Discurso no Senado Federal

POSIÇÃO CONTRARIA DE S.EXA. A VENDA DA COMPANHIA VALE DO RIO DOCE, PELAS FLAGRANTES IRREGULARIDADES NO PROCESSO DE VENDA E QUE, EM SUA OPINIÃO, PROVOCARÃO PREJUIZOS IRREPARAVEIS AO BRASIL.

Autor
José Alves (PFL - Partido da Frente Liberal/SE)
Nome completo: José Alves do Nascimento
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRIVATIZAÇÃO.:
  • POSIÇÃO CONTRARIA DE S.EXA. A VENDA DA COMPANHIA VALE DO RIO DOCE, PELAS FLAGRANTES IRREGULARIDADES NO PROCESSO DE VENDA E QUE, EM SUA OPINIÃO, PROVOCARÃO PREJUIZOS IRREPARAVEIS AO BRASIL.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 29/04/1997 - Página 8728
Assunto
Outros > PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • CRITICA, GOVERNO, RECUSA, DEMOCRACIA, DEBATE, PRIVATIZAÇÃO, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), PREJUIZO, BRASIL, LEILÃO, PERDA, PATRIMONIO, AGENCIA, DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
  • CRITICA, CAMPANHA, PUBLICIDADE, GOVERNO, DIVULGAÇÃO, REDUÇÃO, DIVIDA PUBLICA, VENDA, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD).
  • REGISTRO, AÇÃO JUDICIAL, QUESTIONAMENTO, EDITAL, IRREGULARIDADE, PROCESSO, VENDA, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), INFERIORIDADE, AVALIAÇÃO.

O SR. JOSÉ ALVES (PFL-SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, apesar das opiniões em contrário de técnicos, autoridades e setores importantes da sociedade sobre as propaladas vantagens de se transferir ao setor privado empresas estatais lucrativas e de elevada capacidade de competição no mercado interno e externo, o Governo continua indiferente a esses protestos e dá continuidade ao seu empenho em vender a Companhia Vale do Rio Doce sem dar ouvidos à sociedade que gostaria de debater o assunto.

Nas próximas 24 horas poderá estar sendo tomada uma decisão que dará ao País e à sociedade brasileira um prejuízo irreparável e irreversível, pois o povo, a Nação, não está convencida e segura de que essa medida contribuirá para o desenvolvimento do País.

O eminente Senador Josaphat Marinho lembrou, com propriedade, que o art. 49, item x, da Constituição Federal, atribui ao Congresso Nacional o poder de "fiscalizar e controlar", diretamente ou por qualquer de suas Casas, os atos do Poder Executivo, incluídos os da administração indireta.

Correntes ideológicas instaladas nos quadros do Governo e do próprio Congresso estão dificultando, por ação ou omissão, que esse Poder seja exercido, que essa prerrogativa seja realizada em defesa da soberania e do patrimônio nacional.

Não há consenso, por menor que seja, em qualquer nível de hierarquia social, da composição dos partidos políticos, da comunidade acadêmica e eclesiástica, do meio tecnológico ou de qualquer outra representação dos extratos da sociedade de que a venda da empresa traz mais esperança do que incertezas e prejuízos irrecuperáveis, apesar dos gastos já feitos com propaganda e anúncio nos meios de comunicação.

A venda da companhia certamente não vai contribuir para a redução da dívida, como defendem setores do Governo.

De 1991 até hoje foram privatizadas setenta e três empresas, entre elas quarenta de controle acionário e trinta e três de participação minoritária do Governo. Na realidade, vendidas mesmo foram 34 empresas que renderam 8,6 bilhões de dólares, onde apenas 2,3 bilhões foram em moeda corrente; o restante, em títulos da própria dívida do Governo e em moedas podres, uma contribuição insignificante para a redução da dívida pública do País, que já consome praticamente metade da receita do Orçamento da União.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, considero um acinte, um desprezo e uma provocação à inteligência das pessoas esse argumento veiculado na campanha publicitária paga pelo Governo sobre a venda da Vale, quando afirma que esses três bilhões que pretendem arrecadar vão contribuir para a redução da dívida pública; não paga 15 dias da dívida pública e não sei se cobre uma semana de juros.

Na realidade, o aceno de vantagens não tem convencido a opinião pública, mas temos certeza dos prejuízos: o povo perde uma parcela significativa do patrimônio que lhe pertence, o País perde uma extraordinária agência de desenvolvimento e superação dos desequilíbrios inter-regionais e a União perde parte significativa do controle da política mineral.

Dizem que a História é a mãe das ciências, e o que ela nos mostra é que a Inglaterra, que levantou essa bandeira da privatização, feita sem critérios, hoje vive suas maiores dificuldades, com altíssimas taxas de desemprego e o crescimento da miséria, enquanto o Japão e Alemanha, a cada dia, estendem sua hegemonia econômica no mercado internacional.

