Discurso no Senado Federal

MENTIRAS DO NEOLIBERALISMO. SINTOMAS DA CRISE ECONOMICA, TRANSFORMADOS EM POLITICA DE GOVERNO.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA NACIONAL.:
  • MENTIRAS DO NEOLIBERALISMO. SINTOMAS DA CRISE ECONOMICA, TRANSFORMADOS EM POLITICA DE GOVERNO.
Publicação
Publicação no DSF de 29/04/1997 - Página 8752
Assunto
Outros > ECONOMIA NACIONAL.
Indexação
  • ANALISE, HISTORIA, LIBERALISMO, MUNDO, AMBITO, UTILIZAÇÃO, IDEOLOGIA, OBJETIVO, HEGEMONIA, PODER, TERCEIRO MUNDO.
  • ANALISE, LIBERALISMO, ECONOMIA, BRASIL, EFEITO, CRISE, DESEMPREGO, FALENCIA, PERDA, VIABILIDADE, GOVERNO.
  • QUESTIONAMENTO, LIMITAÇÃO, TENSÃO SOCIAL, BRASIL.

O SR. LAURO CAMPOS - (Bloco-PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Srs. Senadores, é muito comum ouvir-se - e de tanto se ouvir vai ficando desmoralizada - sobre a previsão de que nos encontramos num momento grave, num momento crucial de nossa história.

As transformações que ocorrem no panorama mundial, as mudanças das formas de dominação internacional, chamadas de globalização, indicam que fenômenos muito sérios estão ocorrendo no capitalismo mundial, nos ACC - Advanced Capitalist Countries, os países capitalistas cêntricos com reflexos profundos na periferia do capitalismo mundial.

Estou convencido de que as palavras não resolvem os problemas, tampouco as palavras falsas, tampouco as ideologias, tampouco as mentiras. Porque as ideologias são mentiras muito bem feitas, muito bem articuladas. A América Latina - eu disse isso minha vida inteira - não foi capaz, até hoje, de formular uma ideologia; apenas mentiras: mentiras violentas, mentiras facilmente demonstráveis e mentiras de perna curta.

Ao contrário, o capitalismo cêntrico, principalmente o inglês, possuía na sua cultura o cinismo e a preparação necessários para criar a ideologia, a mentira liberal e a mentira neo-liberal.

O liberalismo inglês, se tivermos que dar uma data para ele, será a de 1776, ano em que foi publicada "A Riqueza das Nações", de Adam Smith. O autor pensava, ao menos em nível de aparência, que o governo deveria restringir-se àquilo que Jeremy Bentham chamou, antes dele, de agenda: segurança, educação, saúde e administração. O governo não deveria fazer mais nada. Foi uma idéia de 1776.

Em 1873, os neoliberais se articularam, articularam suas mentiras, suas novas formulações. Alfred Marshall levou 25 anos para produzir um livro que dava uma falsa imagem do mundo e fazia crer que, através da ação individual iluminada - do iluminismo - livre do governo, das injunções monetárias, se iria conduzir a sociedade a um ponto de equilíbrio, de estabilização, que seria o melhor possível. Enquanto isso, a Inglaterra fazia guerras, armava exércitos na África, de Cecil Rholdes, destruía o artesanato indiano, fazia a Guerra do Ópio na China, tudo liberalmente.

O neoliberalismo, portanto, é uma mentira surgida em 1873 em três universidades: Menger, em Viena; na Áustria, Val Har, e Pareto, em Lausanne, e, na Inglaterra, Stanley Jevons e, de acordo com Keynes, o próprio Alfred Marshall.

Ao mesmo tempo, usando instrumentais e linguagens diferentes, a crise de 1870 produziu o neoliberalismo. Agora dizem que é algo novo. Nascido em 1776, reformado e reformulado em 1873, e agora dizem que é novo, talvez recauchutado por Friedman e por Hicks. O que tem novo essa mentira neoliberal? O que ela possui de novo, no meu ponto de vista, é que diante dessa crise que aí está, diante de um bilhão de desempregados no mundo, diante dos trilhões em dólares voláteis que não são investidos, que não têm condições de ser investidos porque não há setores capazes de absorver esse dinheiro rentavelmente, lucrativamente há excesso de capital, há sobreacumulação em escala mundial. Então, o dinheiro não podendo ser investido voa, torna-se dinheiro volátil, especulativo meramente.

