Discurso no Senado Federal

NOVO VALOR DO SALARIO MINIMO, A SER ANUNCIADO PELO MINISTRO PEDRO MALAN. REFLEXÕES SOBRE A CRIAÇÃO E A EVOLUÇÃO DO SALARIO MINIMO. COMENTANDO A OPERAÇÃO MILITAR DE RESGATE AOS REFENS PRESOS NA EMBAIXADA DO JAPÃO NO PERU.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. POLITICA INTERNACIONAL.:
  • NOVO VALOR DO SALARIO MINIMO, A SER ANUNCIADO PELO MINISTRO PEDRO MALAN. REFLEXÕES SOBRE A CRIAÇÃO E A EVOLUÇÃO DO SALARIO MINIMO. COMENTANDO A OPERAÇÃO MILITAR DE RESGATE AOS REFENS PRESOS NA EMBAIXADA DO JAPÃO NO PERU.
Publicação
Publicação no DSF de 26/04/1997 - Página 8634
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. POLITICA INTERNACIONAL.
Indexação
  • ANALISE, EVOLUÇÃO, HISTORIA, SITUAÇÃO, ATUALIDADE, SALARIO MINIMO, VIABILIDADE, IMPLANTAÇÃO, PROGRAMA, GARANTIA, RENDA MINIMA, POPULAÇÃO, MELHORIA, NIVEL, QUALIDADE DE VIDA, PAIS.
  • CRITICA, ALBERTO FUJIMORI, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, PERU, AUTORIZAÇÃO, OPERAÇÃO MILITAR, EMBAIXADA, PAIS ESTRANGEIRO, JAPÃO.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Ministro Pedro Malan deverá anunciar, logo mais, o novo salário mínimo, em pronunciamento à Nação, estando o mesmo em reunião com o Presidente Fernando Henrique Cardoso, no presente instante, no Palácio do Planalto, para decidir a respeito do valor final que será anunciado.

Anuncia o Governo à imprensa que este valor estará em torno de R$120,00, valor que representará um ajuste próximo de 6% a 7% em relação ao valor atual.

Gostaria de fazer algumas reflexões sobre o significado do salário mínimo, a sua evolução, desde quando, em 4 de julho de 1940, ele foi instituído no Brasil. O primeiro salário mínimo adotado no Brasil foi de 220,00 cruzeiros e, a partir daí, teve uma evolução tal que, em princípio, significou a sua deterioração, em termos de poder aquisitivo. Vou aqui me referir ao exame realizado pelo DIEESE, segundo o Anuário dos Trabalhadores 1996/1997, publicado no ano passado, sobre a evolução do valor real do salário mínimo, ou seja, a média anual, em termos reais, de 1940 até 1996, com dados selecionados para alguns anos.

Sr. Presidente, vou mencionar esta tabela em termos de valor real, em reais, de junho de 1996. Em 1940, o salário mínimo era de R$592,96; em 1980, R$373,73; em 1986, R$304,63; em 1987, R$219,63; em 1988, R$231,23; em 1989, R$246,24; em 1990, R$175,96. Portanto, em termos reais, até 1990 houve a deterioração gradativa. Em 1991, ligeira recuperação, porque, em termos anuais, foi de R$183,78. Mas, em 1992, nova e significativa redução, em termos reais, baixando para menos do que era em 1990, porque foi para R$157,71. Em 1993, lembrando aí que houve a mudança do Presidente Fernando Collor para o Presidente Itamar Franco, em termos reais, passou para R$172,98. Mas já em 1994, segundo ano do Governo Itamar Franco, nova deterioração, para R$137,20. Em 1995, foi para R$121,62. Portanto, em termos de média anual, houve deterioração no primeiro ano do Presidente Fernando Henrique Cardoso e, em 1996, o valor médio de janeiro a junho de 1996 foi de R$107,14.

Se fôssemos considerar o segundo semestre de 1996, obviamente como houve uma inflação, mesmo que relativamente baixa e não houve ajuste a partir de junho de 1996, a média anual seria ainda mais baixa do que R$107,14 e logicamente, agora, estaríamos numa situação pior. Para 1997, o valor médio vai depender do ajuste a ser anunciado no dia de hoje; mas se de fato o valor novo ajustado for de R$120, isso significará que, em 1997, com certeza, o valor médio anual estará abaixo do registrado, em termos de valor médio anual de R$121,62 havido em 1995, primeiro ano do Governo Fernando Henrique Cardoso. Ficará também mais baixo do que os R$137,20 correspondentes à média anual do ano de 1994.

