Discurso no Senado Federal

REPERCUSSÃO NACIONAL E INTERNACIONAL DO ASSASSINATO DO INDIO PATAXOS GALDINO JESUS DOS SANTOS, EM BRASILIA.

Autor
Marluce Pinto (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RR)
Nome completo: Maria Marluce Moreira Pinto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS. POLITICA INDIGENISTA.:
  • REPERCUSSÃO NACIONAL E INTERNACIONAL DO ASSASSINATO DO INDIO PATAXOS GALDINO JESUS DOS SANTOS, EM BRASILIA.
Publicação
Publicação no DSF de 26/04/1997 - Página 8624
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS. POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • ANALISE, HOMICIDIO, GALDINO JESUS DOS SANTOS, INDIO, RESULTADO, NECESSIDADE, SOCIEDADE, APOIO, REALIZAÇÃO, DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, COOPERAÇÃO, COMUNIDADE INDIGENA, PROMOÇÃO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, ESTADO DE RORAIMA (RR), SIMULTANEIDADE, REPUDIO, AUTOR, CRIME, DISTRITO FEDERAL (DF).

A SRª MARLUCE PINTO (PMDB-RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, mais um índio foi assassinado.

Essa frase, assim solta, entristece por sua frieza e encerra uma verdade incontestável: a repercussão nacional e internacional desta morte se deu porque ela aconteceu numa praça da Capital da Nação, num momento em que ocorria a maior concentração jamais vista de sem-terra, a pleitear o direito inalienável de possuir um pedaço de chão para plantar o seu e o nosso sustento.

Outro agravante que contribuiu para a veiculação das manchetes foi a forma brutal, desumana e hedionda que cinco jovens da classe média alta brasiliense escolheram para por fim a uma vida que nada fazia além de descansar a céu aberto, num banco de uma praça, no coração da Capital do País, que, a rigor, pertencia a ele e a seus descendentes.

Até quando índios ou não índios continuarão a ser sacrificados pelos mais vis e brutais atos que desonram nossa condição de humanos?

Esses jovens, Sr. Presidente, não atearam fogo apenas nas carnes do pataxó Galdino Jesus dos Santos. Esses jovens não apenas excluíram a vida de um descendente daqueles que, em 1500, pacificamente, receberam Cabral na Ilha de Vera Cruz.

Na verdade, Sr. Presidente, atearam fogo na alma nacional. Incendiaram parte da história deste País, cujos valores sociais vigentes precisamos revisar em suas entranhas.

O desprezo pela vida e pelo semelhante parece criar raízes na chamada sociedade moderna. Aliás, uma sociedade que segrega, fecha-se em clãs selecionados de acordo com seus valores materiais, onde nada e ninguém fora do seu território merece a mínima consideração.

Atuais estudos sociológicos levantam a hipótese de que a desestruturação familiar muito tem contribuído para a degeneração dos valores sociais. A ausência dos pais no quotidiano dos filhos provoca uma ruptura em seu desenvolvimento emocional e afetivo.

Sem tempo para os filhos, os pais deixam para as escolas a responsabilidade por sua integral educação. E não parece nem um pouco razoável acreditar que bancos escolares sejam tão eficientes a ponto de transmitir sentimentos e outros valores intrínsecos ao convívio familiar. Principalmente se considerarmos a real situação de nossas escolas, que pouquíssimas condições preenchem para agir em determinadas situações.

Todo um processo, enfim, contribui para a generalidade de atos condenáveis: nos meios de comunicação e nas telinhas de nossas televisões cenas de violência e impunidade são diuturnamente banalizadas.

A sensação que paira em todos é a de que apenas os desprovidos materialmente são penalizados e cumprem pena.

Há que se definir severos limites para a convivência coletiva. Devemos reverter a idéia que mede o sucesso das pessoas pelas conquistas materiais em vez da realização pessoal.

Dentro deste universo de circunstâncias que, absolutamente, não amenizam a barbárie cometida, um pataxó, parte da história deste País, foi sumária e impiedosamente eliminado.

