Discurso no Senado Federal

PEDIDO A CPI DOS PRECATORIOS PARA QUE CONSIDERASSE ABERTO SEU SIGILO BANCARIO, FISCAL E TELEFONICO. RESPOSTA DE S.EXA. A QUESTIONARIO DA CPI DOS PRECATORIOS. EXPLICAÇÕES SOBRE O RELATORIO DE S.EXA. AOS PRECATORIOS DA CIDADE DE OSASCO. IMPORTANCIA DA MARCHA DOS SEM-TERRA A BRASILIA.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), PRECATORIO. REFORMA AGRARIA.:
  • PEDIDO A CPI DOS PRECATORIOS PARA QUE CONSIDERASSE ABERTO SEU SIGILO BANCARIO, FISCAL E TELEFONICO. RESPOSTA DE S.EXA. A QUESTIONARIO DA CPI DOS PRECATORIOS. EXPLICAÇÕES SOBRE O RELATORIO DE S.EXA. AOS PRECATORIOS DA CIDADE DE OSASCO. IMPORTANCIA DA MARCHA DOS SEM-TERRA A BRASILIA.
Publicação
Publicação no DSF de 18/04/1997 - Página 8030
Assunto
Outros > COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), PRECATORIO. REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • REGISTRO, ANTECIPAÇÃO, SOLICITAÇÃO, QUEBRA, SIGILO BANCARIO, TELEFONE, SIGILO, NATUREZA FISCAL, ORADOR, SUSPENSÃO, IMUNIDADE PARLAMENTAR, PERIODO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), TITULO DA DIVIDA PUBLICA.
  • RESUMO, RESPOSTA, ARGUIÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), PRECATORIO, ATUAÇÃO, ORADOR, COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONOMICOS, APROVAÇÃO, EMISSÃO, TITULO DA DIVIDA PUBLICA, PREFEITURA, MUNICIPIO, OSASCO (SP), ESTADO DE SÃO PAULO (SP).
  • ANALISE, IMPORTANCIA, MARCHA, SEM-TERRA, AUMENTO, CONSCIENTIZAÇÃO, LUTA, REFORMA AGRARIA.

O SR. LAURO CAMPOS (PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, utilizarei os minutos finais desta sessão para fazer algumas comunicações que deveriam ter sido feitas há vários dias.

Não as fiz antes, porque preferi realizá-las no silêncio, longe de possíveis holofotes; o fato é que me antecipei a todos os Senadores que foram Relatores de precatórios e, no dia 20 de março, enviei um pedido à CPI dos Precatórios para que considerasse aberto o meu sigilo bancário, fiscal e telefônico dos últimos vinte anos.

Naquela oportunidade, comuniquei estar enviando, no mesmo dia, à Mesa do Senado Federal um documento em que requeiro a suspensão de minha imunidade parlamentar enquanto durarem os trabalhos da CPI. Isso foi no dia 20 de março, portanto, antes de ser convocado, antes que me sugerissem ou determinassem essas medidas, para que, obviamente, a minha atitude servisse de exemplo aos outros nove colegas Senadores que foram, tal como eu, Relatores dos dez precatórios, que passaram pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, e pudessem também adotar atitudes semelhantes e assim mostrar que a imprensa se equivoca quando afirma que a lama dos precatórios pode ter sujado alguns Senadores e salpicado na honra e na dignidade do Senado Federal.

Faço hoje esta comunicação - após o Senador Eduardo Suplicy ter feito a sua -, em relação à atitude que tomei, a primeira nesse sentido.

Não tenho nada a esconder. Ao contrário, considero que o fato de ter sido Relator do precatório de Osasco serviu para engrandecer o meu currículo e, tranqüilamente, considero ser uma obrigação do Relator proceder como procedi.

