Discurso no Senado Federal

ANALISE DA EVOLUÇÃO, DO CONCEITO E DA IMPORTANCIA DA REFORMA AGRARIA NO PAIS. CAMINHADA DOS SEM-TERRA A BRASILIA.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • ANALISE DA EVOLUÇÃO, DO CONCEITO E DA IMPORTANCIA DA REFORMA AGRARIA NO PAIS. CAMINHADA DOS SEM-TERRA A BRASILIA.
Publicação
Publicação no DSF de 18/04/1997 - Página 8026
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • HISTORIA, DEBATE, REFORMA AGRARIA, BRASIL, IMPORTANCIA, MARCHA, SEM-TERRA, BRASILIA (DF), DISTRITO FEDERAL (DF), APOIO, POPULAÇÃO, OPORTUNIDADE, ATUAÇÃO, GOVERNO.
  • ANALISE, UNIÃO, SEM-TERRA, DESEMPREGADO, CONFIRMAÇÃO, PREVISÃO, DARCY RIBEIRO, SENADOR.
  • REGISTRO, APOIO, REFORMA AGRARIA, ESPECIFICAÇÃO, MINISTERIO DO EXERCITO (ME), IGREJA CATOLICA, DOAÇÃO, TERRAS.
  • APREENSÃO, PERDA, PROPRIEDADE, PEQUENO PRODUTOR RURAL, AUMENTO, NUMERO, SEM-TERRA, REGISTRO, PROPOSTA, BANCO DO BRASIL, DISPONIBILIDADE, TERRAS, OBJETIVO, REFORMA AGRARIA.
  • REGISTRO, ATUAÇÃO, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), AMBITO, REFORMA AGRARIA, NECESSIDADE, GARANTIA, PRODUÇÃO, ASSENTAMENTO RURAL.
  • APOIO, ORADOR, SEM-TERRA, EXPECTATIVA, ATUAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB-RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, falo, neste final de sessão, sobre matéria que, durante muitas e muitas vezes no decorrer de minha vida, venho falando.

Ainda jovem, na faculdade de Direito, o Senador Alberto Pasqualini reunia um grupo de estudantes, do qual eu fazia parte, para debater e discutir a reforma agrária, que S. Exª já chamava de a reforma das reformas, pois tudo começava com a reforma agrária. De lá para cá, foram tantos os anos em que se debateu, em que se discutiu, e foram tantas as teses, e foram tantas as propostas e, na verdade, foram tantos os fracassos.

Foi dito aqui, é verdade, que hoje se despolitizou o termo reforma agrária. Não é mais coisa de comunista, não é mais coisa de gente querendo comer criancinha, não é mais ato de terrorismo, de tirar a terra de quem planta. Hoje, há uma consciência da importância e da responsabilidade da reforma agrária.

Por outro lado, hoje também se diz que o problema da cultura da terra não é mais uma questão da pequena propriedade. A globalização, a tecnologia moderna, os modernos meios de comunicação, a irrigação fazem com que a propriedade para ser produtiva tem que ser grande propriedade. E que a propriedade familiar cria poucas conseqüências e possibilidades de ser vitoriosa.

A verdade é que o tempo passou, muito se falou e praticamente nada se fez.

Tenho para mim que hoje será um dia importante, aconteça o que acontecer. Hoje estava fadado a ser um dia importante. No início, logo no início, há dois meses, parecia que hoje deveria ser um dia importante pois seria um dia de contestação, de violência, de radicalização; o Governo não permitiria a caminhada, e os trabalhadores haviam dito que caminhariam até Brasília. Graças a Deus, não será por razões de violência que hoje será um dia importante. Hoje será um dia importante porque marcará uma data histórica: foi naquele dia, naquela quinta-feira, naquele mês de abril, na Esplanada dos Ministérios, que vieram trabalhadores e pessoas do Brasil inteiro, comovendo a Nação, comovendo todos os setores da sociedade, e que se conseguiu chegar a um estágio de entendimento político e social. A classe política, o Congresso Nacional e o Presidente da República encontraram o início da saída do enquadramento da solução. E encontrada a solução, a data de hoje, exatamente a data de hoje, 17 de abril, ficará marcada.