Pataxó, meus caros colegas, para aqueles que desconhecem, significa "o que restou" na fiel tradução da palavra indígena. E Galdino, um dos que restaram de um bravo povo, repousava num banco de praça talvez recuperando as forças de uma luta que há mais de 400 anos seus ancestrais vêm travando em busca da terra que lhes foi tomada.

Naquela noite, na passagem do Dia do Índio para o dia das comemorações do Descobrimento, o que sobrou da resistência de um povo dormiu, cansado de clamar dignidade. E dormindo, talvez sonhando com a terra, encontrou o fogo.

O sacrifício de Galdino aconteceu num momento histórico desta Nação e será um marco nos novos destinos que a partir de agora o País assimilará. A história da humanidade está repleta de sacrifícios que antecederam às grandes mudanças e revoluções. Galdino representará, não tenho dúvida, a bandeira que a partir de agora uma nova consciência nacional hasteará no mastro das causas mais dignas e justas.

Por mais que queira, não consigo juntar palavras que possam descrever o sofrimento da Nação. Na verdade, não sei o que dizer, pois existem fatos para os quais as palavras são dispensadas. Este é um caso, Sr. Presidente.

Espero apenas que o luto que agora vestimos o retiremos o mais breve possível, quando homens e mulheres, jovens e adultos, índios, brancos, negros e amarelos derem as mãos para um cântico de paz universal.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ainda no dia 19, sábado passado, eu estava no meu Estado; um Estado que tem uma grande população indígena, diversas tribos. Naquele dia, visitei algumas comunidades, os macuxis e os iapixanas.

Eu os conheço desde os idos de 1979, a cultura e os costumes daquelas comunidades. Sei como são leais, como são honestos e como ainda acreditam que os brancos possam protegê-los.

Lembro-me que, naquele dia, quando eu ainda não havia tomado conhecimento dessa agressão - porque fui às malocas na noite do dia 18 e não assisti à televisão -, todos dançavam com seus rostos pintados, com suas tangas e saias longas de folhas de palmeira; eles cantavam e mostravam a sua cultura aos não-índios; tomavam a sua bebida, o caxiri, e todos estavam tão alegres, não sabiam que um irmão seu havia sido queimado por causa de jovens que não estavam preparados para enfrentar a evolução da vida.

Mas tenho certeza de que, a partir do sacrifício do índio Galdino, muitas providências serão tomadas pelas autoridades. Estou certa também de que os pais desses cinco jovens estão sofrendo bem mais do que todos nós, porque sentem pela atitude dos filhos e porque sabem que eles jamais esquecerão um ato tão abominável.

Só queremos que isso possa servir de exemplo a muitos jovens que, às vezes, saem para se divertir, excedem-se na bebida e alguns até usam drogas. É por isso que se vê tanta coisa errada no mundo, e as pessoas não avaliam o que é o sofrimento de uma família quando se perde um ente querido.

O índio é tão sensível quanto nós - creio até que são mais sensíveis. Vivem em prol do trabalho cotidiano, mas meditam horas e horas; pescam, caçam, muitos deles plantam e fazem algum trabalho artesanal.

Quero deixar registrado, neste meu breve pronunciamento, que as comunidades indígenas também cooperam para o progresso do Estado de Roraima. Temos ali vice-prefeitos em várias cidades do interior, em todas as Câmaras Municipais dos municípios localizados na Região Norte, onde há maior concentração da comunidade indígena; temos vários vereadores, diretores de colégio, professores, microagricultores, pecuaristas e comerciantes. Portanto, já cooperam muito com o desenvolvimento do Estado.

São pessoas honestas e sensíveis. É por isso que, nesta hora, ao me referir a essa ocorrência, ainda me emociono e clamo a Deus para que esse seja o último ato abominável com um representante indígena, a fim de que não tenhamos pesar na consciência por não fazer muito mais pela liberação e pela demarcação de suas terras.

Muito obrigada, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/04/1997 - Página 8624