Lembramos, Sr. Presidente, que o Presidente Fernando Henrique Cardoso, durante a sua campanha, afirmou que, pelo menos, dobraria o valor do salário mínimo ao longo do seu quadriênio e que essa seria uma meta modesta, uma vez que o salário mínimo estava num valor muito baixo e precisava recuperar-se. Todavia, embora não o dissesse, pressupunha-se simplesmente que o valor do salário mínimo, em termos nominais, dobrasse; pelo menos a pressuposição era de que Sua Excelência estava falando em termos reais.

Portanto, se hoje Sua Excelência anunciar o valor de R$120, aqui já está registrado, para 1997, teremos um valor do salário mínimo, em termos médios anuais, menor do que o ocorrido em 1996, em 1995 e em 1994.

Mas o que seria de se esperar, Sr. Presidente, é que - havendo no Governo economistas do calibre de Pedro Malan, Antonio Kandir e Paulo Paiva, com a assessoria de alguns dos melhores economistas brasileiros - o Governo avançasse na questão de como assegurar que nenhum brasileiro, adulto ou criança, estivesse vivendo em condições de pobreza absoluta, em condições de miséria.

O salário mínimo é um dos instrumentos que serve de referência para alcançarmos a meta de erradicar a pobreza.

Na literatura econômica, discute-se em que medida é o salário mínimo instrumento eficaz para assegurar um mínimo de renda para aqueles que trabalham. Sabe-se que nem sempre se consegue assegurar, dado um nível de salário mínimo, que todas as pessoas que gostariam de estar trabalhando com aquela remuneração efetivamente consigam um emprego. Todavia, a definição de um salário mínimo é importante para se assegurar, sobretudo aos trabalhadores sem um suficiente grau de qualificação, um certo poder de barganha, dispondo a lei que se deve pagar, pelo menos, uma quantia de R$112,00, que passará para algo em torno de R$120,00.

Mas o que eu gostaria de dizer, Sr. Presidente, é que o salário mínimo não é um instrumento suficiente. Mesmo que viéssemos a alterar o salário mínimo de R$112,00 para cerca de R$200,00, aumentando muito mais significativamente do que o Governo está disposto, teríamos que analisar alguns aspectos: a sua repercussão sobre o setor público e sobre o setor privado.

Em diversas municipalidades, sobretudo em regiões mais pobres ou em diversos Estados, é grande o número de pessoas ou relativamente significativo o número de pessoas contratadas com um grau de remuneração que equivale ao salário mínimo ou a algo próximo a ele.

Isso não é o que ocorre nas Regiões Sul e Sudeste do Brasil. Por exemplo: na grande São Paulo, se observarmos a remuneração oferecida aos trabalhadores - mesmo os de menor qualificação como os serventes na construção civil, como os zeladores, guardas noturnos e assim por diante -, vamos observar nos jornais O Estado de S. Paulo, na Folha de S. Paulo, ou na Bolsa de Empregos, que todos já estão ganhando bem acima do salário mínimo, normalmente pelo menos duas vezes mais.

Já no Nordeste e Norte do Brasil, a situação é diferente. Ali, a referência salário mínimo tem importância e, quando se aumenta o valor do salário mínimo, acaba-se provocando um impacto sobre os orçamentos municipais e estaduais. No que diz respeito ao setor público federal, a maior parte dos servidores já está ganhando acima da referência salário mínimo, mas tem um impacto a alteração na medida em que há um grande número de pessoas que recebem o salário mínimo, como os aposentados que estão com um salário mínimo e ainda aqueles que recebem aposentadoria do Funrural. E é um número significativo.

E o Governo, na hora de definir o salário mínimo, está dialogando com o Ministério da Previdência Social, com o Ministro da Fazenda, com o Ministro Antonio Kandir, sobre o impacto no Orçamento da União.

No setor privado, quando há um aumento no salário mínimo, temos diversos efeitos. Do lado da contratação de trabalhadores, observamos que é perfeitamente possível ao setor privado, às empresas em geral, absorverem um razoável aumento do salário mínimo, especialmente porque acaba tendo um efeito também sobre o lado da demanda por bens e serviços. Na medida em que - isso já se comprovou em alguns momentos na história do Brasil e na de diversos países - há um aumento do salário mínimo, há um aumento da demanda por bens de primeira necessidade e isso acaba ativando a economia, aumentando a demanda por bens e serviços e permitindo àqueles diversos segmentos absorverem o aumento.

Mas se o aumento é abrupto, demasiadamente forte, pode acabar resultando impactos sobre os preços e custos na economia. E, se for muito grande o aumento, pode haver um efeito sobre a questão do emprego. Se de um lado o aumento da demanda por bens e serviços contribui para aumentar a demanda por trabalhadores, por outro lado, o aumento do custo envolvido pode significar uma dificuldade para as empresas.

