Pronunciamento de Ney Suassuna em 24/04/1997
Discurso no Senado Federal
REPUDIO A VENDA INDISCRIMINADA DE ANABOLIZANTES. DEFENDENDO A APROVAÇÃO DO PROJETO DE LEI DO SENADO 64, DE 1996, DE SUA AUTORIA, QUE RESTRINGE A VENDA DE ESTEROIDES OU PEPTIDEOS ANABOLIZANTES E DA OUTRAS PROVIDENCIAS.
- Autor
- Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
- Nome completo: Ney Robinson Suassuna
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
DROGA.:
- REPUDIO A VENDA INDISCRIMINADA DE ANABOLIZANTES. DEFENDENDO A APROVAÇÃO DO PROJETO DE LEI DO SENADO 64, DE 1996, DE SUA AUTORIA, QUE RESTRINGE A VENDA DE ESTEROIDES OU PEPTIDEOS ANABOLIZANTES E DA OUTRAS PROVIDENCIAS.
- Publicação
- Publicação no DSF de 25/04/1997 - Página 8507
- Assunto
- Outros > DROGA.
- Indexação
-
- COMENTARIO, NOTICIARIO, TELEJORNAL, EMISSORA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), DENUNCIA, ABUSO, VENDA, UTILIZAÇÃO, HORMONIO ARTIFICIAL, FARMACIA, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, PRATICA ESPORTIVA.
- DENUNCIA, GRAVIDADE, UTILIZAÇÃO, HORMONIO ARTIFICIAL, PROVOCAÇÃO, RISCOS, SAUDE, USUARIO, PERIGO, FALSIFICAÇÃO, DROGA.
- DEFESA, RESPONSABILIDADE, SECRETARIA NACIONAL DE VIGILANCIA SANITARIA (SNVS), GARANTIA, SEGURANÇA, INTEGRIDADE, SAUDE, CONSUMIDOR.
- SOLICITAÇÃO, ADEMIR ANDRADE, PRESIDENTE, COMISSÃO DE ASSUNTOS SOCIAIS (CAS), URGENCIA, INCLUSÃO, PAUTA, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, SALVAGUARDA, POPULAÇÃO, ABUSO, VENDA, HORMONIO ARTIFICIAL.
O SR. NEY SUASSUNA (PMDB-PB. Pronuncia o seguinte discurso.) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na semana passada, a Rede Globo de Televisão levou ao ar, em edição do Jornal Nacional, matéria denunciando a venda e o uso indiscriminados de anabolizantes nas farmácias e até em academias de musculação e fisiculturismo.
Abordei ligeiramente o assunto desta tribuna na quarta-feira passada, prometendo explorá-lo com mais profundidade em outra ocasião, o que faço agora, pela gravidade e relevância do tema.
É espantoso comprovar com imagens gravadas a preponderância do interesse econômico, praticada por pessoas inescrupulosas, em detrimento da saúde e do bem-estar da população, principalmente dos jovens de 16 a 25 anos, que são os usuários preferenciais desse tipo de droga.
É obrigação do Estado zelar pelo bem-estar e pela salvaguarda física, mental e moral de seus cidadãos. Especialmente pelo fato de que apenas uma ínfima parcela da sociedade tem acesso aos conhecimentos técnicos envolvidos especificamente com os efeitos indesejáveis de medicamentos e drogas.
O chamado livre arbítrio na adoção de práticas que afetem o âmbito próprio implica, necessariamente, no domínio dos conhecimentos envolvidos com a atitude considerada.
Em verdade, o termo grego pharmakon, raiz etimológica da palavra fármaco, representa, a um tempo, os conceitos de remédio, magia e veneno.
Traduz, portanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, as ambigüidades dos remédios colocados à disposição da população. Todos são, de um lado, poções salvadoras e, de outro, potentes venenos, dependendo da forma e das doses utilizadas.
Mesmo os profissionais de saúde não podem garantir a inexistência de danos à saúde como decorrência do uso de medicamentos. Apenas, dados os conhecimentos que possuem e as experiências anteriores que viveram, existe uma redução nas chances de tal ocorrência.
Destarte, não nos parece prudente, desejável e econômico para os interesses da própria sociedade a concessão de amplo poder decisório aos cidadãos sobre a utilização ou não de tal ou qual medicamento ou droga. Devem, isto sim, ter amplo acesso ao sistema de saúde, principalmente quando detemos hoje o conhecimento aprofundado dos danos que o abuso de certos medicamentos pode trazer a certos indivíduos especificamente, e ao sistema social como um todo.
