Discurso no Senado Federal

REFLEXÕES SOBRE O DESEMPREGO, OS BAIXOS SALARIOS E AS PROPOSTAS DE MUDANÇAS CONSTITUCIONAIS NA AREA TRABALHISTA, A PROPOSITO DO DIA INTERNACIONAL DO TRABALHO A SER COMEMORADO AMANHÃ. IMPLEMENTAÇÃO DE MEDIDAS NEOLIBERALIZANTES PELO GOVERNO. DESTINO CRUEL RESERVADO AS NOSSAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES, DECORRENTE DA PERVERSA INDIFERENÇA DO ESTADO. REPUDIO AOS METODOS VIOLENTOS E ANTIDEMOCRATICOS, A FIM DE IMPEDIR A MANIFESTAÇÃO DO POVO ONTEM, NAS IMEDIAÇÕES DA BOLSA DE VALORES DO RIO DE JANEIRO, CONTRA O LEILÃO DE PRIVATIZAÇÃO DA VALE DO RIO DOCE. CONDOLENCIAS A FAMILIA DO DEPUTADO EDUARDO MASCARENHAS.

Autor
Abdias Nascimento (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RJ)
Nome completo: Abdias do Nascimento
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA SOCIAL. PRIVATIZAÇÃO.:
  • REFLEXÕES SOBRE O DESEMPREGO, OS BAIXOS SALARIOS E AS PROPOSTAS DE MUDANÇAS CONSTITUCIONAIS NA AREA TRABALHISTA, A PROPOSITO DO DIA INTERNACIONAL DO TRABALHO A SER COMEMORADO AMANHÃ. IMPLEMENTAÇÃO DE MEDIDAS NEOLIBERALIZANTES PELO GOVERNO. DESTINO CRUEL RESERVADO AS NOSSAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES, DECORRENTE DA PERVERSA INDIFERENÇA DO ESTADO. REPUDIO AOS METODOS VIOLENTOS E ANTIDEMOCRATICOS, A FIM DE IMPEDIR A MANIFESTAÇÃO DO POVO ONTEM, NAS IMEDIAÇÕES DA BOLSA DE VALORES DO RIO DE JANEIRO, CONTRA O LEILÃO DE PRIVATIZAÇÃO DA VALE DO RIO DOCE. CONDOLENCIAS A FAMILIA DO DEPUTADO EDUARDO MASCARENHAS.
Publicação
Publicação no DSF de 01/05/1997 - Página 8856
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA SOCIAL. PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, TRABALHO, COMENTARIO, CRISE, DESEMPREGO, BRASIL, CRITICA, VALOR, SALARIO MINIMO.
  • CRITICA, OMISSÃO, GOVERNO, AMBITO, POLITICA SOCIAL, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, REPUDIO, ORADOR, REDUÇÃO, FUNÇÃO, ESTADO.
  • ANALISE, GRAVIDADE, AUMENTO, CRIME, AUTORIA, CRIANÇA, ADOLESCENTE, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), TRAFICO, DROGA, PROSTITUIÇÃO, CRITICA, OMISSÃO, GOVERNO.
  • CRITICA, REFORMA CONSTITUCIONAL, PREVIDENCIA SOCIAL, PREJUIZO, FUNCIONARIO PUBLICO, APOSENTADO.
  • CRITICA, EXTINÇÃO, CONTRIBUIÇÃO COMPULSORIA, SINDICATO, COMBATE, CENTRAL SINDICAL, PREJUIZO, ORGANIZAÇÃO, TRABALHADOR.
  • REPUDIO, ATUAÇÃO, GOVERNO, REPRESSÃO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, OPOSIÇÃO, PRIVATIZAÇÃO, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), SOLIDARIEDADE, DEPUTADO FEDERAL, VITIMA, AGRESSÃO, CONFLITO, POLICIA MILITAR.
  • HOMENAGEM POSTUMA, EDUARDO MASCARENHAS, DEPUTADO FEDERAL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).

O SR. ABDIAS NASCIMENTO (BLOCO-PDT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sob a proteção de Olorum inicio meu pronunciamento, que é feito não somente em meu nome, como também no do meu Partido, o Partido Trabalhista Brasileiro.

