Discurso no Senado Federal

PROJETO DE LEI DO SENADO 36, DE 1997, DE SUA AUTORIA, ABOLINDO A PRISÃO CIVIL POR DIVIDA CONTRAIDA MEDIANTE EMPRESTIMO, GARANTIDO POR ALIENAÇÃO FIDUCIARIA.

Autor
Júlio Campos (PFL - Partido da Frente Liberal/MT)
Nome completo: Júlio José de Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA POPULAR.:
  • PROJETO DE LEI DO SENADO 36, DE 1997, DE SUA AUTORIA, ABOLINDO A PRISÃO CIVIL POR DIVIDA CONTRAIDA MEDIANTE EMPRESTIMO, GARANTIDO POR ALIENAÇÃO FIDUCIARIA.
Publicação
Publicação no DSF de 18/04/1997 - Página 8036
Assunto
Outros > ECONOMIA POPULAR.
Indexação
  • ANALISE, LEGISLAÇÃO, GARANTIA, ALIENAÇÃO FIDUCIARIA, FINANCIAMENTO, CREDITOS, CONSUMIDOR, REGISTRO, DIVERGENCIA, AUTORIZAÇÃO, PRISÃO, MOTIVO, DIVIDA.
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, EXTINÇÃO, PRISÃO, MOTIVO, DIVIDA, EMPRESTIMO, GARANTIA, ALIENAÇÃO FIDUCIARIA.

           O SR. JÚLIO CAMPOS (PFL-MT. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a alienação fiduciária em garantia surgiu no contexto jurídico pátrio com a Lei nº 4.728, de 14 de julho de 1965. Em face de seu texto lacunoso, até porque nasceu de emenda ao projeto de lei que se transformou na chamada Lei do Mercado de Capitais, inúmeras foram as divergências jurisprudenciais sobre as demandas daí decorrentes, principalmente quanto ao correto tipo de ação a intentar com vistas a se obter a execução da propriedade oferecida em garantia fiduciária.

           Como o novo instituto caminhava inexoravelmente para o desuso, ante as inúmeras dificuldades enfrentadas pelos credores para recuperar seus haveres, resolveu o Poder Executivo expedir o Decreto-Lei nº 911, de 1969, melhorando o texto primitivo no concernente ao direito material e acrescentando regras de direito processual.

           Apesar de sofrer alguns comentários severos, como "resquício do período autoritário", lei draconiana, etc., o fato é que ao longo destes quase 20 anos de aplicação, o Decreto-Lei nº 911 vem cumprindo a sua função de regulador do sistema de financiamento de crédito direto ao consumidor.

           As críticas em geral não procedem, porque o dinheiro que as entidades de financiamento e investimento emprestam aos seus clientes é o mesmo dinheiro que receberam em captação no mercado financeiro, oriundo da poupança popular. Por isso é que se diz que "as garantias que adotam nas operações ativas asseguram o bom fim das operações passivas."

           Neste sentido é a lição do magistrado PAULO RESTIFFE NETO em sua Garantia Fiduciária, ed. RT, pág. 57:

           "Sem a disponibilidade de meios eficazes de pronta satisfação do crédito, os financiamentos tornar-se-iam uma temeridade, afetando a própria liquidez das obrigações assumidas pelas financeiras em relação aos títulos de sua obrigação colocados no mercado. E a insegurança fatalmente prejudicaria a captação de recursos de financiamento, com retração na atividade de abertura de crédito para aquisição de utilidades e bens de produção."

           Mas há nesse diploma legal um defeito grave que precisa ser eliminado, porque afronta os postulados de proteção aos direitos humanos. É que o Decreto-Lei nº 911/69 permite a prisão civil por dívida ao equiparar o depositário fiduciante ao depositário de que trata o art. 1.287 do Código Civil.

           Constata-se uma intensa e séria divergência, tanto entre tribunais quanto entre doutrinadores, sobre a prisão civil por dívida contraída mediante obtenção de crédito por meio de alienação fiduciária.

           O Professor MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, em recente parecer publicado na "Revista Forense, jul/set/1994, pág. 165, conclui:

           "27. Em vista do exposto, pode-se concluir que se coaduna perfeitamente com a Constituição (art. 5º, inciso LXVII) a possibilidade da prisão civil, como depositário infiel, do alienante fiduciário, nos termos do art. 1.287 do Código Civil e do art. 904, parágrafo único, do Código Processo Civil. Nenhuma inconstitucionalidade macula estes preceitos."

