Discurso no Senado Federal

INTERMEDIAÇÃO DA OPOSIÇÃO ENTRE OS REPRESENTANTES DO MOVIMENTO DOS SEM-TERRA E AUTORIDADES GOVERNAMENTAIS. META DA REELEIÇÃO DE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO. CRISE MUNDIAL DE DESEMPREGO, PROVOCADA PELO AVANÇO DO NEOLIBERALISMO. DIFICULDADES DE ACESSO A JUSTIÇA.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • INTERMEDIAÇÃO DA OPOSIÇÃO ENTRE OS REPRESENTANTES DO MOVIMENTO DOS SEM-TERRA E AUTORIDADES GOVERNAMENTAIS. META DA REELEIÇÃO DE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO. CRISE MUNDIAL DE DESEMPREGO, PROVOCADA PELO AVANÇO DO NEOLIBERALISMO. DIFICULDADES DE ACESSO A JUSTIÇA.
Publicação
Publicação no DSF de 19/04/1997 - Página 8117
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • CRITICA, ATUAÇÃO, GOVERNO, RECUSA, MINISTERIO EXTRAORDINARIO DE POLITICA FUNDIARIA (MEPF), NEGOCIAÇÃO, SEM-TERRA.
  • CRITICA, IMPUNIDADE, BRASIL, VIOLENCIA, CAMPO.
  • CRITICA, OMISSÃO, GOVERNO, CRESCIMENTO, DESEMPREGO.

O SR. LAURO CAMPOS (BLOCO-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Movimento dos Sem-Terra surgiu de uma forma embrionária há bem pouco tempo. Hoje, os jornais da Europa e os grandes jornais da América do Norte reservam lugar de destaque, manchetes, para abrigar e registrar o seu desdobramento, a sua organização, a sua consciência de que, nas condições atuais em que se encontra a sociedade brasileira, o tempo já está maduro para que esse movimento, surgido do campo, venha a se transformar e se somar aos grandes movimentos da cidade: com os movimentos sindicais, com os movimentos de base, com o movimento da Igreja Católica e de outras igrejas, e, assim, procurar transformações reais para o Brasil.

O Professor Fernando Henrique Cardoso escreveu que só nesses movimentos de base seria possível detectar um processo revolucionário que modificaria profundamente as estruturas arcaicas do nosso País. Infelizmente, há muito pouco tempo, Sua Excelência, o Presidente da República, entre outras mudanças a que a sua nova personalidade está sujeita, mudou também a sua posição em relação ao Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra; e mudou com um erro de cronometragem, pois não deu tempo de mudar de novo e voltar a apoiar o Movimento dos Sem-Terra. Por que Sua Excelência, o Presidente da República, que tanto admiramos no passado por sua consciência e sua capacidade de determinar as verdadeiras diretrizes que o Brasil deveria seguir, de repente, abandona, nega-se a receber os representantes do Movimento dos Sem-Terra? Nega-se, através do Ministro Raul Jungmann, a qualquer contato com eles, tal como já fez algumas vezes em relação a movimentos sindicais, como, por exemplo, os dos petroleiros que, há dois anos, foram recebidos ainda no Governo Itamar Franco, e aos quais ficou prometido e acertado que as suas reivindicações salariais seriam atendidas, desde que esperassem um pouco, a fim de não atrapalhar o Plano Real. E nada! A palavra dada não foi cumprida também desta vez. E, a cada vez que o Governo recua em suas posições, em suas posturas e em suas colocações, é óbvio que trilha o caminho da desmoralização. E tantas foram as idas e vindas, os avanços e os recuos deste Governo a partir das promessas eleitorais que não foram cumpridas, que o ex-Governador Leonel Brizola duvida da sanidade mental do atual Presidente da República.

Pois bem, diante da recusa do Governo de entrar em contato com as lideranças do Movimento dos Sem-Terra, nós, do Bloco da Oposição, reunimo-nos com o Ministro Raul Jungmann, a fim de tentarmos criar um canal de comunicação entre o Movimento dos Sem-Terra e o Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso e, em especial, do Ministro Raul Jungmann, da Reforma Agrária.

Os jornais estão cheios e repletos, basta relê-los, dessas afirmativas do Governo e de uma ação governamental que também envolveu o próprio Ministério da Justiça, a fim de tentar coibir, congelar o crescimento do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra. Tentaram amedrontar esses trabalhadores, cercá-los, não apenas por um descaso muito grande em relação às vítimas desse movimento: Eldorado dos Carajás, onde a terra foi, mais uma vez, molhada pelo sangue desses trabalhadores desarmados. De dez anos para cá, 970 trabalhadores rurais foram assassinados. Jagunços contratados, que agora mudaram de nome, são seguranças. Seguranças coisa nenhuma! Esse neonome não convence a ninguém. É a volta do "jaguncismo" em pleno neoliberalismo! E esse "jaguncismo" armado pelos latifundiários recebem a completa indiferença ou senão a cobertura do Poder Judiciário, do Governador do Pará, do Poder Executivo, que garante a impunidade de todos eles. Desses mais de 950 crimes ocorridos contra os trabalhadores sem terra, apenas 47 pessoas foram processadas neste País. É a garantia total da impunidade!