Se um trabalhador, pelo fato de não agregar um valor adicionado significativo para a empresa, se o valor adicionado que ele estiver dando para a empresa, em função do seu trabalho, for menor do que o que aquela empresa irá pagar em termos de salário mínimo, a empresa poderá resolver não contratá-lo, ficando essa pessoa desempregada.

Ora, para se resolver de forma mais aprofundada, mais eficaz, essa questão de se assegurar uma remuneração, uma renda mínima às pessoas, sobretudo as que estão nos níveis mais baixos de rendimento, é que os economistas têm refletido sobre a garantia de uma renda, que pode se chamar renda mínima ou renda de cidadania ou renda básica, que é paga não importando a questão do trabalho; é para além do trabalho.

Portanto, essa proposta pode ser efetuada através do imposto de renda negativo, uma alternativa àquelas pessoas cuja renda não atinja um certo patamar, que suponhamos hoje seja de R$250. Então, elas passariam a ter o direito de receber um complemento de renda, como 50% da diferença entre aqueles 250 e a própria renda.

É isso que está proposto no Programa de Garantia de Renda Mínima, aprovado pelo Senado em 1991, e pelo então Senador e hoje Presidente Fernando Henrique Cardoso, e, infelizmente, ainda não aprovado na sua inteireza pelo Congresso Nacional, pela Câmara dos Deputados daquela forma.

Além de o imposto de renda negativo, que garante o mínimo de renda a cada pessoa, poderíamos, alternativamente, instituir no País uma renda de cidadania, simplesmente uma renda básica igual para todos, independente de sua origem, raça, sexo, condição marital, condição de emprego, condição social, seja lá o que for. Toda pessoa passaria a receber uma certa renda, como um direito à cidadania, uma forma de partilhar da riqueza nacional.

Quando o Governo, na circunstância presente, pensa em desfazer-se da Companhia Vale do Rio Doce, das empresas do Sistema Telebrás, o Governo está pensando em fazer uma grande arrecadação de recursos. O Governo inclusive pensa em destinar parte dos recursos advindos da exploração de minérios da Companhia Vale do Rio Doce ao BNDES, para que o BNDES venha a emprestar recursos, destinando-os às mãos de empresários, a taxas de juros menores do que aquelas que normalmente são oferecidas por instituições de crédito no mercado, de tal maneira a possibilitar a criação de mais empregos e mais investimentos desses empresários, que se beneficiariam, em primeira mão, de recursos que hoje pertencem - pelo menos hipoteticamente - a todos os brasileiros, que constituem patrimônio desta Nação.

Ora, quando o Governo pega recursos de todos os brasileiros e os coloca primeiramente nas mãos de quem já tem riquezas, nas mãos dos empresários que têm acesso ao BNDES, obviamente, se de um lado vai criar meios de estimular investimentos, novas empresas, oportunidades de emprego, na verdade o faz através de um novo mecanismo concentrador de renda e de riqueza.

Se alternativamente o Governo viesse a garantir a instituição de um fundo que fosse o resultado de contribuições diversas, de um fundo que, por exemplo, resultasse de parcela do valor adicionado na criação de riqueza não apenas decorrente da exploração de minérios, mas também de recursos naturais, e, na verdade, de toda a riqueza que fosse criada no Brasil, de um fundo que viesse a crescer com novos investimentos que ele próprio poderia proporcionar, esse fundo poderia se constituir numa forma de, a cada ano, destinar um pagamento, um dividendo, uma renda de cidadania a todo brasileiro, que ganharia essa remuneração, essa renda, independentemente da sua condição, estando a pessoa empregada ou desempregada. Assim se asseguraria, como um direito de todos, a possibilidade de estar partilhando minimamente da riqueza desta Nação e se asseguraria um meio de todas as pessoas terem um mínimo de renda. E aí cada pessoa iria poder alcançar, no mercado de trabalho, a partir já de uma base que lhe asseguraria a sobrevivência, tudo aquilo que pudesse obter por seu talento, por seu esforço, por sua capacidade empreendedora, por todas as suas qualidades. Mas nós deveríamos estar assegurando a cada pessoa que jamais estivesse premida pela fome, pela miséria, pelas condições que levaram Galdino Jesus dos Santos a não ter outra alternativa senão a de estar dormindo ali no ponto de ônibus e ser, vergonhosa e tragicamente, assassinado por pessoas que, tendo recursos em nossa sociedade, resolveram violentá-lo, assassiná-lo com fogo nas suas vestes.

