Discurso no Senado Federal

EXTRATO DE SUA AULA MAGNA, PROFERIDA NO ULTIMO DIA 11, INTITULADA 'SEGURANÇA, UM PILAR DA CIDADANIA', PARA OS ACADEMICOS DA FACULDADE DE DIREITO DE FRANCA. CONCLAMANDO O CONGRESSO NACIONAL A RESPONDER IMEDIATAMENTE AOS RECLAMOS DO POVO E PRODUZIR A LEGISLAÇÃO NECESSARIA AO COMBATE A 'LAVAGEM DE DINHEIRO'.

Autor
Romeu Tuma (PFL - Partido da Frente Liberal/SP)
Nome completo: Romeu Tuma
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • EXTRATO DE SUA AULA MAGNA, PROFERIDA NO ULTIMO DIA 11, INTITULADA 'SEGURANÇA, UM PILAR DA CIDADANIA', PARA OS ACADEMICOS DA FACULDADE DE DIREITO DE FRANCA. CONCLAMANDO O CONGRESSO NACIONAL A RESPONDER IMEDIATAMENTE AOS RECLAMOS DO POVO E PRODUZIR A LEGISLAÇÃO NECESSARIA AO COMBATE A 'LAVAGEM DE DINHEIRO'.
Publicação
Publicação no DSF de 25/04/1997 - Página 8527
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • REGISTRO, ANAIS DO SENADO, AULA, PROFERIMENTO, ORADOR, FACULDADE, DIREITO, MUNICIPIO, FRANCA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), EXPOSIÇÃO, CONCEITO, IMPORTANCIA, SEGURANÇA, EXERCICIO, CIDADANIA, GARANTIA, DIREITOS, DEVERES, CIDADÃO, RELEVANCIA, TRABALHO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), PRECATORIO, CONSCIENTIZAÇÃO, SOCIEDADE, DIMENSÃO, CORRUPÇÃO, UTILIZAÇÃO, FUNDOS PUBLICOS, SOLICITAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, CRIAÇÃO, LEGISLAÇÃO, COMBATE, CRIME ORGANIZADO, CRIME DO COLARINHO BRANCO.

O SR. ROMEU TUMA (PFL-SP. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente. Srªs e Srs. Senadores, foi com extrema satisfação que pude proferir, dia 11, sexta-feira última, a Aula Magna intitulada "Segurança, um Pilar da Cidadania", para os acadêmicos da Faculdade de Direito de Franca, cidade de quase 300 mil habitantes e pujante centro industrial e agrícola do interior de São Paulo, Estado que tenho a honra de representar nesta Casa. O carinho que percebera na formulação do convite repetiu-se nas manifestações de dirigentes e alunos daquela faculdade, uma autarquia municipal criada, quarenta anos atrás, pelo saudoso Prefeito e, depois, Deputado Federal, Dr. Onofre Sebastião Gosuen. Para aumentar minha alegria, essas manifestações de carinho, apoio e incentivo, lideradas pelo Professor Doutor Wellington José Tristão, diretor daquele estabelecimento de ensino superior, repetiram-se nas palavras do ilustre Prefeito Municipal, Dr. Gilmar Dominici, um líder político não integrante do meu partido e que me emocionou ao demonstrar, de viva voz, todo o seu interesse e seu conhecimento sobre o que se passa neste Senado da República. Testemunhando a qualidade dessas lideranças é que pude entender porque a Faculdade de Direito de Franca desfruta de posição privilegiada entre as instituições nacionais congêneres. Ela transcende a tudo o que se possa desejar de uma escola de leis e, num contexto de permanente defesa do Estado Democrático de Direito e da cidadania, já formou cerca de 3.000 bacharéis, em cursos do mais alto gabarito e que tiveram o grande brasileiro Ulisses Guimarães como seu primeiro paraninfo.

Mais pela experiência profissional do que por algum mérito acadêmico, foi-me dado expor alguns conceitos e fazer algumas considerações que julgasse úteis a todo jovem que se disponha a percorrer os difíceis, mas sublimes caminhos do Direito. Para deixar na lembrança e no coração de cada um daqueles estudantes algo de extrema importância para a carreira que agora se lhes descortina, atrevi-me a sugerir-lhes que, a cada início de ano letivo, leiam e meditem sobre os ensinamentos de Rui Barbosa em sua famosa e imortal obra "Oração aos Moços". Fê-la o incomparável jurista e ativista liberal em 1920, aos doutorandos da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, e estou convencido de que se mantém tão atual quanto há 77 anos. Talvez tenha sido esta minha melhor contribuição aos moços da Franca, no momento em que iniciam a jornada em direção ao sacerdócio que é a fé, o amor e a dedicação profissional ao Estado Democrático de Direito, graças ao qual estamos assistindo ao histórico encontro dos brasileiros com o pleno e universal exercício da Cidadania. Um sacerdócio que os transformará em guardiães dos direitos e dos deveres individuais e coletivos, o alicerce constitucional em que se assenta a segurança como um dos pilares da Cidadania.