Recebi, há cerca de quatro dias, um convite para fazer uma palestra em Osasco, mas, infelizmente, não pude ir. Conversei longamente, por telefone, com o presidente do Sindicato dos Bancários e fiquei realmente estarrecido diante da dificuldade que a população tem em entender essas coisas, que mesmo para nós Senadores parecem, muitas vezes, complicadas e o são; o meu procedimento em relação aos precatórios foi explicitado pelas respostas que dei ao questionário da CPI dos Títulos Públicos, o qual remeti hoje à CPI.

Vou ler resumidamente as perguntas feitas e as respostas que dei:

"1) O Relator é (ou era) membro da Comissão de Assuntos Econômicos à época do parecer?

Era à época e ainda sou membro titular da Comissão de Assuntos Econômicos.

2) Quais as pessoas que o assessoraram diretamente na redação do parecer? Eram da Consultoria Legislativa do Senado Federal?

O Sr. Juarez de Souza, consultor legislativo desta Casa; o Sr. Bazileu Alves Margarido Neto, assessor do gabinete da Liderança do PT no Senado, e a Srª Flávia Lima e Alves, chefe de meu gabinete.

3)Quanto tempo (dias) teve Vossa Excelência para levantar dados, formular consultas, analisar documentos do processo e elaborar seu parecer técnico e voto?

32 (trinta e dois) dias - de 02/02/96 a 04/03/96.

4) Integrantes do Senado Federal e/ou governadores/secretários procuraram-no nesse período para oferecer "subsídios" ou argumentos?

Sim. O Sr. Helito Bastos, que identificou-se como assessor da Câmara dos Deputados, compareceu em meu gabinete apresentando o Sr. Roberto Sanchez, Secretário dos Negócios da Fazenda da Prefeitura do Município de Osasco, que, se não me falha a memória, estava acompanhando do Sr. Celso Antônio Giglio, Prefeito Municipal de Osasco.

Cumpre esclarecer que a visita deveu-se ao fato do Sr. Sanchez ter tomado conhecimento, mediante contato telefônico com o meu gabinete, de que o Banco Central havia informado em seu parecer que o Município de Osasco encontrava-se cadastrado como inadimplente junto ao Sistema Financeiro Nacional no Cadastro da Dívida Pública - CADIP, e que isto desrespeitava as exigências da Resolução nº 69/95 do Senado Federal, à qual eu deveria me ater para exarar meu parecer. Após rápida conversa, tendo eles argumentado que o Banco Central estava equivocado e se dispondo a apresentar documentação complementar, concordei em reexaminar a matéria quando estivesse de posse da referida documentação.

5) Tem algo a dizer sobre os fatos, os documentos, as pessoas, as entidades e os interesses que, de uma forma ou de outra, influíram em seu parecer?

Os procedimentos adotados em cada uma das etapas da elaboração de meu parecer devem ser levados em consideração para a resposta a esta questão. São eles: a) a Solicitação de Trabalho à Consultoria Legislativa referente ao Of.S nº 01/96, elaborado pelo meu gabinete, à qual foi apensado um anexo apontando as dúvidas a serem dirimidas pela Consultoria e determinando que o parecer deveria ater-se ao resultado desta análise, vale dizer, favorável ou contrário em função dos fatos relatados e documentos disponíveis no processo; b) a Nota Técnica nº 077/96, elaborada criteriosamente pelo consultor Juarez de Souza; c) a Solicitação de Trabalho à Consultoria Legislativa nº 0301/96, onde por minha determinação procedeu-se ao reexame da matéria à luz dos documentos remetidos pela Prefeitura de Osasco (devidamente juntados ao processo - fls. 109 a 148), a saber: os referentes à questão da inadimplência apontada pelo Banco Central, a Ata de Votação da Lei nº 3.190/95 (que comprova o atendimento ao disposto no art. 167, inciso III, da Constituição Federal), o OF. GP. nº 118/96 (exposição de motivos do Prefeito de Osasco) e o avulso do Orçamento do Município. Acresce-se a isso a exigência de que "as emissões autorizadas por essa Resolução somente serão registradas e colocadas no mercado de títulos no exato montante das despesas com o pagamento dos débitos judiciais apurados em sentenças transitadas em julgado, previamente apresentadas ao Banco Central do Brasil [...]" (grifo nosso) conforme fiz constar do parágrafo único do art. 2º do projeto de resolução do Senado , nos termos do qual concluía meu parecer. Por todo o exposto, fica patente o empenho e a seriedade de todos os profissionais que me auxiliaram na elaboração de meu parecer, os quais, acatando minhas determinações, tiveram o máximo cuidado para que, uma vez concedida pelo Senado Federal a autorização para a emissão de títulos públicos, a operação financeira transcorresse segundo determina a lei e com a lisura que o trato da coisa pública pressupõe.

