Discurso no Senado Federal

COMENTANDO O RUMO TOMADO PELO PROALCOOL. NECESSIDADE DE VIABILIZAÇÃO DO ALCOOL COMO FONTE COMBUSTIVEL NÃO POLUENTE.

Autor
Iris Rezende (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Iris Rezende Machado
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ENERGETICA.:
  • COMENTANDO O RUMO TOMADO PELO PROALCOOL. NECESSIDADE DE VIABILIZAÇÃO DO ALCOOL COMO FONTE COMBUSTIVEL NÃO POLUENTE.
Aparteantes
Ney Suassuna.
Publicação
Publicação no DSF de 30/04/1997 - Página 8796
Assunto
Outros > POLITICA ENERGETICA.
Indexação
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, PROGRAMA NACIONAL DO ALCOOL (PROALCOOL), SUBSTITUIÇÃO, DERIVADOS DE PETROLEO, REDUÇÃO, DEPENDENCIA, MERCADO EXTERNO, PETROLEO, AUMENTO, DEFICIT, BALANÇA COMERCIAL.
  • DEFESA, ATENÇÃO, GOVERNO FEDERAL, SETOR, PRODUÇÃO, ALCOOL, FORMA, COMBUSTIVEL ALTERNATIVO, MANUTENÇÃO, NIVEL, OFERTA, EMPREGO, PRESERVAÇÃO, MEIO AMBIENTE, REFORÇO, ECONOMIA NACIONAL.

O SR. IRIS REZENDE (PMDB-GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, compareço a esta tribuna para tratar de uma das maiores conquistas já alcançadas pelo nosso País na área energética. Refiro-me ao Programa Nacional do Álcool, que é motivo de orgulho e também de preocupação de todos os brasileiros.

Criado em 1975, o Proálcool tinha como objetivo principal a substituição de derivados de petróleo por um combustível alternativo, produzido internamente, que diminuísse a dependência externa na área de petróleo. Tratava-se de uma questão estratégica e econômica, tendo em vista o peso que as importações de petróleo exerciam sobre o déficit da balança comercial. Em termos de substituição de gasolina em larga escala, o Proálcool foi um retumbante sucesso. Basta dizer que, nesta safra 96/97, foram produzidos 14,2 bilhões de litros de álcool, o que permitiu a substituição de 240 mil barris de gasolina por dia, que faz do Brasil o pioneiro e a mais importante referência mundial no desenvolvimento bem-sucedido de um programa de produção e uso intensivo do álcool como combustível alternativo.

Com o álcool combustível foram gerados 770 mil novos empregos no campo, nas áreas agrícola e industrial, transformando a produção e o processamento da cana-de-açúcar numa das atividades que mais empregam mão-de-obra neste País. Ressalte-se que todo o setor de petróleo emprega pouco mais de 50 mil e a indústria automobilística, 120 mil. Reafirmo que o Proálcool emprega 770 mil pessoas. Os empregos ligados à produção de álcool requerem uma qualificação média inferior à de outros setores industriais. No entanto, são empregos capazes de absorver, exatamente o tipo de mão-de-obra mais abundante no Brasil, permitindo a inserção de um grande contingente de trabalhadores à força formal do trabalho.

A geração de empregos ligados ao álcool tem diminuído a tensão no campo, contribuindo para minimizar o êxodo rural e, em conseqüência, a necessidade de investimentos públicos na cara infra-estrutura urbana.

Sem terem sido projetados com tal objetivo, a produção e o uso intensivo de álcool no Brasil foram um enorme sucesso em termos ambientais. A mistura de 22% de álcool anidro na gasolina permitiu a substituição integral do venenoso aditivo chumbo-tetra-etila, usado anteriormente como elevador de octanagem. Esse aditivo, responsável pelo saturnismo - que é uma degeneração do fígado e do cérebro -, ataca principalmente crianças de até seis anos de idade, comprometendo de forma permanente o seu desempenho profissional no futuro, e sua saúde, tendo sido, por esse motivo, objeto de programas intensivos de substituição nos EUA e em vários países da Europa. O desenvolvimento do álcool no Brasil transformou-nos em pioneiros na eliminação do uso do chumbo.

O álcool, usado em mistura com a gasolina e como combustível único na forma de álcool hidratado carburante, reduziu em 30 a 40% as emissões veiculares de monóxido de carbono (CO), hidrocarbonetos (HC) e óxidos de nitrogênio (NOX), todos elementos de controle de emissões em grandes cidades, tendo em vista o seu alto poder poluidor.

