Discurso no Senado Federal

ATRASO NA VOTAÇÃO DAS REFORMAS CONSTITUCIONAIS, DECORRENTE DOS PROPRIOS ERROS DE ESTRATEGIA POLITICA DO GOVERNO E DO PROCESSO DE PRIORIDADE AS AVESSAS. CRITICAS DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO AO SENADO FEDERAL.

Autor
Mauro Miranda (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Mauro Miranda Soares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA CONSTITUCIONAL.:
  • ATRASO NA VOTAÇÃO DAS REFORMAS CONSTITUCIONAIS, DECORRENTE DOS PROPRIOS ERROS DE ESTRATEGIA POLITICA DO GOVERNO E DO PROCESSO DE PRIORIDADE AS AVESSAS. CRITICAS DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO AO SENADO FEDERAL.
Publicação
Publicação no DSF de 29/04/1997 - Página 8745
Assunto
Outros > REFORMA CONSTITUCIONAL.
Indexação
  • CRITICA, DEMORA, TRAMITAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, REFORMA CONSTITUCIONAL, RESPONSABILIDADE, PRESIDENTE DA REPUBLICA, SITUAÇÃO, POLITICA PARTIDARIA.
  • PRIORIDADE, REFORMA POLITICA, REFORMULAÇÃO, POLITICA PARTIDARIA, VIABILIDADE, GOVERNO.
  • COMENTARIO, DISCUSSÃO, SENADO, REELEIÇÃO, ESPECIFICAÇÃO, DESINCOMPATIBILIZAÇÃO, CARGO PUBLICO, EXECUTIVO.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, PARTIDO POLITICO, APOIO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATRASO, VOTAÇÃO, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, IMPUTAÇÃO, CULPA, SENADO.

O SR. MAURO MIRANDA (PMDB-GO. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Presidente da República está coberto de razão quando reclama contra o atraso na votação das reformas. Ao tornar público um desabafo que denuncia sinais de desânimo, Sua Excelência tem a seu lado a grande maioria da opinião pública do País. O povo quer a eliminação das muralhas que obstruem o nosso encontro com o futuro, e o Congresso ainda patina na compreensão de suas responsabilidades com as aspirações populares. A tramitação lenta e acidentada da Reforma Administrativa é uma dessas barreiras que dificultam a transição entre os vícios do passado e as exigências do futuro.

O que o Presidente não vê, ou não quer ver, é que ele é vítima dos próprios erros de sua estratégia política. Com índices de prestígio jamais igualados na história do País, graças ao sucesso do Plano Real, ele encantou-se com os louros da vitória e esqueceu-se daquelas velhas lições sobre o caráter efêmero dos dias gloriosos. O que quero dizer é que ele deixou de liderar, na hora certa, com todos os trunfos colocados pelo destino em suas mãos, uma reforma partidária que lhe desse sustentação para governar sem atropelos e sem concessões permanentes ao varejo.

Os fatos que a Nação está acompanhando hoje são conseqüência direta da inversão de sinais entre o prioritário e o secundário. Cada votação é uma batalha de concessões, de denúncias e de idas e vindas que coloca como preocupação marginal o interesse do País. A base partidária está esfacelada, cada partido tem seus subpartidos, e a coordenação política do Governo perde-se cada vez mais num mapa em que proliferam pontes quebradas por todo lado. Tudo porque perdemos o timming para uma reforma política que começasse pela reorganização de uma estrutura partidária forte, definida segundo vínculos autênticos entre grupos políticos e programas e consistentemente amarrada a fidelidades.

Dentro desse processo de prioridade às avessas, a reeleição, que deveria vir depois, veio antes, pela vontade inarredável do Presidente. Não discuto a legitimidade de suas aspirações, que são mais do que normais no processo democrático. Ele tem todo o direito de pleitear uma legislação que não o exclua e que lhe permita suceder-se a si mesmo. E assumindo de frente essa pretensão, não pode ser acusado de hipócrita. Quanto a isso, estou com ele, como estou com os atuais governadores e com os atuais prefeitos. Devemos dar ao povo o direito de assegurar a continuidade dos bons governos, ou de tirar do poder os que se afastaram dos compromissos. Para mim, não há nada mais democrático do que deixar o próprio povo decidir o seu futuro.

A questão, porém, não é essa. O Senado está discutindo a reeleição e vai chegar a um modelo compatível com as nossas realidades. Estaremos preocupados com a questão da desincompatibilização, principalmente na esfera dos pequenos municípios, onde pode ser maior o risco de estimular o aparecimento de oligarquias locais.

Nas sessões deliberativas desta semana, todos os ângulos da questão serão discutidos exaustivamente, para chegarmos a um denominador que, no seu conjunto, atenda às diferenças naturais de cada nível de governo.

A questão mais ampla, que é complexa e de natureza política, é a questão da convivência democrática e da sinceridade nas relações entre os três Poderes. No começo destas minhas palavras, disse que o Presidente tem razão quando se queixa da demora na aprovação das reformas. O que não entendo é a escolha dos palcos para essa discussão. Outra coisa que não entendo é a generalização da crítica. Ele falou no Canadá o que não fala aqui, porque não estimula o diálogo direto e aberto com os partidos que o apóiam. E levanta suspeitas sobre todo o Congresso, quando a Reforma Administrativa vive sua via sacra na Câmara dos Deputados.

Srªs e Srs. Senadores, as palavras do Presidente têm sido extremamente injustas em relação ao Senado. Aqui, nada ficou ou está parado, e todas as propostas do Executivo têm sido aprovadas, sem prejuízo para as adaptações necessárias de mérito. Se a Reforma Administrativa está parada na Câmara, ele deve localizar claramente o alvo de suas insatisfações. Chego até a temer que haja um certo jogo de encenação por trás desses desencontros, que teriam origens deliberadas. Não sou eu quem está inventando essa especulação, que já foi levantada por colunistas políticos respeitáveis. Digno de todos os nossos créditos, o Presidente deve cuidar-se para não ser traído pelo efeito das nuvens de poeira, porque elas, quando baixam, desnudam as verdades no confronto com as aparências.

Veja-se objetivamente, por exemplo, o que está acontecendo com a reforma da Previdência, tida e havida como prioritária e essencial. Não se pode colocar em dúvida o valor pessoal e a vocação de compromisso do nobre Relator Beni Veras, que vai garantir a agilização da reforma. Mas o PSDB, o partido do Presidente, deixou passar quatro longos meses para indicar o seu nome como relator, enquanto corria a versão de que a ordem era segurar a reforma, para dar espaço político à aprovação da reeleição. Daqui a pouco mais, pelo andar da carruagem, o Senado será acusado de procrastinar a reforma. Diante da opinião pública, estaremos todos, indistintamente, em débito. Entre o sofisma e a verdade, o desgaste será nosso, como vilões anti-reformistas. É hora de um reencontro saudável entre as versões para o público geral e as recomendações para o público interno. Um bom juiz dos fatos não pode ditar sentenças diferentes, sob pena de mergulhar em perigosas crises de identidade, que acabam por contaminar a crença de toda a Nação.

Para garantir a venda da Vale do Rio Doce, o Governo montou uma estrutura jurídica monstruosa, e para assegurar a reeleição atropela politicamente todas as suas prioridades, assim identificadas pelas versões oficiais. Por que não dar o mesmo tratamento às reformas, sabendo-se que o Governo, quando quer, faz?

Era o que tinha a dizer, Srª Presidente. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/04/1997 - Página 8745