Quero, ainda, esclarecer que o Banco Central deu parecer contrário à emissão de títulos para o pagamento de precatórios da Prefeitura de Osasco, afirmando que a mesma já havia ultrapassado o limite técnico de endividamento.

Ora, a Prefeitura de Osasco se encontrava endividada - como, aliás, acontece com todas as prefeituras do Brasil; todavia, existe o art. 33 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que dá às prefeituras o direito de emitir títulos - LFTN - no montante exato das dívidas já existentes em 1998, que poderiam ser pagas em oito anos. Para tal, as prefeituras ficavam autorizadas à emissão dos títulos da dívida pública municipal ou estadual, conforme o caso. Eu não poderia contrariar o art. 33 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que permite às prefeituras pagar dívidas anteriores a 88 com sentenças já transitadas em julgado. Eu não poderia infringir o disposto na Constituição. O parecer do Banco Central é técnico, mas equivocado, afronta a Constituição Federal. Tomei a precaução de obrigar a Prefeitura de Osasco a comprovar, junto ao Banco Central, que a venda de títulos seria integralmente destinada ao pagamento dessas dívidas; não poderia haver desvio nem para pagamento de funcionários, nem para pagamento de empreiteiras, nem para fazer obras, nem para custear eleição.

Sr. Presidente, a precaução eu tomei. Infelizmente, na primeira e na segunda publicação e republicação do meu parecer, essa precaução que inseri no meu parecer não foi publicada. Também na republicação ela não apareceu. Então, levantei uma questão de ordem aqui no plenário, em novembro do ano passado, e fiz referência, estranhando a supressão dessa precaução que eu havia tomado ao exarar o meu parecer.

Portanto, a partir da data em que o meu parecer se transformou em resolução, novembro do ano passado, transcorreu um lapso de tempo em que a Prefeitura de Osasco pôde realizar a emissão de títulos, talvez sem cumprir as determinações inscritas no meu parecer.

(...)

8) V. Exª tem algum comentário ou sugestão a fazer sobre o episódio ou sobre a Comissão Parlamentar de Inquérito?

Em meu entender, faz-se necessário um maior rigor na aferição da documentação exigida pelos dispositivos constantes da Resolução nº 69/95, bem como uma padronização na apresentação da referida documentação.

Mas, sobretudo, urge que seja adotado nas Comissões do Senado Federal o princípio de sorteio para a designação dos relatores de todas as matérias que tramitam nesta Casa, tal como acontece no Supremo Tribunal Federal, nos Tribunais Superiores e em todos os Tribunais brasileiros.

A adoção desse critério me preocupa desde os meus primeiros dias de mandato como Senador nesta Casa; parece-me que, ao Presidente das Comissões, não poderá ser atribuída nenhuma má intenção quando o mesmo escolher um de nós para ser o Relator de determinada matéria. Não haverá possibilidade de que uma matéria importante seja pré-encaminhada, pré-dirigida ou pré-direcionada a um Senador cujo parecer já é de antemão conhecido.

Esse critério, vigente nos Tribunais, deveria ser adotado também aqui no Senado, para que, melhor e mais isentamente, pudéssemos encaminhar os nossos trabalhos.