O álcool é também neutro em emissões totais de carbono, passando a ter uma importância crescente a partir da assinatura da convenção sobre mudanças climáticas, e da Agenda 21, por ocasião da Convenção do Clima, realizada no Rio de Janeiro, em 1992.

O Brasil conseguiu, através da contribuição inestimável da Petrobrás, criar uma rede de distribuição de combustível alternativo em mais de 25 mil postos de revenda, espalhados por todo o País. Esse fato, isoladamente, já é suficiente para causar surpresa a todos aqueles que defenderam o desenvolvimento de programas similares em outros países. Cito o caso do Governador do estado norte-americano de Wisconsin, o Sr. Tommy Thompson, que é um dos líderes da "Coalizão de Governadores Pró-etanol", que engloba 21 governadores dos Estados Unidos da América, inclusive o Sr. Bill Clinton, enquanto foi governador de Arkansas.

O Sr. Tommy Thompson, que visitou esta Casa no último dia 19 de março, declarou estar extremamente impressionado com o sucesso atingido pelo Brasil na produção de álcool, e sua distribuição a nível nacional, tendo em vista que, nos Estados Unidos, embora muitos esforços estejam sendo desenvolvidos, e a produção de álcool já atinja 5,1 bilhões de litros por ano, o álcool como combustível único para uso em veículos é encontrado em apenas 44 postos de revenda.

O uso do álcool de biomassa no Brasil não foi uma inovação introduzida somente após o primeiro choque do petróleo. O álcool é misturado à gasolina em nosso País desde 1939, em proporções variadas, dependendo da disponibilidade interna e da necessidade de substituição de gasolina na época. O Proálcool expandiu o que já vinha sendo feito e procurou criar bases sólidas para uma substituição permanente.

A contribuição do álcool para o balanço de pagamentos tem sido impressionante. Desde 1975, o álcool permitiu a economia de US$33,1 bilhões em divisas, que o País teria gasto com a importação de petróleo e derivados - um valor que cresce todos os anos em US$2 bilhões, sem que novos investimentos sejam necessários, simplesmente pelo caráter renovável da produção de álcool. A mesma importância estratégica e econômica que motivou a criação do Proálcool, em 1975, justifica a sua manutenção e expansão nos dias de hoje, quando estamos gastando US$6,5 bilhões por ano com importações de petróleo e derivados, apesar de todos os esforços e a competência internacionalmente reconhecida da Petrobrás, na exploração de petróleo em águas profundas.

O setor sucro-alcooleiro nacional é um dos setores que maior impacto positivo tem trazido às contas externas nacionais: o álcool permite a economia anual de US$2 bilhões em importações de petróleo e derivados, e o açúcar exportado gera outros US$1,5 bilhão em divisas, somando US$3,5 bilhões por ano de contribuição positiva às contas nacionais.

Com a perspectiva cada vez mais provável de um novo choque de petróleo, que deverá elevar o preço da energia fóssil a níveis mais elevados, e de forma permanente, dentro de poucos anos, a manutenção da produção e do uso intensivos de álcool no Brasil é uma questão de racionalidade. Mas, antes disso, é uma questão de honra nacional. O Brasil não pode abrir mão dessa enorme conquista quando países como os EUA, a França e a Suécia desenvolvem esforços tão intensos para aproveitar a experiência brasileira.

Todas essas conquistas, de uma forma ou de outra, reconhecidas por sucessivos governos, inclusive o atual, não têm sido suficientes para que tenham sido criadas condições de sustentação permanente do álcool em relação à gasolina, num cenário de livre mercado.

Embora o álcool apresente uma série de vantagens em termos sociais, ambientais e macroeconômicos, essas vantagens são raramente transformadas em créditos, via preço, que induzam os consumidores a preferir esse combustível. O álcool desenvolveu-se no Brasil enquanto houve uma intervenção do Governo na política de preços dos combustíveis, que o viabilizou frente à gasolina. Embora vários estudos realizados no Brasil e no exterior comprovem que o álcool já compete com o petróleo e a gasolina em termos puramente econômicos, em termos empresariais, o álcool ainda não compete com a gasolina, a preços de mercado.

À medida que caminhamos em direção à introdução crescente de condições mais livres no mercado de combustíveis, é fundamental que sejam criados mecanismos automáticos, diretos e transparentes de viabilização do álcool em relação à gasolina. Esses mecanismos não significam necessariamente que o atual preço da gasolina teria que ser elevado acima dos níveis atuais, mas implicariam, sim, na manutenção de uma capacidade mínima do Governo de influenciar na formação dos preços relativos de combustíveis, num cenário de livre mercado. Basta ao Brasil aproveitar a experiência da maioria dos países industrializados, onde o mercado de combustíveis é liberado.