Dos US$480 bilhões que os Estados Unidos tiveram no ano passado como poupança para investimento, apenas U$90 bilhões foram investidos; os outros US$390 bilhões foram aplicados em especulação e engrossaram esse canal de idle money, dinheiro ocioso, dinheiro volátil - nipodólares, eurodólares, petrodólares -, essa dinheirama que foi crescendo e se avolumando e que, hoje, abastece o Brasil de dívidas.

Eles não trazem capital real, máquinas ou equipamentos, como demonstram sobejamente as montadoras que para cá vieram. Elas não trouxeram um tostão para este País. No Rio Grande do Sul, no Paraná, no Rio de Janeiro e em Minas Gerais, todas essas montadoras estão ganhando terreno, subsídios, recursos e empréstimos do BNDES e de outros órgãos doadores de capital para o capital estrangeiro.

O neoliberalismo contém de novidade apenas o desemprego, que é um sintoma de crise, que sempre foi um dos sintomas clássicos das crises capitalistas. Na última crise iniciada em 1929, o desemprego atingiu a cifra de 27% nos Estados Unidos e de 44% na Alemanha. O desemprego, portanto, sempre foi um sintoma da crise econômica. Outro sintoma de crise é a queda de preços, a deflação. Se as pessoas se tornam desempregadas, não têm dinheiro para comprar, e se a taxa de juros se eleva, e o crédito passa a ser inacessível, a demanda e o consumo caem, como esse Governo sempre pregou. E pregou, inclusive, com medo de quê? De que, no primeiro ano de Plano Real, o Dia dos Pais ou o Natal viessem a derrotar esse plano e apodrecer suas âncoras. Então, queda de preço e deflação sempre significaram crise econômica e contribuíram para aprofundar as crises. Outro sintoma de crise foi a partir da de 1873, a falência de bancos, o crash bancário. Essa falência derrubou cinco mil bancos entre 1932 e 1935 nos Estados Unidos.

O Governo brasileiro desemprega e mantém elevada a taxa de juros tal como a crise faz; o Governo brasileiro abre o Brasil, escancara o Brasil. O Presidente Fernando Henrique Cardoso, há pouco tempo, disse que houve um exagero nessa abertura, que levou a falência e concordata milhares e milhares de empresas brasileiras. Essas falências, Sua Excelência afirmou que resultaram de um exagero praticado pelo seu antecessor, o Fernando I, o Fernando Collor. Sua Excelência não, Sua Excelência nunca erra, e levou a essa catástrofe, a essa falência horrorosa que presenciamos no Brasil.

Bem, a redução de investimentos é outro sintoma de crise. O Governo brasileiro, então, apela para investimentos estrangeiros, que vêm para cá sem colocar no Brasil um tostão sequer, como acontece no setor das montadoras. O Ministério da Indústria e Comércio divulga um documento no qual pretende salvar quinze setores da economia brasileira, porque o resto não tem salvação; portanto, outro sintoma de crise.

A redução de salários e vencimentos e uma queda de receita dos Governos Federal e Estaduais, em virtude da redução da renda nacional tributável, também é outro sintoma.

Esses sintomas de crise, os neoliberais transformaram em políticas do Governo. É como se este estivesse produzindo todos esses sintomas de crise: as falências, a deflação, a queda de preços, a quebradeira de bancos e o Proer, etc, etc.

Por que o neoliberalismo afirma que o Governo deve fazer o desemprego, desemprego que atingiu no Peru, oficialmente, à taxa de 50%? Desemprego que no neoliberalismo de Pinochet, no Chile, chegou a 30%? Desemprego que, na Argentina, atinge a 24% abalando os alicerces da ditadura do Sr. Menem?

Por que os neoliberais vêm com essa "novidade"? Isso é novidade, sim, dizer que todos os sintomas de crise são queridos, desejados e impostos como uma política do Governo Federal. O Governo não pode declarar que está desempregando, mas a crise é que desemprega; que a falência dos bancos resultou, obviamente, de um processo de crise de redução do volume de vendas e de negócios de uma alta taxa de juros e de uma redução da rentabilidade. Os bancos obtinham renda mediante a especulação com os títulos da dívida pública no overnigth; essa rentabilidade dos bancos que estava sobredimensionada pelo auge foi reduzida.