Senhor Presidente, senhoras e senhores Senadores. Quase tudo o que procurei transmitir àquelas moças e àqueles moços tem muito a ver com nossa atividade, seja como legisladores ou fiscais do poder constituído, seja como cidadãos mais velhos e experientes, ungidos com o dever de deixar bons exemplos para os que nos irão suceder. Por isso, escolhi aquele tema e, também por isso, gostaria de deixar registrado, nesta Casa, um extrato do que eu disse em Franca, mesmo porque está perfeitamente contido na conjuntura que vivemos.

Mas, o que vem a ser exatamente segurança?

Segundo o nosso querido "Aurélio", é um estado, qualidade ou condição de seguro. É condição daquele ou daquilo em que se pode confiar. É confiança em si mesmo. É tornar seguro; garantir. É amparar, impedindo que caia ou se arruíne. É ter onde se apoiar. É ter Justiça, concluo eu.

E o que vem a ser cidadania?

O mesmo "Aurélio" informa que é a qualidade ou estado de cidadão. E que cidadão é o indivíduo no gozo dos direitos civis e políticos de um Estado, ou no desempenho de seus deveres para com esse Estado.

Portanto, a segurança é inerente à cidadania e ambas são indissociáveis. Não há como falar em exercício da cidadania sem segurança, pois, na verdade, sem segurança, não se tem sequer acesso à cidadania. Sem esse pilar não há como sustentar esse direito. E é esse pilar que baliza o que nos compete como profissionais da lei, isto é, o dever de empregarmos toda a nossa capacidade intelectual no sentido de garantir efetiva segurança a cada ser humano, por mais simples e inculto que seja, para que possa ter pleno acesso à cidadania e para que, como manifestação maior de sua condição de cidadão, realmente usufrua da liberdade.

Se empenharmos o que de melhor cada um de nós tem dentro de si para ajudarmos a fortalecer esse pilar e quanto mais contribuirmos para a segurança e a liberdade dos cidadãos, também estaremos, nós mesmos, nos posicionando como cidadãos completos.

0 Apóstolo São Paulo, que empresta seu santo nome ao meu querido Estado, já dizia que "boa é a lei, quando executada com retidão". Compete a nós todos zelar para que esse ensinamento não se transforme em palavras vãs. Isto porque somente quando executada com retidão a lei difunde o sentimento de segurança entre os cidadãos e, com isto, lhes proporciona realmente o exercício da cidadania. Apenas dessa forma, assegurando que a lei legitimamente produzida no Estado Democrático de Direito seja aplicada com retidão, poderemos construir, manter e aprimorar a sociedade dos nossos sonhos, a sociedade que engrandecerá ainda mais a beleza deste nosso imenso Brasil.

Estou seguro, como Rui Barbosa, de que só pode haver Justiça onde haja Deus. Estou convencido também de que só há cidadania onde impere a segurança do cidadão em todos os sentidos, nas suas formas mais abrangentes, aquelas que se estendem à saúde, à educação, ao trabalho, à liberdade de expressão e de culto, à atividade política e tantas outras coisas mais. Segurança é uma garantia efetiva. É a garantia de que todos os nossos direitos e deveres de cidadãos, assim como nosso patrimônio, estão sendo e continuarão a ser respeitados para que possamos nos realizar individualmente e continuemos a dispor do bem comum e da liberdade. Essa garantia tem que encontrar a maior expressão no funcionamento democrático, harmônico e eficaz dos órgãos destinados pela Constituição ao exercício da segurança pública "para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio", conforme reza seu Artigo n.º 144.