Como o modelo na área de combustíveis do Brasil foi sempre de intervenção maciça nas áreas de planejamento e preços, é difícil à burocracia governamental imaginar como deverá ser a nova intervenção: a transformação da antiga intervenção elefantina em uma nova intervenção, ágil como um tigre.

O Proálcool vai sobreviver no Brasil quando for resolvida a questão de como o Governo vai intervir na formação de preços dos combustíveis, uma vez liberados esses mercados. E parece-nos que esse é um problema relativamente pequeno, comparado à dimensão e à importância daquilo que, em troca, será preservado, tanto em álcool, quanto em petróleo.

A reserva tecnológica acumulada no Brasil, com a experiência de mais de 20 anos de Proálcool, é preciosa, tanto na área da biotecnologia, como na de transformação industrial e na de engenharia automotiva. Há perspectivas animadoras para o seu aproveitamento em outros países.

O mérito que este Governo retém por introduzir regras de mercado na área de combustíveis traz consigo a responsabilidade de criar condições de sustentabilidade para atividades estratégicas como o álcool combustível de biomassa.

O Estado de Goiás tem na produção sucro-alcooleira uma significativa parcela de sua economia. Temos 14 usinas produtoras que forneceram, no ano passado, 368 milhões de litros de álcool e 4,5 milhões de sacas de açúcar de 50 quilos. O setor proporciona 16 mil empregos diretos e indiretos, sendo que, só na área agrícola, estão ocupados 12,5 mil lavradores. Portanto, sei avaliar a importância econômica e social desta atividade.

O Sr. Ney Suassuna - V. Exª me permite um aparte?

O SR. IRIS REZENDE - Com muito prazer.

O Sr. Ney Suassuna - Senador Iris Rezende, V. Exª está coberto de razão, se o Governo não tiver cuidado, primeiro, vamos ter problema no Nordeste e no Centro-Oeste, em concorrência com São Paulo, e, depois, provavelmente, em relação ao exterior com os produtores do Sul e do Sudeste. Isso trará muito desemprego. É preciso que o Governo esteja atento e que seja bem feita a regra, de forma que continuemos com o homem trabalhando no campo e produzindo para o bem do Brasil, seja para uso nosso, seja para exportação. Solidário com o discurso de V. Exª, parabenizo-o. Muito obrigado.

O SR. IRIS REZENDE - Muito obrigado, Senador Ney Suassuna, pelo aparte de V. Exª.

Espero que o Governo compreenda a nossa preocupação de, nesta tarde, trazer a debate essa questão, porque já estamos com o exemplo à nossa frente. Durante alguns anos, não o atual Governo, mas o Governo da República se esqueceu, colocou em segundo, terceiro ou quarto plano de suas preocupações a produção de energia hidrelétrica. Muitas usinas hidrelétricas ficaram paralisadas. E tivemos, na semana próxima passada, o primeiro grande black out. Ninguém sabe o que será de nós dentro de poucos meses, justamente pela falta de atenção e de preocupação de Governos com a área de produção de energia.

Estamos preocupados com o Proácool. Estamos buscando do Governo uma atenção especial para essa área, a fim de que, se, porventura, for inviabilizado o Proálcool, não fiquemos aqui a chorar a perda desse grande veio da nossa economia, dessa área que tem oferecido, como eu disse, emprego para 770 mil trabalhadores. Isso é muitas vezes mais do que oferecem as fábricas de automóveis, muito mais do que oferecem outras áreas da nossa economia.

Basta que o Governo dispense uma atenção ao Proálcool para que ele resista a essas dificuldades vividas e o Brasil continue encontrando, na produção do álcool, uma grande ferramenta para a defesa de suas divisas, para a nossa economia em relação ao mercado internacional.

Conclamo, pois, o Governo, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a estudar como funcionam os mercados de combustíveis de países de economia de mercado, para que, da mesma forma que eles, com muito menores vantagens comparativas, criaram condições de sustentação de longo prazo, sejam estabelecidas regras em nosso País que permitam o convívio salutar e competitivo do álcool com os derivados de petróleo.

Se isso for feito, o Governo terá resolvido um dos seus maiores problemas e, ao mesmo tempo, encontrado eficaz solução para os problemas de emprego, geração interna de renda e preservação do meio ambiente.

Termino as minhas palavras, agradecendo ao Senador Lauro Campos a gentileza que teve de permutar o horário para que eu pronunciasse este discurso.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/04/1997 - Página 8796