Há poucos minutos estávamos ali no gabinete do Presidente do Senado, Senador Antonio Carlos Magalhães, que conversava, especialmente com João Stédile, o Líder do Movimento dos Sem-Terra. Dizia S. Exª, o Presidente Antonio Carlos Magalhães, que a legislação brasileira, os códigos de processo, no Brasil, são feitos para garantir a impunidade - acabou de dizer S. Exª -, para garantir a procrastinação, o adiamento para sempre do processo judicial que, afinal de contas, torna impune, inalcançável os ricos, enchendo e abarrotando os presídios com pobres e negros, transformando-os em um campo de concentração que torna inaceitável a presença de ricos e perfumados criminosos!

Portanto, estamos diante de uma estrutura legal, de uma estrutura cultural, econômica e política que se colocam como obstáculos reais ao processo de avanço da humanidade, do conteúdo humano, do conteúdo pacífico daqueles que querem realmente transformar o mundo através do seu trabalho.

É incrível que as pessoas que acreditaram um dia que o homem é homo faber, é o produto do seu trabalho, agora se transformaram, de repente, em verdadeiros algozes ou opositores ferrenhos daqueles que querem as condições mínimas para desenvolver o seu trabalho.

A imprensa falou, registrou, que diante do grande objetivo, da meta das metas, da meta-síntese, que no tempo de Juscelino Kubistchek foi Brasília, a 11ª meta, que culminava, reunia e dava organicidade às dez outras metas desenvolvidas no tempo de Juscelino Kubistchek, agora a meta-síntese é Sua Excelência mesmo, é a sua reeleição, é a sua permanência, talvez por 20 anos, como já tinham anunciado.

Portanto, se Brasília ajudava a compreender o plano de metas de Juscelino Kubistchek, agora a reeleição, a meta-síntese de Sua Excelência o Presidente da República é indispensável para que conheçamos e entendamos os seus movimentos, os seus avanços e recuos, a sua estratégia e a sua tática.

Pois bem, foi justamente quando, por necessidade de ver aprovado o projeto de reeleição, sem desincompatibilização, marcando, de forma visível e incontestável, o avanço das medidas autocráticas, despóticas, que caracterizam este Governo, percebemos que, para ganhar o voto da Bancada Ruralista, foram feitos conchavos e aconchegos. E a partir desse momento, não por mera coincidência, o Governo mudou, sim, mudou e se abalou até Roma, para falar com o Papa que os padres brasileiros, a CNBB e a Episcopal da Terra estavam agindo de forma perigosa.

A partir desse momento, percebemos diversos tipos de ações coordenadas, inclusive a do Ministro Raul Jungmann, que recuara em suas intenções. O Ministério da Reforma Agrária dispôs no ano passado de poucos e pequenos recursos. De acordo com a imprensa, apenas um pouco mais de 30% desses recursos teriam chegado, realmente, às atividades-fins. E de acordo com a resposta que me foi encaminhada pelo Ministério da Reforma Agrária, 80% dos recursos teriam sido aplicados, ficando, apenas, 20% sem serem utilizados, quando a reforma agrária brasileira precisa, exige, obviamente, muito mais do que os parcos recursos que o Orçamento destinou a esta atividade.

Portanto, o Movimento dos Sem-Terra tornou-se maior do que o Governo brasileiro, este Governo indeciso, diante da firmeza dos trabalhadores sem terra; um Governo isolado, um Governo que se encontra completamente cindido da realidade e do povo; um Governo que afirma que quer ouvir a voz rouca da rua, mas depois nunca mais fala nisso, nunca mais fala em transformar, em abençoar, em legitimar aquilo que ele comprou no Poder Legislativo: a reforma constitucional, que lhe garante e lhe garantirá, se passar também nesta, do Congresso, a reeleição sem desincompatilização.

Reeleição sem desincompatibilização! Uma aberração na história política do Brasil. A reeleição nunca foi adotada no Brasil. Nem mesmo dentro dos Governos militares, que pelo menos mudavam a cara do militar na Presidência de 4 em 4 anos, ou de 5 em 5 anos. Agora, querem mais 4 anos.

Menem, que está um pouco adiante deste Governo, embora conte com 80%% de reprovação da opinião pública, Menem, na Argentina, não quer apenas os 8 anos que já conseguiu, quer mais 4, quer 12 anos, uma "fujimorização" completa de todos esses países neoliberais, que adotaram essas medidas de destruição da vida, de desrespeito ao homem e de desmoralização total da palavra e do compromisso efetuado.