O dia 1º de Maio não deve ser visto tão-somente como um momento de celebração e de homenagens ao trabalhador. Essa afirmação ampara-se na constatação de que a tragédia do desemprego se alastrou praticamente por todos os continentes. No Brasil, em particular, temos vivido situações de violência contra os trabalhadores que pouco diferem do massacre ocorrido em Chicago, no ano de 1886. Resposta irracional às mais do que justas reivindicações dos operários, essa tragédia deu origem ao Dia Internacional do Trabalho, comemorado nessa data em todo o mundo, menos - curiosamente - nos Estados Unidos.

Todos sabemos da importância e significado do trabalho na vida dos cidadãos. Em nosso País, porém, temos vivido sérias distorções nesse terreno, decorrentes de uma forma de gestão da coisa pública em que o mais importante parece ser privilegiar, irresponsavelmente, as práticas de ajuste e arranjos financeiros, em detrimento de qualquer iniciativa mais arrojada de solução das questões sociais.

Fartos são os exemplos dessa postura e desse modo de governar, que vêm despertando no povo um sentimento de rejeição cada vez mais explícito. Foi o que ocorreu recentemente com a ampla adesão popular à causa do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, que trouxe a esta cidade em sua marcha, há duas semanas, dezenas de milhares de pessoas de todas as categorias profissionais. Também reflexo dessa rejeição é a descrença de que o Governo seja capaz de pôr fim à violência contra a população indígena, materializada aos olhos do mundo com o cruel assassinato do índio pataxó Galdino Jesus dos Santos, aqui mesmo na Capital Federal. Vêm de longa data as esquivas, protelações e evasivas de nossos governantes em relação a esses dois temas, que deveriam ser tratados com a maior seriedade, e não simplesmente ser escondidos debaixo dos luxuosos tapetes das preocupações neoliberais.

A filosofia imposta como princípio do atual Governo é a de desmantelar o Estado o mais rapidamente possível e a qualquer preço. Ou melhor, ao preço vergonhoso do entreguismo, escudado em mirabolantes sofismas, cuja origem se encontra na formação de uma casta parasitária que, ao longo da História do Brasil, sempre em conluio com o poder, desenvolveu os mais perversos mecanismos de exploração, de abandono, de exclusão do povo.

Exemplo disso foi o processo de negação da cidadania plena aos africanos e afro-brasileiros após a Abolição da Escravatura, no final da monarquia e nos primórdios da República. Em lugar de integrá-los a um mercado de trabalho que se sofisticava em função da Revolução Industrial - e como os brancos brasileiros não estivessem acostumados a trabalhar, devido às distorções provocadas por quase quatro séculos de servidão -, tratou-se de estimular o ingresso de imigrantes europeus, o que também atendia à preocupação, expressa em documentos oficiais da época, de branquear o Brasil.

A visão dos próprios trabalhadores sobre esse processo pode ser depreendida da leitura do jornal Echo Popular, de ideologia socialista, fundado em 1890 pelo tipógrafo negro França e Silva, que manteve embates contínuos contra o poderoso O Paiz, órgão defensor das posições do oligárquico Partido Republicano.

Desse modo, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a passagem deste 1º de Maio constitui, para mim e para a maioria do povo afro-brasileiro, uma oportunidade de exercitarmos nossa reflexão crítica. Uma reflexão que se torna mais urgente tendo em vista a necessidade de intervirmos de maneira pragmática em relação ao papel de um Estado que, há décadas sobre décadas, há séculos sobre séculos, vem empurrando gerações inteiras de afro-brasileiros para os labirintos mais tortuosos de nossa contabilidade social. Uma contabilidade em que sempre estivemos no vermelho, isto é, na menos-valia, como o comprovam os indicadores que revelam as diversas facetas da miséria brasileira.

E, no entanto, mesmo explorados e espoliados, rejeitados e humilhados de todas as formas, os africanos e seus descendentes ainda assim foram capazes de criar neste País uma nova cultura, uma nova cosmovisão, um novo modo de ser e estar no mundo, que acabaram incorporados, reconhecidamente ou não, pela maioria dos brasileiros de todas as origens. A prova da excepcional capacidade de sobrevivência desse povo espezinhado está no próprio fato de ser o Brasil, ainda hoje, o País de maior população negra fora do Continente Africano - fato cujas enormes conseqüências, dos pontos de vista demográfico, político, econômico e social, restam ser plenamente reconhecidas e valorizadas.