Se isso não acontecer, se for mais uma caminhada, mais uma movimentação, mais um ato de civismo, e nós Parlamentares e Governo Federal não tivermos sensibilidade para ver, sentir e agir, no futuro se dirá: "Foi naquele 17 de abril que o Congresso Nacional e o Presidente da República perderam a oportunidade de fazer alguma coisa".

Bonito gesto o desses trabalhadores, Sr. Presidente. Gente simples, gente que mora em barraca, gente sem terra, sem teto, sem emprego, sem esperança. Todavia, estão constituindo um movimento que já marcou a sua presença na História deste País.

O Japão perdeu a guerra, mas o herói da vitória americana, McArthur, realizou e fez a reforma agrária. Lá no meu Estado, Rio Grande do Sul, e em Santa Catarina, o Rei Dom Pedro fez reforma agrária - o nome não era reforma agrária, era colonização - no meio do mato, como hoje é o mato da Amazônia, só que no sul, lá no extremo sul, uma região que ninguém sabia que existia. O Rei trouxe os agricultores praticamente sem um centavo, sem nada, passando fome na Itália e na Alemanha, e entregou para eles um pedaço de terra. E nesse pedaço de terra plasmou-se uma civilização que marcou história no Brasil.

Nos Estados Unidos, fizeram uma reforma agrária, uma colonização. Mas lá nos Estados Unidos, na hora de fazer a colonização, na Marcha para o Oeste, o que valia não era se o cidadão tinha um título de propriedade ou não; o que valia era que o cidadão fosse assentar a terra, cercá-la e registrá-la como propriedade dele. Nos Estados Unidos como no Rio Grande do Sul o que valia era a posse. Não no Brasil, onde, desde as capitanias hereditárias até agora, o que vale é um título de domínio, que muitas vezes não se sabe de onde vem e a que título usá-lo.

O Movimento dos Sem-Terra cresceu e avançou.

Volto a chamar a atenção do Plenário: ali naquela cadeira, o Senador Darcy Ribeiro pronunciou, há dois anos, um dos discursos mais importantes da história do Senado. Naquela época, não se falava no avanço e na integração dos sem-terra. Dizia o Senador Darcy Ribeiro: "Está havendo no Brasil um movimento social, e há pessoas que não se estão dando conta. Está havendo uma integração do Movimento dos Sem-Terra com os desempregados, os sem-emprego e os sem-terra. Conheço mais de mil núcleos que se estão criando pelo Brasil. O movimento vai crescer, vai avançar, vai agitar, vai comover. Dirijo-me ao meu amigo Fernando Henrique Cardoso no sentido de que se antecipe, porque esse é um movimento histórico, um movimento importante e irreversível para o qual não há resposta, porque um não tem terra, e o outro não tem emprego".

Se olharmos para o meu Rio Grande do Sul, veremos que, geralmente, aquele que não tem emprego é o cidadão que já teve terra. Trata-se do homem que tinha uma pequena propriedade, saiu por razões da economia inerente à monocultura, deixando seu pedaço de terra e foi buscar emprego na região de Caxias, minha terra, ou Novo Hamburgo, na Grande Porto Alegre, e hoje está desempregado. Em São Paulo é a mesma coisa. O desempregado de hoje é o cidadão que veio do Nordeste, tinha um pedacinho de terra, morava no interior; mas hoje é desempregado. Então, quando vemos a mobilização, quando vemos que se dão as mãos, se juntam os sem-terra e os sem-emprego, não há que se dizer que é uma convulsão social ou um movimento de busca, de revolta; é apenas um movimento de busca de equacionamento social. Pois é o que está acontecendo. O que o Senador Darcy Ribeiro dizia está acontecendo.