Aliás, todo o texto constitucional não deixa dúvida de que compete ao Estado exercer o poder de polícia com exclusividade para garantir a preservação dos direitos e o cumprimento dos deveres individuais e coletivos. Isto implica na obrigação, muitas vezes incompreendida e criticada, de se precisar tolher e até reprimir ações de quem, extrapolando seus direitos, venha a prejudicar direitos de outros cidadãos e da coletividade, tumultuando a ordem pública ou praticando algum ato anti-social que ofenda a integridade física, a liberdade e a igualdade de todos perante a lei ou o patrimônio material e moral de outrem. Nesse quadro constitucional, a segurança é o aval que garante o mais, pois, sem ela, nada do restante poderá existir concretamente. Daí saltar aos olhos a excepcional relevância dos serviços reservados à Polícia, em todos os seus níveis, dentro da estrutura do Estado. Daí igualmente percebermos - não apenas em termos morais e éticos, mas igualmente legais e práticos - como a seleção, formação e retribuição devidas aos nossos policiais têm sido relegadas a um plano extremamente subalterno, pois, na verdade, encarnam eles uma das mais relevantes funções do Estado. Uma função que resulta dos direitos "naturais e imprescindíveis do homem", conforme já declarava a Revolução Francesa ao inserir a segurança entre aqueles direitos para instituir o Estado moderno.

Tenho dito e repetido que uma Polícia bem formada, bem treinada, bem equipada, bem empregada, bem remunerada e bem fiscalizada é tão importante para qualquer comunidade quanto o médico o é para qualquer cidadão. Um dos maiores serviços que o administrador público pode prestar à sua comunidade é seguir rigidamente esses princípios, tendo em vista ainda que a Polícia se insere entre as poucas instituições perenes que sobrevivem a qualquer regime, a qualquer sistema de governo. Porque sua sobrevivência sempre constituirá um ato de precaução ditado pelo bom senso e pela realidade. Sem ela, disposições constitucionais e legais transformar-se-iam em mera poesia ou, pior ainda, não passariam de letra morta. Tanto que até os países desprovidos de forças armadas por vontade própria não renunciam à manutenção de corporações policiais concebidas daquela forma.

Mas, vivemos infelizmente uma fase escabrosa na história de algumas polícias militares brasileiras, por causa dos desmandos de um punhado de bestas-feras que jamais deveriam ter permanecido nas fileiras que desonraram. As ações desatinadas de poucos, devido à imensurável e legitima repugnância causada no seio da sociedade, acabaram por ferir a imensa maioria dos que, com sacrifício e denodo pessoais, às vezes prejudicando até o bem estar da própria família, enfrentam a criminalidade no dia-a-dia e não raro oferecem a própria vida na defesa da vida, dos direitos e do patrimônio de terceiros. A rudeza das imagens transmitidas pela TV produziu justa indignação popular e desencadeou efetiva repressão aos desmandos como de há muito já se fazia desejar. Parece-me que estão em marcha, tanto no âmbito legislativo, como no do Poder Executivo, ações destinadas a punir os culpados e a depurar os quadros de centenárias organizações policiais-militares ofendidas pela ação de marginais que usurparam a dignidade da farda. Entretanto, tais medidas somente surtirão permanente efeito se forem ampliadas e dirigidas para desfazer eventuais condições de falta de vocação, de carisma, de respeito, de capacitação, de fiscalização e de retribuição, naquelas e nas demais instituições policiais. Essas instituições - sejam civis ou militares, federais, estaduais ou municipais - precisam de auto-respeito, auto-estima e autoconfiança, o que só se consegue através de seleção e formação profissionais que tragam, em contrapartida, reconhecimento e incentivo especialmente em termos de salário. Por intuição, toda a sociedade brasileira tem consciência disto. Sabemos que algumas facetas da impunidade - e, por consequência, da insegurança - decorrem muito mais do desamparo a que foi relegado o policial do que das inúmeras deficiências organizacionais. Sim, porque, queiramos ou não, toda organização se assenta sobre seres humanos, constitui apenas a soma das qualidades e defeitos dos homens que a compõem. Tenho dito e repetido que estruturas são coisas abstratas, que se pode criar e recriar ao gosto pessoal de cada um de nós, graças à nossa imaginação e ao nosso livre arbítrio. Dar mais valor à estrutura que ao homem é uma falácia. Dar mais valor à organização do que à seleção, formação e retribuição profissionais é colocar o carro adiante dos bois. A vocação, a seleção, o ensino e a atualização periódica de conhecimentos nas academias de Polícia, combinadas com a vigilância por corregedorias bem constituídas, com a ausência de sufoco econômico no lar do policial e com a presença permanente de bons exemplos e de comando nos escalões superiores, configuram a realidade a ser buscada velozmente. Precisamos divagar menos, precisamos agir com denodo no sentido de incrementar e aprimorar os recursos humanos destinados à segurança do cidadão e da sociedade. Quando o homem quer e é capaz, ele cria, inventa, improvisa e emprega da melhor forma o equipamento de que dispõe. Ao contrário, de nada adianta dar ao policial armamento pesado, avançados instrumentos de vigilância eletrônica, viaturas ultramodernas e assim por diante, se ele não compreender a importância do papel que lhe cabe na sociedade. No final, o resultado será sempre o mesmo e o crime - notadamente na sua forma organizada - continuará a ganhar corpo e velocidade, porque o Estado não poderá dispor da força necessária à aplicação da lei penal. E a pior lei é aquela que não é cumprida.

