Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO DO SR. EDINALDO MIRANDA DE OLIVEIRA.

Autor
Roberto Freire (PPS - CIDADANIA/PE)
Nome completo: Roberto João Pereira Freire
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO DO SR. EDINALDO MIRANDA DE OLIVEIRA.
Publicação
Publicação no DSF de 24/04/1997 - Página 8353
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, EDINALDO MIRANDA DE OLIVEIRA, ENGENHEIRO, PROFESSOR, ESTADO DE PERNAMBUCO (PE).

            O SR. ROBERTO FREIRE (Bloco/PPS-PE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, faleceu no último dia 20 de abril, na Cidade do Recife, um homem comum, mas dos mais dignos da história recente de Pernambuco. Seu nome: Edinaldo Miranda de Oliveira. Profissão: engenheiro e professor universitário. Características principais: estoicismo, generosidade e convicção inabalável no imperativo da consciência e dedicação à construção, no Brasil, de uma sociedade mais justa, humana e solidária.

            Não seria nenhum tipo de heresia afirmar que Edinaldo Miranda de Oliveira, com quem tive a honra de militar nas fileiras da juventude do Partido Comunista Brasileiro, ele como estudante de engenharia e eu como estudante de Direito, é o exemplo mais acabado de como a vida de um homem pode ser atingida quando confrontada com um regime político ilegítimo, autoritário, torpe e obscurantista. Mas se isto é verdade, ele também é o exemplo de como um ser humano, mesmo submetido a todo tipo de barbárie e injustiças, consegue reunir forças para não abandonar os seus mais profundos ideais de justiça e a sua própria dignidade.

            Em dezembro de 1968, no auge da escalada terrorista ditatorial, Edinaldo Miranda foi preso, acusado de pertencer ao então proscrito Partido Comunista Brasileiro Revolucionário - PCBR -, e condenado a um ano de prisão. Ainda na cadeia, foi acusado por esbirros da polícia pernambucana, no afã de prestar serviços aos generais de plantão, de ter sido o autor do atentado no Aeroporto de Guararapes, em julho de 1966, onde morreram duas pessoas, um jornalista e um almirante. Não havia prova alguma e, mesmo sob tortura, Edinaldo recusou-se a ser cúmplice da farsa policial. A fragilidade do inquérito era tal que o próprio Ministério Público Militar ofereceu uma denúncia em que admitia a hipótese absolutória. O resultado foi, como esperado, a absolvição pela Justiça Militar. Estávamos em 1971, período totalitário do Ato Institucional nº 5. Houve recurso da decisão, e, em julgamento determinado politicamente, ele acabou condenado pelo crime que lhe imputavam.

            Com a volta da democracia, toda a manipulação policial da ditadura caiu por terra.

            Em primeiro lugar, Edinaldo Miranda, em nenhum momento de sua vida, nem com familiares e nem com amigos, admitiu ter participado do insano ato nos Guararapes, que, soube-se depois, fora praticado por um grupo isolado da então intitulada corrente de esquerda Ação Popular. Dou um testemunho pessoal: em 1965, como companheiros da Juventude Comunista, atuamos lado a lado na criação do MDB e, como o PCB, todos nós éramos críticos de qualquer ação militar e defensores de uma saída democrática para a crise brasileira. Edinaldo Miranda, ao contrário de outras lideranças de esquerda que, equivocadamente, resolveram buscar outros caminhos de luta, inclusive, naquela época, por exemplo, o do voto nulo, defendia a estratégia da participação eleitoral e, também, junto com o Partido Comunista Brasileiro, condenava como grave erro político o ato terrorista.

            Com a liberdade de imprensa, os fatos, aos poucos, começaram a vir à tona, até com uma certa dose de surpresa para grande parte da esquerda, que atribuía à própria direita a autoria do atentado no Aeroporto. E Edinaldo Miranda, como muitos, acabou tendo conhecimento de toda a operação dos Guararapes e sobre as pessoas que dela participaram. Entretanto, nunca foi às barras da Justiça ou a qualquer outro espaço público para fazer qualquer tipo de denúncia. Entendia que a assunção das responsabilidades era questão de foro íntimo e de consciência de cada um.

            Sem nunca ter deixado a militância política - e, nos últimos tempos, a universidade era o centro de sua atuação -, ele sempre perseguiu um desígnio: apagar dos autos da Justiça Militar e, portanto, de sua biografia, a responsabilidade por um ato que não cometeu. Não solicitava reparação econômica e nem se deixava ofuscar por qualquer luz, mesmo que pálida, da publicidade. Lutava apenas pelo primado ético, por uma questão moral, movido por uma consciência serena e por uma dignidade pessoal inabalável. Poucas pessoas têm a capacidade de reunir em torno de si tanto estoicismo, altivez e tanta coragem!

            Edinaldo Miranda de Oliveira acabou se transformando em um homem do mundo. Saiu das prisões brasileiras, morou no Chile de Allende e, após a sua queda, lá também foi preso. Do Chile, onde se casou com Lucila, foi para a França, na condição de exilado. Lá nasceu o primeiro filho do casal, Emília. O segundo filho, José, já teve a felicidade de nascer no Brasil.

            Nos últimos meses, mesmo muito doente, Edinaldo Miranda reuniu forças para continuar sobrevivendo, à espera de um pronunciamento do Superior Tribunal Militar acerca de um pedido de revisão de sentença judicial impetrado em fevereiro do corrente ano. Mas a emperrada máquina do Judiciário e, talvez, a insensibilidade política do STM para tratar dos fatos e atos do regime militar resistiram mais que o organismo enfermo, que já não era mantido pelos recursos da medicina e sim pela sede de justiça.

            A bandeira de Edinaldo Miranda, uma bandeira tão singela e ao mesmo tempo tão simbólica, não será recolhida ao fundo de um armário. Seus familiares, seus amigos, os amantes da liberdade e da democracia continuarão a empunhá-la. A dignidade de um homem em certos casos - e este é o caso do amigo e companheiro que nos deixou - expressa a dignidade de uma nação inteira.

            Gostaria de manifestar aqui a minha solidariedade à família de Edinaldo. Todos vocês, com certeza, mesmo sofrendo com o desaparecimento de um ente querido, fazem parte de uma história pessoal sofrida, porém iluminada. 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/04/1997 - Página 8353