Os trabalhadores tiveram competência. Os agitadores, os radicais, que sempre existem e sempre existirão em qualquer local, os que buscavam contestar, brigar, portar armas ou agitar falaram para o vazio, para o vento. Os que quiseram vir organizados, responsáveis, conscientizados vieram. Centenas e centenas, gente com mais de mil quilômetros caminhados, meses caminhando, passaram por 200, 300 cidades e agora estão aqui.

Quem diria, Sr. Presidente, a vida dá voltas. O som que eles estão usando aqui na frente do Senado, na praça do Congresso, está sendo pago pelo Senado Federal, por decisão do Sr. Antonio Carlos Magalhães. Decisão acertada. Falo isso para dar uma demonstração da fórmula como essa questão foi equacionada. Amanhã estarão aqui, às nove horas, sendo recebidos pelo Presidente do Congresso Nacional e serão recebidos pelo Presidente do Congresso Nacional e convidados a participar da sessão matutina amanhã desta Casa. Às 16 horas, serão recebidos pelo Presidente da República.

Por mais que o Presidente Fernando Henrique Cardoso esteja fazendo um Governo de credibilidade - a inflação está praticamente zerada, a economia está em desenvolvimento, há manchetes no mundo inteiro que o divulgam como homem moderno -, será difícil que Sua Excelência tenha outra oportunidade como a de amanhã. Amanhã será o dia do Presidente Fernando Henrique Cardoso! Amanhã, o Presidente Fernando Henrique Cardoso terá condições de iniciar um processo novo na vida deste País. Sua Excelência se reunirá com os líderes e com eles debaterá, sem fazer falsas promessas, sem prometer milagres. Sabemos que, num país do tamanho do Brasil, essas questões não são resolvidas de um dia para o outro. Sabemos que, no Brasil, muitos proprietários de terra têm uma mentalidade tacanha; é difícil convencê-los de que essa reforma é necessária.

Sr. Presidente, não tenho dúvidas de que amanhã o Presidente Fernando Henrique Cardoso terá a mais importante oportunidade - não tenho nenhuma dúvida - para marcar a sua passagem na Presidência da República e iniciar um processo de equacionamento da questão da reforma agrária.

Há muitas coisas que penso que poderia dizer, mas não vou fazê-lo porque não tenho a vaidade nem a pretensão de querer dar conselhos ao Presidente da República. Seus conselheiros - vejo aqui os Senadores José Serra e José Fogaça, dos mais brilhantes e competentes - terão condições de dizer a Sua Excelência: "Presidente Fernando Henrique Cardoso, esta não é mais uma caminhada. É certo que há gente aqui e ali, políticos e partidos de oposição, querendo falar, gritar, se intitularem donos da verdade. É certo que haverá gente que vai querer bater na mesa e dizer "isso é contra o Presidente" e coisas do gênero, mas não é por aí. O movimento de hoje é um grande movimento social e real dos sem-terra e dos sem-teto."

Amanhã será o dia em que o Presidente da República terá condições de falar com os líderes, de falar à Nação e de anunciar medidas e propostas reais e objetivas para equacionar a questão.

Ora, Sr. Presidente, eu dizia que a idéia de considerar reforma agrária coisa de comunismo já desapareceu, até porque não há mais comunismo. Todavia, vou além. Fui Ministro da Agricultura e Governador de Estado, e nas duas oportunidades tentei, junto aos militares, buscar terras do Exército - e lá no Rio Grande do Sul tem áreas enormes - para fazer a reforma agrária. Foi uma revolução; eles se consideraram ofendidos, disseram que era ridículo, que era estúpido, que era absolutamente impossível. Hoje, o Ministro do Exército está oferecendo mais de 3 milhões de hectares para fazer a reforma agrária. Vai além o Ministro do Exército: está oferecendo as terras e colocando todos os serviços do Exército para fazer a divisão, o escalonamento e preparar a terra para fazer os assentamentos.