Continuo acreditando que a venda da Vale do Rio Doce é um péssimo negócio para o País no âmbito desse movimento crescente de globalização mundial, em que somente aquelas economias mais sólidas sobrevivem, porque é uma tendência de controle da riqueza do mundo em poucas mãos, nas mãos de grandes empresas transnacionais.

Esse processo de globalização econômica e financeira mundial, até nos países mais desenvolvidos, vem causando desemprego, desassistência e exclusão social generalizada, com reflexos negativos na estabilidade econômica devido à ação de capitais especulativos, que mais preocupados em lucros de curto prazo, não promovem, significativamente, investimentos produtivos de longo prazo nos países em desenvolvimento.

Folheto recebido da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, há alguns dias, com o título "Brasil Real", em artigo intitulado "Por que Vender a Vale", subestima a inteligência e a capacidade de discernimento da sociedade brasileira, quando, de forma falaciosa, tenta justificar as vantagens desse propósito de decisão unilateral do Governo com argumentos que não convencem, nem tranqüilizam os setores da população, preocupados com as repercussões futuras dessa opção governamental que está sendo feita à revelia da vontade popular.

O que precisa ser mais esclarecido é que o Governo investiu na Vale, de 1943 a 1990, apenas US$594 milhões, mas recebeu em dividendos 713 milhões, tendo, portanto, um lucro monetário sobre o dinheiro investido de 200 milhões, passando, entretanto, a ser dono de metade desse patrimônio sub-avaliado em 10,3 bilhões, garantindo-lhe ainda a exploração e o uso de nossas imensas riquezas minerais e o controle efetivo sobre as prospecções em nosso solo, subsolo, territórios e suas fronteiras e um controle efetivo dessa política, num setor que é o mais estratégico e representativo do patrimônio nacional, uma garantia de alternativas econômicas para as futuras gerações.

Dessa mesma publicação consta o tamanho da empresa, em valores de grande magnitude e o seu patrimônio líquido, tido como de 10,52 bilhões, que se reduziram para 10,3 bilhões depois do edital, na fixação do preço mínimo, em que o Governo espera receber 3 bilhões correspondentes a até 45% das ações ordinárias.

O problema, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é que o Governo, que insiste indiferentemente "até mesmo às enxurradas" de ações na Justiça em vender a Companhia, está dando continuidade a uma decisão por ele tomada, sobre assunto da maior relevância e interesse do patrimônio nacional, sem ter convencido a sociedade de que essa é uma medida acertada e vantajosa para o País.

Isso, partindo de um Governo democrata, é uma arbitrariedade inaceitável.

Estão tramitando no Judiciário mais de 70 ações nas diversas Varas da Justiça Federal, inclusive uma subscrita por um grupo de sub-procuradores da República, que questionam pontos duvidosos do edital, como aspectos de sub-avaliação do potencial mineral da empresa e o critério em que não se levou na devida conta os sete mil direitos minerários da empresa, as respectivas concessões de lavra e seis mil e novecentas jazidas "que valem bilhões de reais em minérios e não foram avaliadas", entre outras impropriedades suspeitosas.

Na última sexta-feira, acolhendo as razões de uma ação popular, o Juiz João Batista Gonçalves, da 6ª Vara da Justiça Federal de São Paulo concedeu liminar suspendendo o leilão da Vale, marcado para amanhã e, hoje, os advogados do BNDES se empenham em cassar essa liminar.

Essa ação, de iniciativa de um grupo de juristas, articulados pelo Professor Titular de Direito Administrativo da PUC-São Paulo, Celso Antônio Bandeira de Melo, declara existir flagrantes irregularidades no processo de venda da companhia.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, convém ressaltar, para aumentar as nossas preocupações, que esses movimentos e iniciativas de oposição e protesto contra a privatização da Vale do Rio Doce não são simples ou levianas manifestações de oposição partidária ao Governo. Em sua maior parte, movidos pela nobreza de gestos corajosos, até de setores que apóiam o próprio Governo, em defesa dos interesses maiores de nosso País, são protestos e indignações que brotam do seio do sentimento da nacionalidade, são ecos do nosso patriotismo mais sincero.

Quando ex-Presidentes da República, autoridades do porte de ex-Ministros de Estado, intelectuais, estudiosos, especialistas do setor e pessoas representativas da sociedade vêm se manifestando veementemente contra essa medida, e ainda as ações judiciais e o questionamento do valor da Companhia tido como escandalosamente sub-avaliados, as oposições radicais a essa medida tentam sustentar um valor do patrimônio mineral da Vale em mais de um trilhão, sem que haja desmentido de credibilidade. O mínimo que o Governo poderia fazer para tranqüilizar a Nação seria remeter o assunto ao Congresso, para que a matéria fosse aqui debatida e assim dividir essa imensa responsabilidade perante as gerações futuras, um ônus que o Governo quer assumir sozinho.

