Pronunciamento de Ney Suassuna em 30/04/1997
Discurso no Senado Federal
PAPEL DO MERCOSUL. QUESTÕES QUE ENVOLVEM AS NEGOCIAÇÕES PARA A CRIAÇÃO DA AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS - ALCA.
- Autor
- Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
- Nome completo: Ney Robinson Suassuna
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL).
POLITICA EXTERNA.:
- PAPEL DO MERCOSUL. QUESTÕES QUE ENVOLVEM AS NEGOCIAÇÕES PARA A CRIAÇÃO DA AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS - ALCA.
- Aparteantes
- Francelino Pereira, Jefferson Peres.
- Publicação
- Publicação no DSF de 01/05/1997 - Página 8861
- Assunto
- Outros > MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL). POLITICA EXTERNA.
- Indexação
-
- ANALISE, IMPORTANCIA, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), COMENTARIO, POSIÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), NEGOCIAÇÃO, IMPLANTAÇÃO, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA).
- CRITICA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), REIVINDICAÇÃO, ABERTURA, ECONOMIA, BRASIL, CONTRADIÇÃO, SUPERIORIDADE, TAXAS, RESTRIÇÃO, IMPORTAÇÃO, PRODUTO NACIONAL.
- DIVERGENCIA, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), NEGOCIAÇÃO, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA), ESPECIFICAÇÃO, SUBSIDIOS, AGRICULTURA, PROTEÇÃO, INDUSTRIA NACIONAL, RESPEITO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), ACORDO DE LIVRE COMERCIO DA AMERICA DO NORTE (NAFTA), GRUPO, AMERICA LATINA.
- NECESSIDADE, PARTICIPAÇÃO, SENADO, APOIO, POLITICA EXTERNA, BRASIL.
O SR. NEY SUASSUNA (PMDB-PB. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não há como negar a enorme pressão que o mundo moderno exerce sobre todos os países no sentido da abertura das economias nacionais e de sua integração no mercado global.
Seria esse o fruto de um idealismo de unificação de todos os seres humanos em torno de uma sociedade igualitária e universal?
Poder-se-ia pensar em um retorno, pela via liberal, do sonho marxista de uma sociedade planetária homogênea?
É ingênuo imaginar tal situação. O bloco hoje consolidado da Comunidade Européia não se constituiu por razões humanitárias de resgate das economias pobres de Portugal, Grécia ou Albânia.
França e Alemanha deram impulso e vigor à Europa para se contraporem à anunciada hegemonia estadunidense que viria com o desmantelamento do bloco soviético. Os ingleses entraram a contragosto, mas não puderam se furtar à evidência de que são europeus e não norte-americanos.
Assim é que o Brasil, tomando em mãos seu próprio destino, antes que ele fosse forjado de fora para dentro, associou-se aos países do Cone Sul das Américas e formou o Mercosul.
O Mercosul é hoje uma grata e proveitosa realidade para os seus integrantes e um interlocutor incontornável do concerto econômico deste nosso planeta.
Sua importância é tal que já está arrolado como o quarto bloco econômico mundial, atraindo a atenção de países como a Franca, historicamente voltada para seus vizinhos africanos e eurasianos.
Em discurso pronunciado perante o Congresso Nacional, em 12 de março passado, o Presidente francês, Sr. Jacques Chirac, enfatizou a importância do Mercosul e do Brasil como interlocutores e parceiros de primeira grandeza para a França.
Disse ele que o mundo de hoje e de amanhã será edificado a partir dos blocos sócio-cultural-econômicos que se vão aglutinado pelo mundo afora em função das afinidades e interesses comuns existentes entre os países que os compõem.
O Sr. Jacques Chirac chegou mesmo a propor uma reunião de cúpula entre os países latino-americanos e europeus para fins de 1998, dividida em dois tempos. Um primeiro dia de encontros entre o Mercosul e a Europa, e um segundo entre toda a América Latina e a Europa.
Se o maior bloco econômico, hoje existente, dá ao Mercosul a importância assinalada pelo Presidente francês, tem razão o Brasil de querer defender seus pontos de vista, em matéria de comércio exterior e relações interamericanas, com base em uma posição consensual tirada de dentro do bloco do Cone Sul.
Sabemos todos nós da importância que tem o Brasil no cenário mundial, como potência emergente. Sua extensão territorial, seu mercado consumidor real ou potencial, sua pujança econômica, colocam o Brasil na dianteira das iniciativas latino-americanas, mas, também, na alça de mira de nossos rivais comerciais.
Obviamente os Estados Unidos da América não querem e não quererão negociar docilmente com o bloco do Mercosul, preferindo fazê-lo com cada país individualmente.
Não é por outra razão que nas tentativas para a constituição da Área Livre Comércio das Américas, os Estados Unidos dizem que estão negociando individualmente, e não como parte do NAFTA, o Acordo de Livre Comércio da América do Norte.
Nossos amigos norte-americanos são fortes e conscientes do fato de que, sozinhos, geram um Produto Nacional Bruto correspondente a 75% do total dos outros 34 países chamados a construir a ALCA.