Assim, os problemas sociais e raciais deste País são de tal maneira imbricados que chegam a se confundir, dando margem a interpretações equivocadas que pretendem reduzir a questão racial a uma questão meramente de classe. De qualquer sorte, pelo menos a maioria desses problemas poderia ser evitada com a adoção de algumas medidas práticas e um pouco de honestidade política da parte daqueles que tanto falam em modernidade quando se trata de torrar bilhões de reais para salvar bancos particulares, ao mesmo tempo em que desmantelam o Estado à maneira de uma criança que, por curiosidade, desmonta um brinquedo.

Enquanto pretende ser moderno a qualquer custo, o Governo, com bela retórica e muita vaidade, preocupa-se em atender os interesses do capital financeiro no processo de globalização, quebrando uma infinidade de ovos para fazer uma pequena omelete que, todos sabemos, não será dividida. Na ânsia de marcar seu lugar na história, o Presidente se esquiva dos princípios que o consagraram, burla a própria consciência e implementa medidas neoliberalizantes que só fazem aumentar a massa de excluídos - como se já não bastassem nossos 12 milhões de desempregados. Planejadamente, poder-se-ia dizer, vai cumprindo o papel de verdugo social, obcecado em construir uma nova Nação, mas esquecido de que a essência de uma nação é o seu povo. E o povo do Brasil, cujo fundamento são os afro-brasileiros, vai sendo empurrado para a miséria e a marginalização, vestibular da marginalidade.

Nesse contexto sombrio, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o que mais me deixa indignado, o que mais me provoca sofrimento, é o destino cruel reservado às nossas crianças e adolescentes. A perversa indiferença do Estado para com nossa juventude não pode ser encarada sob a ótica da eventualidade. Com efeito, não existem políticas, medidas ou atitudes governamentais, nessa área, capazes de justificar ao menos um fio de esperança. No dia 20 de abril último, reportagem publicada pelo Jornal do Brasil, intitulada "Crime, Juventude e Incompetência", mostrava que, só no primeiro trimestre deste ano, 1.027 adolescentes passaram pelo Juizado da Infância e Adolescência do Rio de Janeiro, 49% dos quais por delitos ligados ao tráfico de drogas. Cerca de 70% desses jovens eram primários, sem antecedentes criminais, o que reflete a ausência de um Estado que, por não lhes oferecer alternativas, acaba por empurrá-los para a criminalidade.

A reincidência dos 30% restantes decorre da forma como esses jovens são "assistidos" nos verdadeiros depósitos de infratores mantidos e administrados pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro, conforme testemunham os casos do Instituto Padre Severino e da Escola João Luís Alves, quotidianamente expostos, da maneira mais vexatória e humilhante, na imprensa nacional e internacional.

Embora a referida peça jornalística não fizesse menção à cor desses jovens delinqüentes, um subtítulo da mesma reportagem, "Um Retrato dos Jovens Infratores do Rio", demonstrava a preferência étnica de seu editor: para ilustrar as dolorosas estatísticas a que infelizmente estamos acostumados, estampou-se em primeiro plano a imagem de uma criança negra, tendo sobre os olhos a tarja característica do impedimento legal, em geral tida como símbolo da criminalidade infanto-juvenil.

A triste verdade é que, na ausência de oportunidades adequadas, o tráfico de drogas e a prostituição transformam-se, cada vez mais, em opções de "trabalho" para crianças e adolescentes dos segmentos desprivilegiados de nossa população, enquanto a mão-de-obra infantil figura com destaque nas estatísticas sobre o trabalho escravo, outra das chagas que maculam a imagem do Brasil tanto internamente quanto no exterior.

Tudo isso me deixa perplexo e revoltado, sobretudo diante do aparente desinteresse de um governo que elegeu como pautas prioritárias a reeleição e a privatização, mantendo a questão social nas mãos de um polícia sabidamente despreparada e truculenta.

Sabe-se que, enquanto a economia informal se torna cada vez mais a principal válvula de escape, verdadeira escora social do Estado, um milhão de trabalhadores do sistema formal recebem apenas um salário mínimo, o mesmo montante com que são aquinhoados nove milhões de aposentados e pensionistas. Pode-se apenas imaginar quantos brasileiros sobrevivem com menos que esse valor irrisório... A única certeza é que as medidas econômicas ditadas pela globalização, a par da insensibilidade social do Governo, estão destruindo os parâmetros e conceitos sobre o trabalho. Ao mesmo tempo, impõe-se a informalidade - com o elevado grau de exploração e sonegação que essa prática implica -como caminho regular para o trabalhador ganhar sua subsistência.

