Discurso no Senado Federal

AUTOCRITICA PUBLICA EM HOMENAGEM AO TRANSCURSO DOS 80 ANOS DO DEPUTADO ROBERTO DE OLIVEIRA CAMPOS.

Autor
Jefferson Peres (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • AUTOCRITICA PUBLICA EM HOMENAGEM AO TRANSCURSO DOS 80 ANOS DO DEPUTADO ROBERTO DE OLIVEIRA CAMPOS.
Aparteantes
Mauro Miranda, Waldeck Ornelas.
Publicação
Publicação no DSF de 29/04/1997 - Página 8731
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE NASCIMENTO, ROBERTO DE OLIVEIRA CAMPOS, DEPUTADO FEDERAL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).
  • NECESSIDADE, ASSEMBLEIA LEGISLATIVA, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DO AMAZONAS (AM), HOMENAGEM, ROBERTO CAMPOS, DEPUTADO FEDERAL, EX MINISTRO DE ESTADO, RESPONSAVEL, IMPLANTAÇÃO, ZONA FRANCA.

O SR. JEFFERSON PÉRES (PSDB - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, quando se fizer um balanço do século XX, referente ao Brasil, para identificar as personalidades que mais influência exerceram em nosso País, seguramente Roberto de Oliveira Campos será um dos primeiros nomes da lista; como também ele não faltará numa relação daqueles poucos privilegiados, com a rara capacidade de organizar o pensamento e de expô-lo com simplicidade, clareza e elegância, sem perder a profundidade.

Digo isso com toda a autoridade, insuspeito que não sou, porque ele foi a "bête noire" da minha juventude, alvo que eu não poupava com fúria de exaltado salvador do mundo. Como todo jovem esquerdista daquela época - ou talvez de qualquer época - tomado de sacrossanto fervor ideológico, via o mundo em branco e preto. Essa visão maniqueísta me dava a convicção de dono absoluto da verdade, da honestidade e do patriotismo. Uma forma de hemiplegia mental, como dizia Ortega Y Gasset, que me privava de isenção e me encharcava de intolerância em relação aos que divergiam de mim. Em conseqüência, os que tinham idéias diferentes passavam a ser contestados não com argumentos, mas com xingamentos, para desqualificá-los e pintá-los como representantes do mal, movidos sempre por interesses inconfessáveis.

Era assim que eu via e tratava Roberto Campos, cujo nome eu traduzia, como era moda, para Bob Fields, maneira gaiata, mas não menos desonesta, de chamá-lo de impatriota. Isso, quando não apelava para formas mais diretas e grosseiras de ofensas, à época também correntes, como "entreguista" e "lacaio do imperialismo".

O tempo, no entanto, foi extremamente cruel com os seus antagonistas e generosíssimo com ele, ao fazer sepultar o socialismo sob os escombros do Muro de Berlim e ao prolongar-lhe a vida o suficiente para lhe permitir saborear o triunfo de suas idéias liberais no Brasil e no mundo. Talvez nem ele mesmo acreditasse nisso.

Faço essa autocrítica, publicamente, em homenagem aos seus 80 anos, comemorados em grande estilo, num jantar de adesão que evidenciou seu enorme prestígio, pela quantidade e qualidade dos participantes. Seu discurso, reproduzido em parte nos grandes jornais, foi um banho de inteligência e bom humor, que deliciou os privilegiados ouvintes.

O ponto alto do pronunciamento foi a reflexão, serena e erudita, a respeito da velhice e da inevitabilidade do fim. E emocionou a todos, segundo a imprensa, quando assegurou, com tranqüilidade, estar "preparado para penetrar mansamente a solidão da noite".

Tomara que esse dia ainda demore o bastante, quem sabe, para que nós amazonenses lhe prestemos, afinal, a homenagem de que se faz credor, como responsável pelo maior presente que o Governo Federal nos deu até hoje: a Zona Franca de Manaus. É verdade que a origem remota está na Lei Pereira da Silva e que a idéia da reformulação partiu de um grupo de empresários locais, à frente Isaac Sabbá, com o decidido apoio do engenheiro Arthur Amorim. Mas nada disso teria adiantado se a proposta não tivesse recebido a aprovação de Roberto Campos, então todo-poderoso Ministro do Planejamento, que fez redigir o Decreto-Lei nº 288 e convenceu o Presidente Castello Branco a assiná-lo. Sua participação foi, portanto, fundamental e decisiva.