Do alto do seu poderio econômico, os Estados Unidos contam por fazer prevalecer suas posições nos acordos de constituição da ALCA, como já fizeram no seio do NAFTA.
Aos fortes acode, quase sempre, a tentação de fazer valer sua força para tirar o máximo dos fracos ou menos fortes. Dão-se eles o direito de ser magnânimos quando isso lhes convém. Do contrário, são duros e raramente flexíveis ou sensíveis às necessidades dos outros.
Essa é, freqüentemente, a atitude dos Estados Unidos, mesmo com parceiros próximos, como o Brasil. Reivindicam eles a abertura de nossa economia e impõem aos nossos produtos de exportação pesadas taxas alfandegárias ou limitações à importação de produtos agrícolas e industriais.
O Sr. Jefferson Péres - Permite-me V. Exª um aparte?
O SR. NEY SUASSUNA - Com muita satisfação, Senador.
O Sr. Jefferson Péres - Senador Ney Suassuna, creio que, a longo prazo, será inevitável a criação da ALCA e a instituição de um mercado comum de todas as Américas. Obviamente, não podemos ir com precipitação; se fôssemos com a pressa que deseja o governo americano, evidentemente, ficaríamos em desvantagem, dada à enorme desproporção de pujança econômica entre a NAFTA, o Brasil e o restante das Américas, principalmente entre os Estados Unidos e a América Latina. Creio que, ao invés de 2005 ser a data final, como desejam os americanos, deve ser, talvez, até a data inicial de um longo processo de negociação; posição, aliás, que adota o Governo brasileiro em consonância com os demais membros do Mercosul. Devemos encarar isto com muita maturidade: os Estados Unidos defendem os interesses deles e nós, evidentemente, vamos defender os nossos. Repito: essa integração deve ser feita com concessões mútuas. É claro que os Estados Unidos têm que concordar em levantar restrições que fazem também a vários de nossos produtos. E, sem complexos, vamos negociar com eles de forma soberana, sem complexo de inferioridade, sem arrogância, na defesa dos nossos interesses - eles defendem os interesses deles, é natural. É esse o processo natural de negociação internacional. Parabéns pelo pronunciamento de V. Exª.
O SR. NEY SUASSUNA - Muito obrigado, Excelência.
Esta é exatamente a linha da nossa oração de hoje: temos que ter prudência, porque, no isolado, vamos perder, pois eles e mais os 34 países têm 75% de todo o conjunto.
O Sr. Francelino Pereira - Permite-me V. Exª um aparte?
O SR. NEY SUASSUNA - Com muito prazer, Senador Francelino.
O Sr. Francelino Pereira - Meu caro Senador Ney Suassuna, nós, em Minas Gerais, de forma particular e até com um toque de emoção, estamos acompanhando atentamente as providências e a organização do Encontro das Américas, que visa uma definição sobre a instalação da ALCA a partir do ano 2005. É claro que o ano 2005 não é o marco da instalação da ALCA, mas o ponto de partida do exame mais definido e conclusivo da oportunidade de sua instalação. A posição brasileira é bastante clara. Nós temos interesse que se defina esse encontro e, ao mesmo tempo, que possamos obter as diretrizes para a formação da Alca - Área de Livre Comércio das Américas. Mas, antes de tudo, precisamos fortalecer o Mercosul, que é o espaço mais próximo e mais interessante para o Brasil. Ao mesmo tempo, examinamos o problema da União Européia, que deseja um contato e a formação de um bloco voltado para as Américas. De qualquer forma, quero comunicar a V. Exª que todas as providências e medidas estão sendo tomadas, quer pelo Governo de Minas Gerais, quer pelo Governo Federal, quer pelos sindicatos, quer pelas entidades empregadoras; na verdade, há uma grande soma de trabalho do povo mineiro para a realização desse encontro. Será esse um grande momento para projetar-se Minas Gerais no cenário internacional, com a presença ali de cerca de 400 ou 500 jornalistas, de ministros de 34 países, sendo que Belo Horizonte vai ser, de fato, o centro, o coração do Brasil, do ponto de vista econômico, no momento em que estivermos debatendo temas de interesse das Américas e do mundo. Muito obrigado a V. Exª.
O SR. NEY SUASSUNA - Eu que agradeço a V. Exª, incorporando, com orgulho, as suas informações ao meu discurso.
Continuo, Sr. Presidente:
Nosso suco de laranja é taxado em 40%. Nosso açúcar e nossos calçados têm cotas máximas para entrada naquele país. E as razões desses procedimentos são estritamente domésticas: a proteção dos produtores nacionais, via barreiras às importações, e fortes subsídios à agricultura local.
É conhecida no Brasil a guerra euroamericana no que diz respeito aos subsídios agrícolas, cada lado acusando o outro de práticas abusivas.
Não causa espanto a qualquer observador mais atento as diferenças que apresentam o Brasil e os Estados Unidos da América na abordagem dos temas de estruturação da ALCA.