Assim, em contrapartida, podemos afirmar que a falta de segurança está inserida num círculo vicioso, no qual se junta à impunidade e à criminalidade. Todos os que militam em carreiras jurídicas percebem isso muito bem. Percebem ainda que na verdade, seja quais forem os argumentos, os motivos ou os interesses envolvidos, nosso arcabouço jurídico está-se acomodando paulatinamente à insegurança ao invés de combatê-la. Nosso sistema jurídico-penal vem-se preocupando em produzir mais e mais regalias penais aos criminosos violentos porque o aparelho estatal não as consegue executar. E não as consegue executar porque, no devido tempo, governantes descuraram de uma responsabilidade elementar, qual seja a construção de presídios em proporção condizente com a realidade. Deu-se mais valor a argumentos demagógicos, eleiçoeiros ou passionais do que à razão e à técnica. Não há cadeias em número e qualidade suficientes porque se afirmava que eram feitas só para os pobres. Construi-las seria, portanto, prejudicar ainda mais os desafortunados. Seria erigir símbolos de opressão a justificar rebeldia criminal entre a população mais carente. E desde quando miséria é sinônimo de banditismo? Se assim fosse, só haveria criminoso pobre, o que não é verdade. Aceitar esse tipo de consideração é injuriar o cidadão trabalhador cuja humildade serve apenas para lhe adornar ainda mais a própria honestidade. Seria injuriar um ser humano que padece muito mais com a insegurança coletiva do que o cidadão aquinhoado pela fortuna. Seria injuriar um tipo de cidadão que deflagra revoluções em prol da própria segurança e a inscreve como direito fundamental de todos os seus semelhantes em declarações universais destinadas a ressoar pela eternidade.

Se o criminoso rico consegue livrar-se solto ou até ficar impune é porque dispõe de recursos para explorar as deficiências legais. Então, o problema reside na lei, reside na sua feitura e aplicação, não na existência de mais ou menos presídios. Tantas mais cadeias houvesse, tantos casos dessa natureza estaríamos lamentando. Precisamos, na realidade, desatar as mãos do Ministério Público e da Magistratura, senão os empecilhos para a administração da Justiça continuarão a ser explorados pelos criminosos que detenham poder econômico. Esses empecilhos avultam quando se analisa a carência de meios operacionais no Judiciário e as inúmeras possibilidades de procrastinar o processo quando se objetiva a prescrição do delito. Por exemplo, na Justiça italiana - menos contemplada com recursos do que o Judiciário de outros países desenvolvidos -, a proporção continua a ser de 1 (um) Juiz de Direito para 8.000 (oito mil) cidadãos. Além disso, as possibilidades de recurso a instâncias superiores são bem limitadas. No Brasil, a proporção ainda é de 1 (um) Juiz para 20.000 (vinte mil) cidadãos e há inumeráveis probabilidades de haver recursos de uma decisão judicial. Além disso, nada impede que desafoguemos o sistema prisional destinando penas alternativas para delitos leves, como tenho apregoado, a exemplo do que poderia ser feito com os dependentes de drogas que não se envolvessem em outras complicações legais.

Volto a repetir: miséria não é sinônimo de criminalidade. Ela pode ser considerada, isto sim, como um catalisador da agressividade presente em atos anti-sociais violentos. Mesmo sob esse aspecto, muito mais grave é, porém, a disseminação do uso de drogas, especialmente o "crack", nas camadas mais pobres da população.