Não obstante, até hoje, estranhamente, nunca recebeu uma condecoração oficial em nossa terra. Agora mesmo, por ocasião do trigésimo aniversário da Zona Franca de Manaus, em algumas das cerimônias e reportagens, seu nome sequer foi lembrado. Realmente, um estranhíssimo caso de ingratidão coletiva, que só posso atribuir à sobrevivência de velhos e ultrapassados preconceitos, inaceitáveis porque mesquinhos. Afinal, homenagear quem prestou tão grande benefício ao Amazonas é um imperativo moral que deveria transcender diferenças pessoais, ideológicas ou de qualquer natureza. Além do que Roberto Campos, pela idade provecta e pelo valor intelectual, já ascendeu à categoria daqueles que se colocam acima do bem e do mal.

Compete à Assembléia Legislativa e ao Governo do Estado a iniciativa de resgatar essa dívida de gratidão, de preferência ainda em vida do homenageado. Se não fizerem, certamente não desfalcarão muito a biografia de Roberto Campos, mas com certeza se apequenarão ante a posteridade por essa injustificável omissão.

Antes de concluir, Sr. Presidente, não me furto ao prazer de ler para o Plenário algumas pérolas do pronunciamento do Deputado Roberto Campos no banquete que lhe ofereceram no Copacabana Palace.

À certa altura, Sr. Presidente, referindo-se ao processo de envelhecimento e à sua perda de energia inevitável devido à idade avançada, ele o fez com muita elegância e bom humor como sempre. Sem mencionar uma vez a palavra sexo, ele se referiu ao processo evolutivo orgânico dos seres humanos da seguinte maneira:

      "Os franceses dizem que a idade pode ser sempre definida pelas letras MMS. Aos 20 anos, MMS é: matin, matinée e soirée (manhã, tarde e noite); aos 40: mardi, mercredi e samedi (terça-feira, quarta-feira e sábado); aos 60: mars, mai e septembre (março, maio e setembro), já aos 80 é: mes meilleurs souvenirs (minhas melhores lembranças)."

É assim que esse homem, aos oitenta anos, à beira do fim, se refere à velhice.

Para finalizar, Sr. Presidente, repito algumas pérolas também do seu decálogo:

      "1) - O Brasil precisa parar de admirar o que não deu certo;"

Roberto Campos aqui se refere a uma estranha fascinação que tem o brasileiro pelo que deu errado lá fora.

      "2) - O Governo nada pode dar ao povo que primeiro dele não tenha tirado;

      3) - Não se deve confundir Estado forte com Estado fraude. Para ser forte o Estado tem que ser modesto;

      4) - No Estado brasileiro, os assistentes se dão melhor que os assistidos;

      5) - O Estado é melhor como jardineiro que deixa as plantas crescerem que engenheiro que faz plantas erradas;

      6) - As riquezas artificiais da educação e tecnologia são muito mais importantes do que as riquezas naturais;

      7) - Os nacionalistas gastam tanto tempo odiando os outros países que não têm tempo para amar o seu próprio País;

8) O erro dos militares foi não terem feito a abertura econômica antes da abertura política; o erro dos civis foi depois da abertura política fazerem a fechadura econômica;

9) o maior insumo de progresso é a liberdade econômica num mercado competitivo;

10) Os que crêem que a culpa dos nosso males está nas estrelas e não em nós mesmos ficam perdidos quando as nuvens encobrem o céu.

O Sr. Waldeck Ornellas - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JEFFERSON PÉRES - Com prazer, ouço V. Exª