Portanto, os sintomas da crise, agora, passaram a ser atos, planos, desejos, realizações do Governo. O Governo não pode confessar que ele, como a maior agência, não pode agir. É uma agência que não age. Então, o Governo tem de fingir que faz alguma coisa. Dizer que não faz nada, que é incapaz de fazer, que é governado pela crise seria, obviamente, jogar a toalha no chão e desistir de administrar o inadministrável.

Portanto, a grande esperteza, a grande mentira é esta: a mentira neoliberal. O Governo continua a agir, continua com uma grande agência. O Governo finge estar fazendo a crise que o governa. O Governo está sendo governado pela crise. As falências bancárias não foram programadas pelo Governo. O desemprego não é desejado pelo Senhor Presidente da República. Não é possível que Sua Excelência deseje atingir um nível de 15% de desemprego em São Paulo - taxa em elevação. Não é possível: "Desemprego chega a 15% na grande São Paulo." Não é possível o Presidente Fernando Henrique afirmar que o real já eliminou 755 mil empregos, Folha de S.Paulo, segundo caderno, página 7 do dia 28 de fevereiro. Não é possível o Governo dizer que está querendo demitir, como o Presidente FHC acabou de repetir, 50 mil funcionários públicos, remendando os 105 mil, prometidos pelo Sr. Bresser Pereira, acrescendo-se aos 160 mil que Fernando Collor de Mello havia colocado na rua, em sua marcha fantástica e mentirosa contra os marajás.

Não acredito que haja uma perversidade tão grande nessas cabeças tecnocráticas, a ponto de desejar e fazer cumprir essas metas devastadoras. Dessa forma, eles fingem que desejam fazer isso. Mas é a crise que provoca o desemprego, é a crise que faz os bancos falirem, é a crise que eleva a taxa de juro, é a crise que faz cair os preços.

Na crise de 1929, os preços nos Estados Unidos caíram 30% até 1937. Em todas as crises, a partir da ocorrida em 1810, houve deflação. Isso não seria vitória alguma, mas um sintoma muito perigoso dela. Quando os índices de preços se aproximam de zero, o que faz o Governo? Aumenta o preço da eletricidade, do petróleo e de seus produtos para que a inflação não fique abaixo de zero. Se a inflação se transformar numa deflação, em índice negativo de preço, os salários reais se elevarão e a crise do capitalismo será aprofundada, porque o lucro irá por água abaixo, no momento em que a deflação valorizar os salários reais. O Governo impede que essa situação se afigure elevando os preços controlados de seus serviços.

Assim, o conteúdo novo da velha mentira neoliberal, esta agora "neo-neoliberal", articulada pelos "neonadas", consiste justamente em permitir ao Governo fingir que não é dominado, que não é controlado ou dirigido pela crise, mas que faz alguma coisa. O que ele faz? A crise, o desemprego, as falências, a quebradeira de bancos, a queda de preços. Triste Governo! Triste fim de linha da dinâmica inflacionária keynesiana.

Realmente, não é o momento azado para que Sua Excelência pretenda se reeleger. Fernando Henrique Cardoso disse, no Canadá, que tem sido um sacrifício muito grande ser Presidente da República; mas ele gosta de sofrer, ao que tudo indica. Sua Excelência corre um sério risco de tanto sofrer, sofrer por mais seis anos e, talvez, por mais dez anos com a "re-reeleição" e se transformar num masoquista incorrigível.

Portanto, o que há realmente de sério neste momento é que não há sinal algum de que esse processo será detido. Na crise de 1929, o desemprego atingiu 44%. Na Alemanha, Hitler já havia subido ao poder, eleito democraticamente em 1993. E Hitler, então, com as suas obras públicas, com o déficit orçamentário coberto por emissões, com os conselhos do Sr. Schacht, o seu mago das finanças, conseguiu, em 1938, acabar com o desemprego por meio da economia de guerra.

E agora, o Governo, que, na década de 30, passou a reempregar os trabalhadores que a tecnologia nova desempregava, que a crise desempregava, que as falências desempregavam, também está desempregando. Portanto, se prosseguir a economia de mercado, livre para desempregar, livre para contratar trabalhadores sem carteira assinada, livre para achatar salários, livre de qualquer custo social com a mão-de-obra, não atingiremos apenas os 50% de desemprego, como no Peru, ou 80% de desemprego - percentual não oficial do Peru, incluindo os trabalhadores que se encontram na informalidade; 50% é a taxa oficial de desemprego no Peru.