De outra parte, diziam que a Igreja falava em fazer reforma agrária; mas, nas suas terras, a Igreja não pensava. Agora, está aí nos jornais a manchete: a Igreja declara que tem mais de 70 mil hectares de terra e que está disposta a entregá-las para fins de reforma agrária.

Hoje, na sua coluna no jornal Zero Hora, a jornalista Ana Amélia Lemos, com a maior competência - aliás, a meu ver, é uma das colunistas que mais tem debatido na imprensa nacional a questão da propriedade rural e dos pequenos e médios produtores - chama a atenção para um detalhe. Quando se fala em reforma agrária a jornalista fornece um número em torno de 600 a 700 mil pequenos produtores que, no ano passado, perderam as suas terras.

O problema não é só daquele que não tem a terra, mas daquele que tinha e está perdendo. O Banco do Brasil, agente financiador dessas pessoas que estão perdendo a terra porque não podem mantê-la, talvez seja o grande latifundiário deste País. Até hoje o Brasil coloca em edital público a venda de suas terras e os grandes proprietários acabam comprando-as por preço absolutamente vil.

O Banco do Brasil está estudando proposta no sentido de que essas terras que possui, as quais já foram produzidas, cultivadas e estão em condições de serem cultivadas novamente, possam ser colocadas para o Governo realizar assentamentos e a reforma agrária.

Sr. Presidente, repare como há toda uma engrenagem no caminho dessa reforma agrária. É verdade que o assunto deve ser debatido. Sou um dos que não entende por que o Governo não se aprofunda no exame dessa matéria.

Com todo o respeito ao Movimento dos Sem-Terra - porque entendo que os trabalhadores estão fazendo a sua parte -, o Governo tem a obrigação de realizar um levantamento ao nível municipal e estadual com a finalidade de localizar terras improdutivas e agricultores sem terra.

Vou além: no Rio Grande do Sul - posso falar tranqüilamente porque não foi no meu governo, mas no de Alceu Collares, do PDT do Rio Grande do Sul, e o Governador Britto está dando continuidade ao trabalho de seu antecessor -, foram lançados os chamados condomínios rurais, onde o Governo reunia um grupo de trabalhadores e dava a eles maquinário, os quais, no conjunto, podiam ter seu silo, sua máquina, seu trator, condições de seguir adiante, pois com 20, 25 hectares, o cidadão fica com a terra, mas sem condições praticamente de sobreviver.

Essas questões devem ser discutidas, devem ser debatidas, equacionadas. Eu assentei várias pessoas. Lembro-me que quando o Dr. Tancredo criou o Ministério da Reforma Agrária, ele queria fazer reforma agrária. Quando fui Ministro da Agricultura, não do Dr. Tancredo que infelizmente faleceu, mas do Dr. Sarney, lembro-me que - não eram os sem-terra - a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura realizou manifestação em Brasília reunindo milhares de trabalhadores do Brasil inteiro e, num congresso de agricultura, Sua Excelência foi aplaudido de pé porque garantiu que faria a reforma agrária.

Naquela oportunidade, procurei o Ministro da Reforma agrária, Nelson Ribeiro, e disse-lhe que precisávamos sentar e discutir: ele era Ministro da Reforma Agrária, iria fazer a distribuição das terras; mas eu, Ministro da Agricultura, iria garantir que esse assentamento progredisse.

Essa questão deve ser discutida, porque dar a terra e não fazer nada não resolverá o problema.