           O processualista ADROALDO FURTADO FABRÍCIO contrapõe-se a esse posicionamento (apud Ministro Jesus Costa Lima, in "Comentários às Súmulas do STJ), aduzindo:

           "Também não me parece dar qualquer socorro à mesma tese a idéia, em que se insistiu muito, igualmente, de que aquele que vai buscar um financiamento, vai livremente, e também livremente anui na prestação das garantias porventura exigidas em cada operação de crédito realizada.

           A esse propósito, parece-me muito oportuno lembrar que todas as pessoas capazes são, sim, livres de dispor do seu patrimônio e, inclusive, de comprometê-lo em garantia. Mas ninguém é livre de comprometer a sua liberdade física a título de garantia patrimonial. E nisso importaria a extensão da reforçadíssima garantia da alienação fiduciária, que tem a potencialidade, pelo menos, de conduzir à prisão civil, a toda e qualquer espécie de mútuo, como se está a pretender.

           Se a alienação fiduciária for, como se está querendo, ao que parece, nivelada com o penhor, com hipoteca, com os demais direitos reais de garantia, no sentido de que o credor é livre de escolher entre qualquer desses institutos para garantir-se, se isso um dia for verdade, então (...) a garantia constitucional do veto à prisão por dívida estará definitivamente esvaziada e sepultada."

           Na página 183 dos mesmos "Comentários" encontra-se a seguinte transcrição:

           "A Constituição da República, no art. 153, § 17, proíbe a prisão civil por dívida, abrindo duas únicas exceções, que, como tais, se interpretam estritamente. Uma delas é a do "depositário infiel", expressão cujo significado não pode ser senão o que ressalta do art. 1.287 do Código Civil, e implica a não restituição da coisa ("o depositário, que o não restituir, quando exigido"). É a essa hipótese, e só a ela, que alude o texto constitucional, insuscetível de ampliação. Na alienação fiduciária em garantia não se cogita de "não restituição", pela singela e bastante razão de que o devedor não recebeu a coisa das mãos do credor, e só se restitui ou não a alguém o que desse alguém se houver recebido."

           Em excelente estudo intitulado Alienação Fiduciária em Garantia (RT, ano 82, vol. 693, p. 88), JOSÉ GERALDO DE JACOBINA RABELLO traz a lume a seguinte passagem:

              "Nas decisões acima mencionadas, da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, se estabeleceu que nas ações de depósito derivadas de alienação fiduciária se deveria ter por excluída cominação de prisão civil. Entendeu o STJ que a Constituição, ao permitir a prisão civil de depositário infiel, quis se referir apenas às obrigações concernentes aos depósitos clássicos, àqueles em que o depositário, como ensinou TRABUCCHI, recebe a coisa para guardar, conservar e restituir. Fora disso não cabe a prisão civil (...).

              O Supremo Tribunal, contudo, com sua força última, fazia prevalecer entendimento segundo o qual não ofendia a Constituição a decretação da prisão civil do devedor alienante fiduciante, porque a própria lei o constituía em depositário."

           Realmente, assim entende a Corte Suprema, pois em decisão recente, proferida no HC-73044, Relator o Ministro Maurício Corrêa, cuja ementa foi publicada no DJ de 20.09.96, decidiu:

           "3 -- A prisão de quem foi declarado, por decisão judicial, como depositário infiel é constitucional, seja quanto ao depósito regulamentado pelo Código Civil, como no caso de alienação protegida pela cláusula fiduciária."

           Conquanto chancelada pelo Supremo Tribunal Federal a constitucionalidade da prisão civil por dívida contraída com base no instituto da alienação fiduciária, repugna ao sentimento de solidariedade humana a extensão da hipótese prevista no art. 1.287 do Código Civil, por mera ficção legal. Do contrário, estaríamos regredindo aos tempos primevos, abolido do sistema romano desde a Lex Poetelia Papilia, de 326 A.C.

           Como há evidente dissenção jurisprudencial sobre o tema, cabe ao legislador fazer a interpretação autêntica, dando à norma jurídica, por outra norma, sentido e alcance o mais condizentes possível com os valores albergados pelo sentimento de proteção da dignidade humana.

           Nesse sentido, apresentei o Projeto de Lei do Senado nº 36/97, que esperamos ver aprovado rapidamente pelo Congresso Nacional, abolindo a prisão civil por dívida contraída mediante empréstimo, garantido por alienação fiduciária.

           Era o que tínhamos a dizer.

           Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/04/1997 - Página 8036