Os norte-americanos querem para já a abertura do mercado de serviços dos demais países; o acesso ao mercado de mercadorias com tarifas mais baixas; a manutenção de regras de origem que dificultem o acesso de terceiros países; a imposição de critérios legislativos e culturais próprios, com renúncia de fatias importantes de sua soberania por parte dos outros membros.
Tal agenda propiciaria aos Estados Unidos uma colheita máxima de benefícios comerciais, com exportações maciças de bens de alta tecnologia e serviços, áreas onde eles são notoriamente competitivos, com a marca made in USA servindo de fantástica máquina de vendas.
Ora, o Brasil quer justamente evitar ser engolido no nascedouro desse acordo de livre comércio. Não faz sentido, na cabeça de qualquer dirigente brasileiro com um mínimo de lucidez, começar a abertura exatamente pelos setores onde o Brasil tem um dos seus melhores desempenhos internos: o setor de serviços, responsável por mais de 50% do PIB nacional.
Seria quebrar a espinha dorsal da economia brasileira, com a invasão de prestadores de serviços americanos, sem que o nosso mercado tivesse tempo de se equipar para enfrentar a concorrência. Ao Brasil só interessa discutir os temas propostos como iniciais pelos Estados Unidos no fim do processo de integração, às vésperas do ano 2005.
Em contrapartida, os Estados Unidos não querem ouvir falar em discutir, neste momento, a sua política de subsídios, principalmente a produtos agrícolas. Ela serve de proteção a seu mercado interno. Paradoxalmente, para o Brasil essa é uma questão central, pois os produtos agrícolas são dominantes em nossa pauta de exportação, coadjuvados pelos produtos industriais de média tecnologia, como calçados e outros.
Assim sendo, o Brasil e seus parceiros do Mercosul querem começar as discussões pela chamada facilitação de negócios. Com ela criar-se-iam as condições para que as trocas comerciais fossem feitas sem haver o sufocamento das indústrias nacionais, principalmente das menos fortes, pelos países industrializados e economicamente mais poderosos.
O SR. PRESIDENTE (Antonio Carlos Magalhães. Fazendo soar a campainha) - Desculpe interromper V. Exª para prorrogar, por 10 minutos, a Hora do Expediente, dos quais 5 minutos para V. Exª concluir e 5 minutos para um comunicação inadiável do Senador Osmar Dias.
O SR. NEY SUASSUNA - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Pelo confronto das duas agendas, ficam claros os lances ofensivos e defensivos de cada uma das partes nessa verdadeira partida de xadrez. Não se trata de colocar a questão em termos de confrontação, mas, sim, em termos de posições estratégicas que devem ser conciliadas sem renúncias unilaterais, sobretudo dos mais fracos em relação aos mais fortes.
A ALCA não está sendo discutida para tornar-se um mercado cativo dos Estados Unidos da América, mas, sim, para dar a todo o grande continente americano uma saída para o desenvolvimento harmônico de todos.
Esse é o ponto de vista defendido pelo Brasil e já enfatizado por nosso Governo em todas as reuniões havidas sobre o tema. O Sr. Ministro de Estado das Relações Exteriores, Embaixador Luiz Felipe Lampreia, reiteradas vezes tem afirmado que o Brasil defende seu ponto de vista de construção da ALCA com base nos blocos infra-regionais já existentes.
Assim é que não se poderá alcançar a Área de Livre Comércio das Américas desprezando-se a realidade do Mercosul, do Pacto Andino, do G-3 - grupo constituído por Colômbia, México e Venezuela - ou do Grupo Caribe. Nem mesmo do NAFTA, que liga os Estados Unidos, o Canadá e o México, como matreiramente querem fazer os estadunidenses.
Há que se levar também em conta a contribuição que a ALADI - Associação Latino-Americana de Integração - vem dando ao processo de integração da América Latina.
Não se poderá apagar, da noite para o dia, a complexa rede de acordos já existentes no seio das Américas. O Chile é um exemplo típico dessa intrincada malha, pois passou ou negocia acordos bilaterais e multilaterais dentro das Américas e com a Europa unificada.
Sr. Presidente, o Senado Federal não pode ficar alheio a esse processo vital para o porvir de nossa Nação. Temos o papel constitucional da aprovação definitiva de acordos internacionais negociados pelo Governo brasileiro. Cumpre-nos, por conseguinte, acompanhar as negociações e aparelharmo-nos para apreciar, tempestivamente, o teor dos acordos que vierem a ser assinados pelo Brasil.
A reunião preparatória do III Encontro das Américas, que teve lugar no Rio de Janeiro, na semana passada, serve para confirmar a oportunidade e mesmo a necessidade de o Senado Federal enviar representante, na qualidade de observador, à rodada de negociações de Belo Horizonte, como, aliás, já foi aqui proposto.
Temos confiança que a posição firme e altaneira já anunciada pelo Governo brasileiro será mantida e respaldada pelo Congresso Nacional. Haveremos de construir uma América integrada, fundada no equilíbrio entre as nações, no respeito às identidades culturais e nacionais, e na busca permanente da justiça social e do bem-estar dos povos que a constituem.
Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.