Na última década, presenciamos a elevação exponencial da influência do contexto industrial da saúde e da beleza física sobre os cânones do comportamento social.
Vivemos a era do culto do Ego e do próprio corpo, num isolamento sociológico indesejável. Os indivíduos passaram a viver em microbolhas sociais.
Nesse contexto, o fisiculturismo, em verdade, assumiu o caráter de moda estética sine qua non. Passou a estabelecer a moldura do comportamento da juventude, com graves riscos à saúde.
Tal sistema industrial parece aproveitar-se de um processo fisiológico de indução de hábito obsessivo, por meio da liberação das endorfinas cerebrais.
Como corolário da explosão tecnológica, em que multiplicam-se os equipamentos de fisiculturismo, surgiram as drogas mágicas que conseguem acelerar o processo de embelezamento físico: os anabolizantes.
Por outro lado, esses medicamentos têm sido utilizados também com fins ilícitos, no aumento da eficiência atlética, como o caso do corredor Ben Johnson, nas Olimpíadas de Seul, de 1992.
A busca de resultados a todo custo tem sido a marca registrada da utilização de tais produtos, haja vista a vasta utilização desses esteróides anabolizantes, todos virilizantes, por mulheres halterofilistas.
A recordista mundial dos 100 metros rasos, Florence Griffith-Joyner, com a sua musculatura exuberante, até hoje levanta suspeitas acerca da validade de suas marcas, especialmente após a modificação do seu perfil andróide, depois do seu afastamento das pistas.
Assim, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os esteróides anabolizantes fazem parte de uma vasta classe terapêutica de hormônios, todos dotados, como já foi dito, de efeitos androgênicos, em maior ou menor monta.
O aumento da massa e da eficiência muscular é o denominador comum de seus efeitos. Têm sido utilizados, para este fim, a testosterona, a metiltestosterona, a oxandrolona, entre outros.
As indicações terapêuticas exclusivamente médicas para o uso desses agentes são mais ou menos restritas, como, por exemplo, na impotência, na osteoporose, nas anemias refratárias, no tratamento paliativo da recorrência de câncer de mama em mulheres menopáusicas, nas queimaduras etc.
No entanto, o uso por homens ou mulheres normais pode acarretar sérios problemas de saúde, como, por exemplo, a virilização de mulheres, a soldadura prematura dos ossos reduzindo a estatura final de jovens na puberdade, a maior incidência de câncer de fígado, a hipertensão arterial, infertilidade irreversível, a impotência e os distúrbios de comportamento, explosões de agressividade, apenas para ilustrar os mais comuns.
Ultimamente, os esteróides têm sido substituídos por peptídeos como IGF-1, ou seja, o Fator de Crescimento Insulino-Símile, com 70 resíduos de aminoácidos e uma seqüência semelhante à da insulina.
Esse peptídeo é dotado de atividade anabolizante sem efeitos virilizantes. No entanto, é portador de um efeito extremamente perigoso e mesmo fatal, que é a hipoglicemia pós injeção, semelhante ao que ocorre com a própria insulina.
A par de todos esses complicadores, uma outra questão da maior seriedade deve ser encarada: falsificar uma droga é uma das coisas mais simples do mundo e a margem de lucro é astronômica.
Na grande maioria dos casos, tudo o que se necessita é de um bom artista gráfico para copiar o rótulo verdadeiro e imprimir a bula numa impressora. Qualquer pessoa pode acondicionar a droga num frasco, até mesmo em sua própria casa, utilizando apenas uma seladora de tampas e ampolas.
Os falsificadores copiam o rótulo legítimo de toda e qualquer firma farmacêutica que eles desejarem. Segundo dados da Confederação Brasileira de Culturismo, enviados pelo seu Presidente, Sr. Alexandre Pagnani, ao meu gabinete, num esforço elogiável de combate à máfia que atua no mercado negro dos anabolizantes, com o sacrifício da integridade da nossa juventude, as drogas mais consumidas são, quase sempre, falsificadas.
Ainda segundo pesquisa divulgada pela Confederação, as substâncias ou produtos que os falsificadores colocam nessas drogas podem ser muito perigosos ou, na melhor das hipóteses, completamente inúteis.
Até hoje, inúmeros casos de falsificação foram descobertos, porém essas informações dificilmente chegam à opinião pública.
Em 1985, começaram os problemas referentes ao mercado negro, após o lançamento de um livro obscuro intitulado Underground Steroid Handbook. Nesse livro, o autor atribui notas e classificações aos esteróides, dando a eles categorias que variavam de uma a quatro estrelas, de acordo com a sua eficácia.