O Brasil vive um grande momento. Vemos o êxito dos trabalhadores, vemos o êxito das suas lideranças, vemos o êxito dos sem-terra. A Imprensa também tem um grande mérito porque deu destaque ao acontecimento, contou a verdade, mostrou que os sem-terra eram bem recebidos nos lugares pelos quais passavam e que o movimento era pacífico. Quero registrar o mérito do povo de Brasília que, a partir de seu Governador, recebeu de braços abertos esse movimento de paz. Quero registrar também o mérito do Presidente do Congresso Nacional que, inclusive, ofereceu o som necessário e abriu as portas do Congresso Nacional para que eles venham aqui debater o problema. Isso acontecerá amanhã. É a palavra do Presidente Antonio Carlos Magalhães.

Fatos ruins, não acredito que existirão, apesar de algumas previsões quanto ao que dirá o Presidente Fernando Henrique Cardoso. Más notícias não vão ocorrer, tenho certeza. O Presidente da República é brilhante, fala bem, é um bom orador. Penso que as notícias serão neutras ou boas. Sabemos o que são notícias neutras: os sem-terra vão receber terra, já foram assentadas tantas famílias, mais do que nos outros governos. Ninguém está discutindo isso. Ninguém está discutindo sobre o que fez Getúlio, nem sobre Juscelino, nem sobre Itamar, nem sobre os militares. Não é essa a questão que está em jogo. Não estamos cobrando nada. O problema não é cobrar de quem fez e de quem não fez; o problema é cobrar de quem pode fazer. Ninguém está dizendo que o Presidente Fernando Henrique Cardoso é responsável por isso que está aí. Seria ridículo dizer isso. É claro que não é. O Presidente Fernando Henrique Cardoso assentou famílias? É claro que assentou. Tem preocupação com a reforma agrária? É claro que tem. Mas o Sr. Fernando Henrique Cardoso é o grande responsável, primeiro, porque está na Presidência da República; segundo, porque nunca, Sr. Presidente, na História do Brasil, um Presidente da República teve uma maioria tão tranqüila como o Sr. Fernando Henrique Cardoso tem na Câmara dos Deputados e aqui no Senado Federal.

Quando Sua Excelência se despediu do Senado, aqui desta tribuna, e disse que terminara a era Vargas, eu não gostei e não entendi o que queria dizer. Hoje eu entendo. Terminou. Getúlio Vargas era considerado um sagaz gênio político, porque governava com o PTB e com o PSD: um partido dos conservadores e outro dos trabalhadores.

Cá entre nós, o Dr. Fernando Henrique Cardoso governa com o PSDB, com o PFL, com o PMDB, com o PTB - desculpem-me os outros dez que não citei -, enfim, com todos os partidos. E tem maioria. Então, volto a repetir: não se deve esperar milagre do Presidente. Se ele prometer milagre, não é um bom discurso, porque não é verdade. O que se pode esperar, e o Presidente tem condições de fazer isso amanhã, é um pronunciamento. Então haverá dois marcos: primeiro, o grande movimento dessa gente, essa marcha histórica que está aí; segundo, a resposta dada pelo Presidente, que iniciou a execução...

Ontem, o Congresso aprovou um projeto de minha autoria, que institui o Prêmio Ulysses Guimarães para quem luta pela democracia. Um projeto estranho, não é, Sr. Presidente? Há o Prêmio Nobel da Paz, o Prêmio Nobel da Saúde. Os prêmios são os mais variados. Eu penso que é muito importante o fato de num país como o Brasil, situado na América Latina, onde temos uns pedacinhos de democracia e uns pedações de ditadura, o Congresso Nacional instituir um prêmio para quem luta pela democracia. A cada ano, numa sessão solene, uma comissão composta de dois representantes do Supremo, dois do Executivo, dois da Câmara e dois do Senado irá escolher a entidade ou o cidadão que receberá um prêmio porque lutou pela democracia. Isso é muito importante.

Dizia eu ao Senador Eduardo Suplicy, quando S. Exª falava na coincidência ocorrida ontem - aprovação do projeto de louvor ao mérito de quem luta pela democracia e também dia dos sem-terra -, que talvez daqui a um ano estejamos dando a eles esse prêmio. Vou além. Talvez daqui a um ano, ou no dia 03 de outubro do ano que vem, estejamos dando o prêmio previsto no meu projeto ao Presidente da República e ao Movimento dos Sem-Terra, porque os dois fizeram isso.