Na Argentina, houve quatro greves, uma atrás da outra.

Portanto, nós nos encontramos diante da barbárie. Antes era uma sociedade em que as medidas atuavam no sentido de minorar os sofrimentos causados pelo desemprego, pela falta de novas oportunidades de emprego, atuavam no sentido de minorar o sacrifício imposto à terceira idade e às crianças. Agora o Governo precisa desses recursos e vende as estatais para obter mais alguns recursos que não pode obter pelas formas normais. Doa as estatais para pagar a dívida pública, para entregar esse dinheiro aos banqueiros, que não se saciaram com os U$20 bilhões que o Proer lhes deu. Dessa forma, mais uma vez se mostra a perversidade específica da conjuntura nacional, da conjuntura da América Latina de um modo geral.

Qual é o ponto de explosão? - essa deveria ser a pergunta. Qual o ponto de explosão? Será que uma sociedade agüenta 44% de desemprego? Hitler responde que sim. Ele subiu ao poder e tornou a Alemanha nazista quando o desemprego se encontrava em 44%. Fujimori garante todo o autoritarismo e despotismo de suas medidas, o desumanismo impregnado em seu modo de agir. Fujimori, o "chino" - o chinês -, como é chamado, pode muito bem aprofundar o autoritarismo e o despotismo de seu sistema político, diante desse desemprego que ali se encontra. É uma espécie de Hitler latino-americano, que se aproveita do desemprego para afirmar ainda mais o despotismo de suas ações. No Equador - feliz Equador -, o povo foi para as ruas e pôs para fora, antes de começar o desastre, aquele que ia aplicar o plano de Domingo Cavallo, o plano de Menem, o plano do FMI, o plano neoliberal, ao Equador; e puseram Bucaram, el loco, para correr. Qual a taxa em que o desemprego e o desespero se tornam explosivos? O professor e estadista Fernando Henrique Cardoso não sabe. Ninguém sabe que taxa é essa. Quando é que a sociedade vai explodir? Com 80% ou com 90% de desemprego? Nada detém o desemprego. Agora, todas as forças estão desempregando os trabalhadores. O Governo desemprega, a tecnologia desemprega, o down sizing, que é a reengenharia, e a crise desempregam. Portanto, há um ponto de explosão. Esse ponto é a grande incógnita. Um bilhão de trabalhadores desempregados em escala mundial. Três bilhões e setecentos milhões de pessoas ganham dois ou menos dólares por dia. Qual o ponto de explosão? Essa deveria ser a pergunta presente em todas as consciências.

O SR.  (Intervenção fora do microfone. Inaudível.)

O SR. LAURO CAMPOS - Não, tenha paciência; estou falando na minha hora. Faça o favor de esperar.

O que eu gostaria, realmente, de saber é qual o ponto de explosão da nossa sociedade. Parece-me que isso é mais importante que qualquer questiúncula local. A essa pergunta o sociólogo Fernando Henrique Cardoso não pode responder, porque ela não tem resposta, a não ser na prática; só ex post, só depois de acontecido.

Obviamente, dificuldades crescentes à sua ambição estão sendo colocadas por Sua Excelência mesmo e por seu próprio Governo. E não tenho dúvida nenhuma de que, assim como Brasília foi a meta síntese entre as 11 do Plano de Metas de Juscelino Kubitschek, a meta síntese do Governo FHC é ele mesmo, é a sua própria reeleição, é a continuidade de seu "sacrifício", como diz Sua Excelência, a fim de não esquecer a dose de cinismo necessária para dar o tom local e, mais uma vez, estimular a consciência - como diz - dos "neobobos", dos caipiras: nós, caipiras; nós, "neobobos"; nós, da Esquerda burra; nós que passamos a ser analisados pela sua sociologia superior nesses termos chãos, nessa linguagem, nessa caçange bárbara e nesses termos que realmente não deveriam estar presentes nem na fala de um Presidente nem na cabeça de um sociólogo.

Entendo, portanto, que tudo isso será em vão porque a reeleição, se vier, encontrará pela frente 30% de desempregados entre eles os falidos, os marginalizados de toda a espécie e não há dinheiro, não há recursos da venda de empresa estatal, não há fundo capaz de fazer as obras que farão a inversão dessa pendência inexorável da consciência dos eleitores: a rejeição a essa forma desgovernada de governo.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/04/1997 - Página 8752