Sr. Presidente, sou, com muita honra, membro de um Partido que tem dado apoiamento ao Governo em proposições de interesse nacional. Concordo que o gigantismo do Estado deve ter limites, e suas ações prioritárias devem se voltar para as áreas de saúde, educação, segurança e demais iniciativas sociais, econômicas e políticas inerentes às suas funções específicas. Entretanto, jamais encontrei razões que me convencessem de que a venda dessa empresa não trará prejuízos irreparáveis ao País, nem contribuirá para o empobrecimento da população, especialmente das regiões onde a Vale vem atuando.

A Vale do Rio Doce só não é boa na concepção do Governo, que já se declarou um sócio majoritário "indesejável", que considera "toscas" e retrógradas as posições a ele contrárias, apesar das avaliações negativas que vêm sendo divulgadas pelo BNDES sobre o desempenho da Companhia e sua validade para a União, são de seus potenciais compradores as seguintes afirmações:

      "A Vale é uma empresa de primeiríssima linha, não conheço no mundo nada igual, o grupo é completo." Nicolas Hurd, inglês, Diretor do Banco Flemings;

      "A Vale é uma das mais bem gerenciadas empresas da América Latina." Banco de Boston, em publicação destinada a sua clientela.

      A Vale é colocada em primeiro lugar pela revista Euromoney, quando considera as "Top Companies" no Brasil, e diz: "Apesar de controlada pelo Governo, a CVRD se afasta da idéia corrente que se faz de uma estatal. É uma organização bem administrada, lucrativa e forte financeiramente."

Em um extenso relatório, a corretora americana Salomon Brothers, analisando a empresa, recomenda a participação na compra.

Somente os privativistas brasileiros, capitaneados pelo BNDES, sub-avaliam essa companhia, estimulando o Governo a tomar uma decisão precipitada, sem respaldo popular, o que poderá se tornar para o nosso País o maior erro do século.

O Sr. Eduardo Suplicy - V. Exª me permite um aparte, nobre Senador José Alves?

O SR. JOSÉ ALVES - Pois não, nobre Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy - Senador José Alves, V. Exª, como bem salientou, fala como um Senador do PFL que chama a atenção do Governo - sendo V. Exª da base de apoio ao Presidente Fernando Henrique Cardoso -, sobre aquilo que está por ser consumado sem que se escute melhor o clamor da população brasileira. Bem salientou o Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Distrito Federal, Ernando Uchoa Lima, na representação que encaminhou com o respaldo de juristas como os que V. Exª mencionou: Celso Antonio Bandeira de Mello - que o acompanhava na ocasião -, Fábio Konder Comparato e tantos outros, que para a constituição de uma empresa estatal faz-se necessário uma lei; para a sua dissolução e para a sua alienação mais ainda faz-se necessário uma lei específica. Se o Governo, dada a dimensão da Vale do Rio Doce para a economia nacional, tivesse encaminhado para o Congresso Nacional um projeto de lei específico, propondo a privatização da Vale, seria diferente. Como o Presidente Fernando Henrique não fez isso, aqui no Senado tivemos as iniciativas dos Senadores José Eduardo Dutra e da Senadora Júnia Marise, que propuseram que a decisão passe pelo Congresso Nacional. Infelizmente, a proposição não foi aprovada, mas a cada dia se aproxima o leilão da Vale do Rio Doce, se não for suspenso por essas medidas como as que V. Exª citou, inclusive aquela que alcançou respaldo e aprovação, porque foi concedida a liminar, pelo Juiz da 6ª Vara Federal em São Paulo, à iniciativa do jurista Celso Antonio Bandeira de Melo, que ressaltou diversos aspectos. Todavia, se não se confirmar a medida liminar já concedida, o leilão poderá acabar acontecendo amanhã. No meu entender, será precipitado, diante da avalanche de medidas liminares e dos protestos da opinião pública, em que pese toda a publicidade realizada pelo Governo. Os principais meios de comunicação, as redes de televisão veiculam, basta que se ouça por dez minutos qualquer programa, imagem e voz do Sr. Raul Cortez tentando convencer a opinião pública de que seria adequada a privatização da Vale. Entretanto, apesar desse bombardeio de mensagens publicitárias em favor da privatização da Vale, é interessante observar que na cidade de São Paulo pesquisa divulgada pela Folha de S.Paulo, no último sábado, mostrou que a maior parte das pessoas, em torno de 46% e 47%, estão contrárias à privatização da Vale e uma parte menor, algo como 38%, está convencida de que seria oportuna. Assim, V. Exª aqui coloca em alerta o Governo. Seria bom que o Presidente Fernando Henrique Cardoso, atendendo ao apelo de V. Exª, que é também o meu e de tantos Senadores, suspendesse o leilão da Vale do Rio Doce e propusesse que a decisão de sua privatização passasse por projeto de lei, para ser mais bem debatido pelo Congresso Nacional e por todos os segmentos da população brasileira.

O SR. JOSÉ ALVES - Senador Eduardo Suplicy, incorporo seus esclarecimentos ao meu pronunciamento, esperando e tendo fé em que a Justiça brasileira impeça que o Governo cometa o erro do século.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/04/1997 - Página 8728