Se retirarmos os antolhos - e aqui fica o meu alerta para o futuro -, perceberemos quão evidente era ser a construção de presídios, em quantidade e qualidade decentes, um fator essencial de combate ao incremento da injustiça e da violência. Além disso, se a emoção ou os interesses eleitoreiros e demagógicos de muitos não os houvessem cegado, também teriam percebido com clareza que a maior contribuição para acelerar a delinquência violenta, assim como o atraso social com o qual ela forma outro círculo vicioso, é dada pelo aviltamento do ensino público e de outras funções sociais inarredáveis do Estado. Miséria, delinquência, marginalidade são coisas atuais, que poderão ser minimizadas. Mas, pelo nível de educação e de saúde ao alcance do povo brasileiro, pode-se prever nosso futuro como Nação. E este futuro, a perdurar aquele "status quo", nos reserva a presença de cidadãos mal formados cada vez em maior número e um índice de exclusão social crescente. Ao mesmo tempo, poderemos sofrer incremento do número de feras sociais, desprovidas de qualquer freio moral e educacional, que utilizam a própria astúcia para fazer fortuna às custas da falta de conhecimento e cultura do povo. Ou seja, aqueles que conquistam altos níveis sociais, locupletando-se das fraquezas do próximo, encarando a sociedade como uma selva e escapulindo pelas frestas da lei. Isto tudo nos impõe uma grave reflexão, como tenho repetido: estamos fazendo justiça ou estamos cometendo injustiça em nome da justiça? Essa encruzilhada, anteposta à nossa organização judiciário-policial, retrata um dilema que coloca em cheque as convicções de tantos quantos se dediquem profissionalmente à preservação do Direito e sobre os quais se assentam as possibilidades de manter a incolumidade social, política e econômica da Nação. Por um lado, essa encruzilhada leva a máquina policial-judiciária a apurar os delitos e a buscar a condenação dos delinquentes, mesmo quando se sabe que o Estado não dispõe dos recursos materiais e legais necessários à efetiva execução da pena. Pelo outro lado, conduz à passividade ante a pior injustiça, qual seja a de punir a vítima - MAIS UMA VEZ! - com a impunidade do seu ofensor. Sim, porque a contrapartida imediata da impunidade do criminoso é a "condenação" da vítima, com todas as aberrações que daí se possa extrair.

Em última análise, falamos aqui de uma escolha que poderá representar a preservação ou não da cidadania, a preservação ou não do Estado Democrático de Direito, sem o qual não existem a democracia e a liberdade. Somente com o Estado Democrático de Direito fortalecido, a nossa organização judiciário-policial pode romper aquele dilema, consolidar suas convicções e fazer justiça em nome da Justiça.

Quando falamos em segurança, sempre nos deparamos com o velho dilema que se repete desde os primórdios da Humanidade, isto é: devemos cercear direitos individuais em benefício dos coletivos ou cercear direitos da coletividade para proteger a integridade dos direitos individuais? Seja qual for a direção que se tome nessa análise, acaba-se por encontrar exageros e abusos. Mas, assiste-se também ao desfile de todos os sistemas de governo, desde os mais liberais - aqueles que se assentam no primado da liberdade individual - até os mais opressivos e discricionários. Mas, como sempre, a verdade deve estar no meio. O bom senso indica - e a História comprova esse acerto - a necessidade de regimes que preservem a liberdade, os direitos do cidadão, sem descurar das necessidades coletivas para que se possa viver em sociedade. Somente se consegue esse equilíbrio através da democracia, através do Estado Democrático de Direito, num regime em que todos sejam iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, e tenham direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, a exemplo do que determina nossa Constituição. Uma democracia em que, realmente, o povo possa reter o poder e controlar o seu exercício através dos mandatários que o representem.

Nobres pares, quero aproveitar este momento, já que enveredei pelo campo político, para lhes transmitir o que penso sobre um outro aspecto extremamente melindroso da segurança pública. Evidentemente, o que lhes direi é fruto de minhas concepções pessoais e de minha formação moral e religiosa. Mas, é também produto de tudo o que vi e aprendi em quarenta anos de vida profissional dedicada ao nosso povo e à coisa pública. Refiro-me à perseguição política, quando praticada com emprego de meios policiais.

A perseguição política é uma doença social causada pelo envenenamento ideológico e disseminada pela propaganda. Geralmente, é motivada por vingança, pressão partidária ou interesses escusos. Trata-se de uma ação hedionda, especialmente se envolver o poder de polícia, pois, além do mais, será também a negação dos princípios que, ao longo da História, levaram ao surgimento das polícias legítimas. Num regime democrático, que se fundamente no Estado de Direito, como o nosso, o melhor antídoto contra esse veneno é o cumprimento da lei, o estrito cumprimento do dever legal. Enquanto a autoridade policial e seus agentes se mantiverem dentro dos limites legais, cumprirem o que determina a lei e respeitarem a dignidade humana e a igualdade de todos perante tais disposições, nada deverão temer. Poderão agir com o destemor, a segurança e a tranquilidade que são proporcionados apenas aos que não se afastam do seu dever legal e sempre atuam nos limites de poder que a lei lhes confere. Se tentarem coagi-los a prejudicar alguém e, diante da recusa, tentarem transformá-los igualmente em vítimas da perseguição, verão que isso não subsistirá e que, ao final, numa questão apenas de tempo, o mal se voltará contra o próprio autor.