O Sr. Waldeck Ornellas - Associo-me às homenagens que V. Exª muito justamente toma a iniciativa de prestar a esse grande brasileiro, a esse grande economista. Não podemos nos esquecer de que esse economista foi o grande condutor do ciclo de reformas que reorganizou a nossa economia na década de 60. Agora estamos em outro estágio, precisamos atualizá-las, a fim de enfrentar nova etapa da evolução do processo civilizatório. Roberto Campos durante todo o tempo foi coerente, foi constante. Lembro-me bem da sua presença na Constituinte quando, muitas vezes, estoicamente, sozinho levantava determinadas bandeiras, e poucos o seguiam, uma minoria, sem dúvida. Por que perdemos as grandes teses na Constituinte, hoje estamos justamente alterando a Constituição para corrigir distorções que foram incorporadas poucos anos atrás. Lembra V. Exª o importante marco que foi o apoio de Roberto Campos à criação da Zona Franca de Manaus. Homem liberal, Roberto Campos sempre teve a visão de que era preciso realizar o desenvolvimento regional e observar o papel do Estado nessa questão. Lembro-me de que na Constituinte, por exemplo, S. Exª votou a favor da criação do Banco de Desenvolvimento Regional do Centro-Oeste, que nunca foi implantando e, provavelmente, nunca o será. Isso é uma amostra da sua posição e da sua convicção. Hoje aqui estamos para aplaudir essa grande figura - o Deputado Roberto Campos - que continua na sua luta. V. Exª o homenageia hoje, na véspera da privatização da Companhia Vale do Rio Doce, o grande batalhador pela tese da reforma e modernização do Estado em nosso País. Salientando a oportunidade e a iniciativa de V. Exª, associo-me ao seu pronunciamento.

O SR. JEFFERSON PÉRES - Agradeço a V. Exª.

O Deputado Roberto Campos é, sobretudo, um homem de coragem, como bem disse V. Exª, quando, nos meus tempos de juventude, esbravejava nos palanques contra Roberto Campos na Campanha "O Petróleo é nosso". Roberto Campos tinha o enorme destemor de defender as suas teses liberais, mas isso nunca o impediu, quando fazia parte do Governo, de criar órgãos estatais, quando julgava necessário, porque o Brasil não havia adquirido, ainda, suficiente maturidade econômica para desenvolver a economia sem a intervenção do Estado. Ainda, na semana passada, ao ser agredido verbalmente, como tantas vezes o foi, por um Deputado de esquerda na Câmara dos Deputados, S. Exª dizia que, quando nada, se lembrarão no futuro de que ele foi o criador do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social e um dos formuladores do Plano de Metas do Presidente Juscelino Kubitschek.

Além de ser um homem de coragem, é um homem que, num País de passionais, sabe ter racionalidade; num País de pessoas possessas, agressivas, que não sabem defender idéias sem insultar os outros, sabe ser extremamente elegante na defesa das suas idéias.

Por tudo isso, Sr. Presidente, apesar de ter sido um adversário - repito, de juventude - intransigente, intolerante e que tinha verdadeiro ódio de Roberto Campos, hoje, desta tribuna, faço minha autocrítica e presto-lhe minhas mais sinceras homenagens.

O Sr. Mauro Miranda - V. Exª concede-me um aparte, Senador Jefferson Péres?

O SR. JEFFERSON PÉRES - Ouço V. Exª, Senador Mauro Miranda.

O Sr. Mauro Miranda - Senador Jefferson Péres, é de uma oportunidade enorme a palavra de V. Exª em relação ao Deputado Roberto Campos. Também venho de outra vertente, muito mais à esquerda, como V. Exª, e nos encontramos. Na Constituinte de 1988, fui colega de Roberto Campos, o grande iluminador e precurssor disso. Defendia suas teses praticamente sozinho. Muitas matérias que ele defendia obtinham apenas o voto dele. Concordo perfeitamente com V. Exª. Gostaria de fazer uma proposição ainda maior: que V. Exª e eu fizéssemos um requerimento de homenagem nesta Casa ao Deputado Roberto Campos, como fizemos a Franco Montoro por suas lutas a favor do Movimento Latino-Americano, por exemplo. Entendo que se equilibram, apesar de terem características diferentes, pois todos lutam pela democracia e são homens sérios, que se dedicaram à vida pública. Ficaria muito grato de apor meu nome junto ao de V. Exª para fazermos uma sessão de homenagem desta Casa ao ex-Senador Roberto Campos, um dos homens mais brilhantes e sérios deste País.

O SR. JEFFERSON PÉRES - Muito obrigado, Senador Mauro Miranda.

V. Exª tem razão: Roberto Campos foi Senador por oito anos e foi Presidente da Comissão de Assuntos Econômicos, brilhou no Senado Federal, como brilha em todos os lugares onde atua. Creio que é tempo de esta Casa prestar-lhe uma homenagem por ocasião de seu octogésimo aniversário.

Assim concluo meu pronunciamento, Sr. Presidente. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/04/1997 - Página 8731