A caminhada, Sr. Presidente, nos lembra o que lemos sobre a Revolução Francesa; parece que, num determinado momento, o povo saiu para a rua e caiu a Bastilha. Quando lemos sobre a Revolução Industrial, parece que num determinado momento terminou a oligarquia e iniciou a fase da máquina.

Um exemplo disso nos Estados Unidos é a história de Martin Luther King, quando ele fez aquela caminhada pacífica, com um milhão de negros saindo de todos os Estados Unidos rumo a Washington, divergindo - como ele divergiu - do movimento dos negros americanos, mais prepotentes, porque têm melhores posições do que os nossos. Está certo que lá há muitos negros pobres, muitos negros na cadeia, muitos negros entre os miseráveis, mas também há muitos negros na universidade, há muitos negros importantes. E lá essa gente queria lutar pelo seu espaço. No entanto, Luther King quis fazê-lo pacificamente. E aquele seu movimento de um milhão de pessoas em Washington terminou resultando na revogação de praticamente todas as legislações racistas dos Estados Unidos. E ele ganhou o Prêmio Nobel da Paz, por aquele movimento - uma caminhada pacifista.

Quando iniciou aquele movimento, Luther King era contestado; era uma figura malvista: "Olha o que ele está fazendo: vão colocar os negros em Washington para verem nossa miséria; não vai resolver nada".

Quem não diz, Sr. Presidente, que hoje ou amanhã estaremos vivendo um dia histórico neste País? No entanto, esse dia não poderá ser um dia de um só: os sem-terra não serão os heróis desse dia, Sr. Presidente; heróis eles são - os heróis, os mártires, os lutadores, os homens de coragem, os homens de luta, os homens de garra, essa denominação é deles! Mas vitoriosos eles só podem ser junto com o Presidente da República, se o Presidente entender a mensagem deles e respondê-la.

O Senhor Presidente da República já teve várias passagens na sua vida, mas a página em branco que estará na sua frente amanhã é a grande oportunidade. Como cristão, como cidadão, como brasileiro, peço ao Presidente da República que tenha sensibilidade.

Parece que Deus quer cobrar dos sem-terra até o último minuto, com a tempestade que cai sobre as suas cabeças. Mas eles estão aqui, com a chuva e com a fome. A eles, levo um abraço, um abraço fraterno. Queira Deus, Sr. Presidente, que essa imagem que temos agora diante da Esplanada dos Ministérios não termine hoje, e que o Congresso e o Senado, que lamentavelmente, ao longo do tempo, têm sido insensíveis às teses sociais, se manifeste. Há discursos que não são de hoje, Sr. Presidente. Todos estamos falando sobre reforma agrária porque eles estão ali na frente, porque é a manchete do dia; mas, daqui a três ou quatro meses - como há dez, quinze anos -, será muito difícil que os temas sociais sejam abordados nesta Casa.

Guardemos essa mensagem, Sr. Presidente. Deveríamos tirar uma fotografia enorme desse dia, uma fotografia dessa gente e colocá-la na entrada do Senado, para que, sempre que a olharmos, entendamos que também somos responsáveis. Isso está acontecendo, Sr. Presidente, por nossa culpa, pela nossa omissão, pelo nosso silêncio, pela falta de vontade ou de garra para lutar, porque se eles, os sem-terra, caminhando, perambulando, chegaram até aqui, nós Senadores, os pais da Pátria, sendo pagos para fazer, praticamente consideramos que fizemos um pronunciamento e cumprimos a nossa parte.

Meu abraço, com carinho, aos sem-terra, e a minha oração muito profunda para que Deus oriente o Presidente Fernando Henrique Cardoso em seu pronunciamento de amanhã.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/04/1997 - Página 8026