Mas isso, infelizmente, não é tudo. Como se não bastassem as dificuldades vividas pelos trabalhadores em geral, o Governo, com sua famigerada reforma da Previdência, pretende, entre outras coisas, revogar o §4º do art. 40 de nossa Constituição, que garante aos funcionários públicos aposentados a paridade de proventos com os servidores em atividade, mais uma velha conquista dessa sofrida classe ameaçada pela insensibilidade dos reformadores "globalizantes". Tenho recebido centenas de manifestações de servidores, do Rio de Janeiro e de outros Estados, atemorizados ante a perspectiva de adoção dessa desastrada medida, que, além de penalizar injustamente os funcionários públicos, funcionará como desestímulo à carreira pública, do que só pode resultar a desagregação da máquina administrativa. No interesse de quem? - valeria perguntar.

Outra antiga conquista dos trabalhadores que está na mira dos arautos da modernização é a contribuição sindical compulsória, esteio de nosso sindicalismo, que decerto sofrerá um golpe mortal sem os meios econômicos necessários à manutenção de suas atividades. Com base numa argumentação falaciosa - que infelizmente tem confundido até mesmo Parlamentares comprometidos seriamente com as causas populares -, pretende-se adotar o modelo vigente em sociedades histórica, social e economicamente diferentes da nossa, eliminando-se uma invenção extraordinária: uma contribuição que, sem pesar no bolso do trabalhador, possibilita-lhe manter um sindicalismo hoje visto como exemplo para o mundo. Na mesma linha, ataca-se a unicidade sindical - igualmente utilizando-se exemplos de países do "Primeiro Mundo" -, com o objetivo de atomizar as organizações sindicais para, obviamente, enfraquecer-lhes o poder econômico, reduzir-lhes a base de sustentação e, em conseqüência, o poder de barganha. Mais uma vez, a quem isso interessa? Não aos trabalhadores, com toda a certeza.

Na verdade, estamos assistindo à transformação do Brasil - com indiscutível conivência do Governo - num imenso caixa-2, em que os frutos do trabalho do homem comum se esvaem pelos esgotos lucrativos que terminam nas mãos daqueles que dominam a economia brasileira. Não fosse assim, não haveria tanto nervosismo, tanta apreensão, quando se fala, nesta Casa, em instaurar uma CPI sobre o sistema financeiro.

Assim, Sr.Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a passagem deste 1º de maio, Dia do Trabalhador, deve servir como um alerta, como um clamor da classe trabalhadora deste País contra injustiças que se avolumam de maneira incontrolável, impondo ao nosso povo como um todo, e em especial os afro-brasileiros, as conseqüências de uma verdadeira falência social. Ou seria possível comemorar um 1º de maio com salário-mínimo de R$120?

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, para encerrar este registro do 1º de maio, cabe manifestar o meu repúdio aos métodos violentos e antidemocráticos utilizados pelo Governo, a fim de impedir a livre, legal e legítima manifestação do povo que ontem se reuniu, nas imediações da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, contra o leilão da Vale do Rio Doce. O episódio lamentável, cujas imagens foram ontem transmitidas por todas as redes de televisão e hoje publicadas nas primeiras páginas de O Globo, Jornal do Brasil e dos principais periódicos do País, é um testemunho veemente e ostensivo que nega a fama de governo democrático que Fernando Henrique Cardoso divulga no Brasil e no exterior. Agora ficou definitivamente exibida a nudez do príncipe, impondo, com bombas e com a força do batalhão de choque da Polícia Militar, sua política neoliberalizante de entrega do patrimônio do povo brasileiro aos consórcios financeiros internacionais.

Resta-nos esperar que as repercussões desse fato possam contribuir para elevar o nível de consciência de nosso povo, frustrando o projeto continuísta disfarçado na proposta de reeleição.

Finalizando, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, desejava solidarizar-me com os Deputados Lindberg Farias, do PCdoB e representante da UNE, Cidinha Campos, do PDT, e com a Deputada Jandira Feghali, do PCdoB, que ontem foram feridos nos entreveros ocorridos nas imediações da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro.

Desejo, também, apresentar as minhas condolências à família do Deputado Eduardo Mascarenhas, do PSDB, que faleceu ontem, no Rio de Janeiro.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/05/1997 - Página 8856