Nunca abandonei este posicionamento ao longo de minha vida profissional, especialmente como delegado de Polícia, que continuo a ser embora licenciado. Valeu-me muito e só me trouxe sucesso. Quem pensa em usar o poder de polícia para perseguições políticas termina por entender que as coisas se modificam com o tempo e os inimigos ideológicos de hoje podem tornar-se aliados políticos amanhã. Termina por entender ainda que, quando se dedica o devido respeito a todos os cidadãos, evita-se que aqueles tidos como vilões venham a ser cultuados como heróis e mártires no futuro. Aliás, toda religião ou toda atuação humana que se preze leva em conta um ensinamento que sintetiza tudo: como pregava Cristo, não faças a outrem o que não desejas a ti mesmo. Portanto, nada melhor do que a aplicação da lei, com bom senso e respeito pelo próximo.

Senhor Presidente, senhoras e senhores Senadores. A segurança como base da cidadania é um tema que faz crescer ainda mais minhas preocupações, em relação ao significado do fim de "Guerra Fria" como incentivo ao crime organizado, especialmente aquele que se dedica ao tráfico de drogas e de armas em muitas partes do mundo, inclusive o Brasil. Isto porque os tentáculos de novas máfias orientais passaram a disputar mercados com as ramificações criminosas ocidentais mais antigas. E passaram a usar os mesmos métodos, que lhes dão o alimento necessário para crescer e fortalecer-se, ou seja, a "lavagem de dinheiro". Nenhum país está livre dessa investida, que constitui, agora, a maior ameaça às nações livres, como demonstra seu rastro de violência e corrupção. Apesar dos dados obtidos pela Interpol, pelo FBI e outros importantes organismos de combate ao crime, que comprovam ser esse o maior desafio de hoje aos guardiães da lei e da liberdade, nosso País pouco avançou no caminho legislativo para criar mecanismos de combate nesse campo. Senti isso, mais que nunca, a partir do momento em que fui designado para integrar a Comissão Parlamentar de Inquérito dos Títulos Públicos. Verifiquei, por exemplo, que as quantias astronômicas em circulação pelos canais subterrâneos da "lavagem" superam em muito todo o lucro fraudulento que possa ter sido proporcionado pela emissão irregular dos precatórios, isto é, dos títulos emitidos por Estados e municípios para saldar, supostamente, dívidas judiciais. São centenas de milhões de dólares que circulam diariamente entre bancos e intermediários, de forma sub-reptícia, usando todos os estratagemas e disfarces que a imaginação possa permitir. Nessas linhas de "lavagem", misturam-se aventureiros, doleiros, "laranjas" e até mesmo indivíduos de boa fé, com empresas reais ou fictícias, além de contas bancárias fraudulentas, que começam no território nacional, passam a países vizinhos, desembocam nos chamados "paraísos fiscais" e retornam ao Brasil. Nelas podemos detectar o sumiço de bilhões de dólares. Obviamente, tanto dinheiro não é fruto apenas de falcatruas com precatórios. E quem dispõe de bilhões de dólares fora de qualquer controle também pode contar aos milhões as chances que tem para corromper e tumultuar a vida de qualquer nação, em qualquer parte do mundo. Mais que nunca, graças ao subproduto dos trabalhos ainda em curso naquela CPI, a sociedade brasileira está tomando consciência da fantástica dimensão a que chegou, em todos os rincões da Terra, essa que é a maior ameaça à democracia e à liberdade humana. E não tenham dúvidas, meus nobres pares, de que, também mais que nunca, o povo cobrará desta Casa resultados efetivos e legítimos - como já está cobrando -, tanto na parte apurativa como naquela que diz respeito à nossa atribuição legisladora. Daí meu apelo, com o qual encerro agradecendo pela atenção da qual fui alvo, para que o Congresso Nacional responda imediatamente aos reclamos do povo e produza a legislação necessária ao combate à "lavagem de dinheiro".

Muito Obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/04/1997 - Página 8527