Não teríamos situações como aquela das viúvas dos trabalhadores mortos em Eldorado dos Carajás, em 17 de abril de 1996, que estão lá - registrou a Rede Globo há poucos dias -, com cinco ou seis filhos, impossibilitadas de sobreviver senão com a solidariedade de seus companheiros, porque têm ainda filhos de colo e não podem trabalhar.

A definição do salário mínimo, se ele será R$120,00, R$130,00 ou R$200,00, não vai alterar a condição de pobreza a que está submetida hoje a viúva do trabalhador sem-terra assassinado em Carajás pelos 155 PMs.

Não irá alterar a condição, por exemplo, do seringueiro do interior da Floresta Amazônica, Senador Jefferson Péres, que precisaria ter a possibilidade também de ter resguardada uma renda mínima que lhe assegurasse a cidadania plena e que poderia ser o resultado, por exemplo, da mais justa retribuição que essa pessoa deveria ter por estar vivendo ali, de onde saem recursos, muitos vezes, para o exterior, decorrentes da exploração de minérios, da exploração das riquezas daquela Floresta. E muitas vezes essas pessoas que vivem no interior da Floresta Amazônica não têm possibilidade de se apropriar de um mínimo que seria perfeitamente justo estar lhe sendo assegurado.

E isto até mesmo para que toda pessoa hoje vivendo em condições de pobreza no Brasil pudesse ter as suas crianças indo à escola, em vez de estar sendo forçadas ora à prostituição infantil - como infelizmente detecta hoje a imprensa, está se espalhando de forma assustadora por todo o Brasil -, ora a mendigar, ora a vender doces, ora a fazer atividades que não são propriamente produtivas, mas que seus pais lhes pedem para fazer, porque é a maneira de conseguir pelo menos a sobrevivência.

Sr. Presidente, fico preocupado que um Presidente que teve a sua vida pautada pela busca da justiça esteja extremamente tímido em contribuir para que a nossa sociedade, mais rapidamente do que tem feito, avance.

O Presidente da República disse, no Canadá, que se já tivesse sido realizado mais no que diz respeito a reformas - acredito que estivesse se referindo às reformas administrativa, da Previdência e outras -, poderia não estar vivendo o seu difícil cotidiano de Presidente, poderia deixar até mesmo a idéia de ser reeleito. E fez um comentário crítico ao Congresso Nacional, à Câmara dos Deputados, por não ter votado, como Sua Excelência gostaria, a reforma administrativa nesta semana. E fez críticas àqueles que muitas vezes estão pensando, como Parlamentares, em seus próprios benefícios.

Mas, como assinala hoje Jânio de Freitas, quem é que colocou algo que irá sobretudo beneficiá-lo antes das reformas que Sua Excelência diz serem tão importantes para o País? Quem é que, senão a sua base de Governo, a sua base parlamentar, está, hoje ainda, no Senado Federal, tentando fazer com que em primeiro lugar votemos a possibilidade do direito de reeleição do Presidente? É o Presidente que antes está colocando o seu próprio direito de reeleição.

Ora, Sr. Presidente, quem é que está em primeiro lugar, visando ao seu próprio benefício, senão aquele que determina a sua base de apoio parlamentar, inclusive para prosseguir a discussão, o debate sobre o direito à reeleição? E considera como válida uma seqüência de sessões, como a de hoje, a de segunda-feira e a da próxima semana.

Aponto ainda que estamos hoje participando de uma sessão deliberativa válida sem que haja o registro eletrônico das presenças dos Senadores. Está-se, com isso, vendo o interesse pessoal; de quem? Não está o Presidente da República, em primeiro lugar, pedindo à maioria que o sustenta no Congresso Nacional que se encarregue de fazer tudo o que for necessário para alcançar o seu direito à reeleição?

Eu preferiria ver o Presidente, que tem apenas 1 ano e 8 meses de mandato constitucional válido, dedicando-se mais à tentativa de solucionar os problemas da sociedade brasileira: como conseguir maior justiça, como acelerar a reforma agrária para modificar a estrutura fundiária tão injusta e como conseguir instrumentos que erradiquem, com maior eficácia, a miséria.

Sr. Presidente, tentarei uma audiência com o Presidente Fernando Henrique Cardoso, na próxima semana, para tratar exatamente da tramitação, no Senado e na Câmara dos Deputados, do projeto de garantia de renda mínima. Quero ver se consigo uma atenção mais explícita dele próprio e da sua equipe econômica para esse fim, porque se o propósito for o de erradicar a miséria, a definição do salário mínimo não é suficiente. É preciso que, ao lado da definição, a mais adequada, do valor do salário mínimo, se leve em conta inclusive os ganhos de produtividade ocorridos na economia, mesmo durante o período em que Sua Excelência é Presidente. Durante esse período, se o valor do salário mínimo, em termos do poder aquisitivo, não levar em conta o aumento do ganho de produtividade em média do trabalhador, então efetivamente Sua Excelência estará diminuindo o poder de barganha dos trabalhadores de menor qualificação.