Apareceu, então, no mercado negro a bolasterona, que era uma droga contendo uma mistura de três anabolizantes esteróides androgênicos e que foi classificada naquele livro com quatro estrelas.
A bolasterona (Myagen) tornou-se, então, o assunto principal em cada academia ou ponto de treinamento dos Estados Unidos. Cada usuário de esteróides precisava ter um pouco dessa droga e, assim, explodiu o mercado negro.
Essa droga era um esteróide legítimo no sentido de que o atleta podia realmente conseguir alguns ganhos que pudessem ajudá-lo em termo de performance, porém, tais ganhos estavam longe de ser espetaculares.
Eventualmente, alguns atletas passaram a prestar atenção sobre o que estava ocorrendo com seu rendimento e um ano mais tarde foi descoberto o Dianabol falsificado, que na verdade se tratava apenas de carbonato de cálcio, giz escolar, dissolvido em água.
Depois disso, alguns atletas descobriram que o frasco de Anavar não passava também de giz escolar com uns poucos comprimidos da droga legítima presentes em cada frasco.
A partir de 1986, após todas essas drogas terem aparecido no mercado negro norte-americano, muitos atletas passaram a conseguir esteróides através de médicos que forneciam a eles receitas legítimas.
Isso durou até 1988, quando o Estado do Colorado (sede do Comitê Olímpico Norte-Americano) proibiu que médicos receitassem anabolizantes esteróides androgênicos para propósitos de esporte, o que motivou outros Estados americanos, como a Califórnia, Illinois e New York, a aprovarem leis semelhantes.
Assim, as drogas passaram a ser originadas e comercializadas predominantemente no mercado negro, prática que se estendeu a outros países e que, infelizmente, também chegou ao Brasil, juntamente com o culto exacerbado da beleza física.
Em 1988, num dos maiores escândalos de falsificação de anabolizantes, esteróides androgênicos na história do esporte competitivo, foi descoberta uma cópia muito bem confeccionada de um rótulo da firma Lemmon, dos EUA. Essa é uma firma farmacêutica legitimamente estabelecida, sendo uma das maiores desse ramo de atividades. Exatamente por isso, seus rótulos foram tão explorados por falsificadores. O resultado dessas falsificações é que foi introduzido no mercado negro quantidades assustadoramente grandes.
Os governos das nações desenvolvidas e com tradição no esporte competitivo tentam de muitas formas combater e diminuir a influência do mercado negro, que tem fugido para países periféricos onde a legislação sobre a matéria é frouxa e o nível de informação da população inadequado.
Mais recentemente, a partir de 1990, as preparações falsificadas no mercado assumiram uma aparência muito mais profissional como se tivessem sido fabricadas por alguma firma farmacêutica estrangeira legítima, o que aumenta a vulnerabilidade dos usuários potenciais.
Até mesmo os rótulos, as caixas e as bulas parecem ser autênticos, descobrindo-se a farsa somente quando se analisa o conteúdo da ampola.
Cresce, portanto, a responsabilidade do Poder Público no exercício da tutela que exerce quanto à segurança, à integridade e à saúde do consumidor. Nesse contexto, a atuação da Secretaria Nacional de Vigilância Sanitária é de fundamental e intransferível responsabilidade.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, espero ter conseguido colocar a gravidade da questão que, nesta tarde, tenho a honra de trazer desta tribuna, após um pedaço - pequenino, convenhamos - do véu que encobre o assunto ter sido levantado pelo Jornal Nacional, na semana passada.
Confesso que essas preocupações já fazem parte do meu cotidiano político há algum tempo. Prova disso é que apresentei, em abril de 1996, projeto de lei de minha autoria que restringe a venda de esteróides e ou peptídeos anabolizantes. Trata-se do PLS nº 64, de 1996, que se encontra atualmente tramitando na Comissão de Assuntos Sociais desta Casa, onde recebeu parecer favorável do Relator, o nobre Senador José Alves, e aguarda para ser colocado em pauta.
Ao encerrar, aproveito a oportunidade para solicitar ao Presidente da Comissão de Assuntos Sociais, Senador Ademir Andrade, a urgente colocação da matéria em pauta, de modo que possamos, com a disciplinação da matéria, salvaguardar a população de tais abusos, através da elevação do nível de controle sobre a dispensação e venda desses produtos, que, infelizmente, têm sido utilizados inapropriadamente pela juventude, colocando em risco, por via de conseqüência, o próprio futuro deste País.
Muito obrigado.