlamentares aqui falavam do seu receio sobre o Movimento dos Sem-Terra, felizmente, nesta semana, estão todos a saudar essa manifestação pela reforma agrária.

Essa Marcha pela Reforma Agrária, Emprego e Justiça guarda relação com os maiores movimentos da História brasileira, como o Movimento pela Ética na Política, como o Movimento pelas Diretas Já, como o da Coluna Prestes. Ela guarda relação com as manifestações maiores ocorridas na História da Humanidade, como, por exemplo, em 1963, houve a Marcha pelos Direitos Civis e Contra a Discriminação Racial, ali, sobre Washington, quando Martin Luther King, falando perante 250 mil pessoas, disse: "I have a dream" - Eu tenho um sonho de que em breve a humanidade, não importa a raça, a origem, o sexo de todas as pessoas, estarão elas irmanadas para construir uma sociedade mais justa e solidária.

Amanhã, o Presidente tem a oportunidade de reverter o quadro, passar na curva e, de fato, virar a curva da História. Como disse Celso Furtado: o Movimento dos Sem-Terra tem um aspecto positivo. Ao dizer que é necessária a reforma agrária, quer, exatamente, que sejam criadas oportunidades de empregos no campo. E é impressionante como hoje, diferentemente do que há 40, 50 anos atrás, a questão da reforma agrária está amadurecida. E não é à toa que, hoje, 85% da população de Brasília, segundo o Correio Braziliense, afirmaram ser favoráveis à Marcha pela Reforma Agrária, ser favorável à reforma agrária.

Basta, agora, o Presidente Fernando Henrique querer; basta também, se Sua Excelência quiser ouvir e ter o apoio da sociedade, observar bem que esse apoio existe e está sendo manifestado. Na semana passada, o Presidente disse que quer fazer a reforma agrária e perguntava se a sociedade a desejava. Agora a sociedade está se manifestando, dizendo que sim.

A nossa saudação ao Movimento dos Sem-Terra!

Gostaria, Srªs e Srs. Senadores, de avisar a todos e convidá-los para o encontro que acontecerá amanhã, no Salão Negro, entre o Presidente Antônio Carlos Magalhães e os coordenadores e representantes dessa Marcha. Seria importante que Senadores de todos os partidos partilhassem dessa audiência para, depois, convidarmos esses representantes para aqui fazermos as nossas reflexões, de cada Senador, de cada partido, sobre o significado da Marcha, bem como da audiência que terão, às 16 horas, com o Presidente Fernando Henrique Cardoso.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/04/1997 - Página 7992