Sr. Presidente, é esse o esclarecimento que eu gostaria de fazer. Quero lembrar que abri mão de minhas imunidades parlamentares e de todos os meus sigilos - fiscal, bancário e telefônico - a partir de 20 anos atrás, para que não possa pairar qualquer dúvida a respeito da maneira transparente e diligente, que, modéstia à parte, moldou o parecer sobre os precatórios de Osasco.

Eu gostaria de falar também sobre o Movimento dos Sem-Terra, do qual participei hoje a partir das 9 horas da manhã.

Assisti à confluência desses dois rios de homens, escutei a voz de seus passos e senti na alma o bem que faz quando, ao lado do corpo que se fortalece na caminhada, também a consciência se afirma e cresce.

É importantíssima a chegada desses nossos companheiros, que andaram mil quilômetros. Minha esposa chorou quando viu que um deles só tinha a parte da frente de sua sandália de pescador, porque a de trás tinha ficado pelos mil quilômetros de caminhada. Ali, senti falta, nesta cidade em que os discípulos de Le Corbusier fizeram apenas uma urbes - e não uma polis - de cimento, fria, dessa vida nesta abóbada de cimento, atapetada, ambiente muito bom para crescerem os ácaros, mas não para crescerem e se desenvolverem a consciência e a vida.

Portanto, hoje tomei um banho de sol e de civilidade; tomei um banho de consciências a partir das 9 horas da manhã, e o meu corpo, que já não tem energia suficiente, foi revitalizado, revigorado, porque um homem só na tribuna é de muito pouca valia, mas a soma, a agregação desse ser gregário que é o ser humano não apenas constitui o somatório de vontades, mas a multiplicação de vontades; é um poder diferente daquele que constitui o nosso despoder individual.

Portanto, Sr. Presidente, se eles voltassem hoje para os seus lugares de origem, já teriam ganho a sua caminhada. O Presidente da República voltou atrás. Devemos reconhecer que Sua Excelência foi até o Papa para ver se impedia que a Igreja Católica participasse desse Movimento dos Sem-Terra. Todavia, vi lá, ao meu lado, dezenas de padres de várias congregações, ali conosco, participando desse momento de rejuvenescimento e de crescimento da consciência dos trabalhadores brasileiros.

Portanto, tenho certeza que, talvez, a imprensa não tenha sido justa com Sua Excelência o Presidente da República quando afirmou que, em sua ânsia para obter a reeleição, teria prometido, para obter os votos da Bancada ruralista, criar certos embaraços ao processo de reforma agrária.

Talvez, a ação do Sr. Raul Jungmann, Ministro inteligente e brilhante, transpareceu a sua recusa até mesmo em conversar com os representantes desse Movimento. Lá, entre outras coisas bonitas não há chefe. Há representantes do Movimento. Conhecemos o João Stédile, ex-seminarista, economista formado pela PUC, no Rio Grande do Sul, e com curso no México; e outros líderes, que não gostam desta denominação. São apenas companheiros e representantes do Movimento de pessoas que tendem e que lutam pela igualdade.

Os sem-terra chegaram a Brasília, numa marcha onde só duas Prefeituras se negaram a recebê-los: Paraopeba, grotão de Minas Gerais e a de Alexânia, um dos lugares mais reacionários do interior goiano. Em outras cidades foram recebidos com flores, com satisfação, com alegria e com auxílios. Portanto, já ganharam, aqui, o prêmio pela sua longa jornada.

Agradeço a esses trabalhadores a oportunidade de ter saído do paletó e da gravata e ter voltado ao que realmente aprecio e àquilo em que acredito.

As coisas só acontecem neste País a partir da rua, do povo, das estradas e essa vinda dos sem-terra veio trazer uma manhã de alegria que, espero, seja o início de longos tempos de satisfação e de regozijo diante da vitória daqueles que querem a terra para trabalhar.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/04/1997 - Página 8030