Esse é um ponto.

O outro ponto é que o salário mínimo não é um instrumento suficiente e adequado para garantir aos brasileiros, aos que trabalham, aos que não trabalham ou aos que estão realizando um outro tipo de trabalho, que não recebem a retribuição monetária no mercado, uma vida digna; por exemplo, para aquela mãe, aquela dona de casa que tem diversos filhos pequenos e que está realizando um trabalho não remunerado no mercado, mas que é importante também.

Portanto, é preciso pensar em um mecanismo, já vigente em tantos outros países, de garantia de renda para os cidadãos através de uma renda de cidadania.

Há outros instrumentos que contribuem para erradicar a pobreza, como, por exemplo, o crédito popular; a garantia de que pessoas com baixa remuneração podem ter acesso a empréstimos, pequenos que sejam. A experiência do Gramen Back, o banco do vilarejo de Bangladesh, é uma lição bonita nessa direção.

É perfeitamente possível proporcionar às pessoas que não têm grande patrimônio, mas que têm a possibilidade de trabalhar - de conseguir, por exemplo, uma máquina de costura, uma carroça, uma charrete, um pequeno instrumento de trabalho -, um aumento na sua remuneração e, com isso, poder pagar um modesto empréstimo.

Mas é preciso criar condições para isso, assim como se pode proporcionar condições de estudo, em larga escala, para as crianças deste País, quando seus pais não têm remuneração adequada, através dos programas de bolsa-escola ou de programas de garantia de renda mínima, que complementam a renda das famílias e permitem que suas crianças tenham assegurado o direito de freqüentar a escola.

Sr. Presidente, antes de concluir, eu gostaria também de fazer referência ao episódio ocorrido no Peru, na Embaixada do Japão.

Embora algumas pessoas estejam elogiando o Presidente Alberto Fujimori, por ter realizado uma operação militar naquela embaixada, registro, Sr. Presidente, que a impressão que tive foi a de que o Presidente Alberto Fujimori não cumpriu com a sua palavra. Ele havia dito que iria resolver o dramático impasse da prisão dos 72 reféns - inicialmente, eram cerca de 400 - de outra forma. Havia alguns membros do governo do Peru, inclusive o irmão do Presidente Fujimori; um membro da Suprema Corte, o embaixador do Japão e embaixadores de outras nações - inicialmente, também o Embaixador brasileiro.

O Presidente Fujimori pediu a colaboração de Chefes de Estado para resolver a questão. Esteve inclusive em Cuba, para combinar com o Presidente Fidel Castro a possibilidade de refúgio para aqueles que ocuparam a embaixada, se houvesse solução para o impasse. Mas parece que aquilo foi mais cena do que intenção verdadeira, porque hoje se sabe que o que aconteceu há três dias foi planejado desde o início.

Alguns podem estar comemorando, mas já houve situações semelhantes que foram resolvidas sem mortes, como a do membro da Suprema Corte do Peru.

Quando o próprio empresário brasileiro, Abílio Diniz, foi seqüestrado, Dom Paulo Evaristo Arns teve a iniciativa, a coragem de interceder e dialogar com os seqüestradores. Chegaram, então, a um acordo, quando os seqüestradores resolveram salvar a vida de Abílio Diniz e das demais pessoas, sem a necessidade de uma operação militar para resolver o impasse.

Esse episódio, por exemplo, constitui um fato histórico importante. Foi uma solução com a determinação de se resolver um problema dessa natureza sem derramamento de sangue.

Portanto, não aplaudo a atitude do Governo do Peru. Mais importante é observarmos o quanto, no Peru e em outros lugares da América Latina, continua a haver situações graves de injustiça social, que constituem a razão mais profunda da existência dos movimentos revolucionários como o Tupac Amaru.

Gostaríamos de ver toda a energia usada naquela ação militar ser utilizada em outra direção, naquela de conseguirmos soluções mais adequadas e profundas para a erradicação da miséria e das injustiças, tanto no Brasil como em toda a América Latina e nos diversos países do mundo, para que a paz verdadeira resulte da construção da justiça. Com tanta injustiça, Sr. Presidente, com tanta pobreza, vai ser difícil não vermos repetidas ações como aquela dos Tupac Amaru.

Era o que tinha a dizer. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/04/1997 - Página 8634