Felizmente, não apenas o Movimento dos Sem-Terra, não apenas os trabalhadores da França, diante da Renault, não apenas os trabalhadores da Coréia do Sul, atirando coquetéis molotov para tentar segurar e garantir os seus direitos trabalhistas, que estão sendo igualmente sucateados e desrespeitados - o direito à estabilidade, o direito a férias, o direito à garantia de que a dispensa será feita por causa justa etc - todos os direitos conquistados na Coréia do Sul pelos trabalhadores, que estão sendo agora desrespeitados pelo neoliberalismo, e já lançou um bilhão de trabalhadores na rua, como resultado inexorável dessa sua fantástica proposição de manter o capitalismo sem gente, de manter o capitalismo de cemitério, de manter o capitalismo a qualquer custo, reduzindo as oportunidades de trabalho.

Em alguns países, como a Suécia e mesmo nos Estados Unidos, o desemprego atingiu, em 1935, por exemplo, 25%, e lá, na Suécia, mais de 40% da força de trabalho. Naquele momento, já o governo tratava de reempregar os trabalhadores desempregados. Mesmo assim, o desemprego atingiu esse nível fantasticamente elevado.

Aqui no Brasil, além do desemprego tecnológico, além de 830 mil locais de trabalho fechados na agricultura, encontramos, como conseqüência do Governo FHC, do real, a eliminação de 755 mil empregos na indústria.

Portanto, desta vez - sem o governo reempregador de Roosevelt, de Hitler, sem o governo reempregador gastando em obras públicas para reempregar os trabalhadores que a tecnologia, que a ditadura do mercado livre havia lançado no desemprego -, se não seguirmos o exemplo do Movimento dos Sem-Terra, se não protestarmos contra o que está acontecendo, 50 mil funcionários públicos serão desempregados, afirmou Sua Excelência, o Presidente FHC, diante da sentença do Supremo Tribunal Federal, que concedeu os 28,6% de equiparação dos civis aos militares. Cinqüenta mil desempregados, se o Supremo Tribunal não voltar atrás!

E agora, para que um trabalhador ou alguém que vá à Justiça contra este Governo possa ser beneficiado por uma medida liminar deverá depositar em juízo a importância que poderá conquistar na Justiça. Um verdadeiro absurdo! Temos uma Justiça cada vez mais longe do povo e um Executivo cada vez mais cindido. Esquizofrenia é justamente o que significa essa cisão, essa ruptura. Essa ruptura entre as bases da personalidade, a que Kardner se referiu há algumas décadas. As bases da personalidade de Fernando Henrique Cardoso estão fundadas no mais genuíno e autêntico pensamento marxista. De repente, agora, sobre essas bases, ergue-se essa cabeça esvoaçante, infundada, ideológica desse triste neoliberalismo em crise derradeira.

Portanto, diante de tudo isso, verificamos que o desemprego no mundo, que já atinge mais de 30% da população economicamente ativa mundial, atingirá, sem dúvida alguma, 60%, porque, na crise de 29, em alguns países, atingiu quase 50%. Hoje, o Governo está sem reempregar, sem abrir oportunidades de emprego, e está passando a desempregar e a ameaçar os trabalhadores. Por exemplo, apenas no Banco do Brasil, 25 funcionários já se suicidaram. Essa é a verdadeira violência, muito mais violenta talvez do que aquele tiro assassino, disparado em São Paulo, filmado e documentado por um cinegrafista amador.

Portanto, é uma violência muito grande dificultar o acesso à Justiça, ameaçar a população desempregada, não deixar que o campo abra oportunidades de emprego, fazer o império da máquina e da eficiência cegas em detrimento da vida, em detrimento do respeito aos direitos conquistados. Não me recordo de um governo que tenha sido tão desrespeitador da vida, tão encantado com o fetichismo do mercado, com as maravilhas metálicas e desumanas da tecnologia que dispensam os trabalhadores e que, portanto, só poderia agir coerentemente quando se mostrou infenso, contrário ao Movimento dos Sem-Terra. E eles sabem disso; eles sabem que, obviamente, o seu movimento deverá, para criar raízes e se espalhar, ultrapassar o simples acesso à terra.

Olacyr de Moraes, que tem 400 mil hectares de terra, o rei da soja, o maior produtor de soja do mundo, que tem escritórios técnicos, que tem representantes no mercado internacional, que possui tecnologia avançada para aplicar em suas terras, agora quer vender 200 mil hectares.

Ora, se diante de tanta eficiência, o Sr. Olacyr de Moraes está encontrando dificuldades, imagine o que acontecerá com o pequeno trabalhador sem terra, que apenas tem acesso à terra nua e crua, sem um auxílio, sem uma residência, sem uma tecnologia, sem um amparo, sem um subsídio, sem crédito e sem coisa alguma. Obviamente, é preciso que o próprio processo de reforma agrária avance, para que ele possa criar raízes, para que os trabalhadores possam sobreviver numa sociedade em que o próprio Olacyr de Moraes não consegue ter e manter os êxitos de sua grande atividade produtiva.

Portanto, agradeço à Mesa a paciência que teve ao permitir-me um maior tempo na tribuna, e eu havia me comprometido com o Senador Suplicy de que aqui permaneceria até a sua chegada, pois S. Exª é o próximo inscrito, e, por essa razão, cedo o meu lugar, com muito prazer, ao nobre Senador.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/04/1997 - Página 8117