Discurso no Senado Federal

CONQUISTAS SOCIAIS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988, EM ESPECIAL, NO QUE TANGE AO RACISMO. DEFENDENDO O PROJETO DE LEI DO SENADO 73, DE 1997, PROPOSTO POR S.EXA., QUE PROIBE A CONTRATAÇÃO PELA UNIÃO, SUAS AUTARQUIAS, FUNDAÇÕES, EMPRESAS PUBLICAS E SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA, DE PESSOAS FISICAS OU JURIDICAS QUE TENHAM COMETIDO ATOS OU OMISSÕES FAVORAVEIS A REGIME OU AÇÕES DE DISCRIMINAÇÃO RACIAL, CRIME CONTRA A ORDEM ECONOMICA OU TRIBUTARIA, ATOS QUE VISEM OU POSSAM LEVAR A FORMAÇÃO DE MONOPOLIO OU A ELIMINAÇÃO DA CONCORRENCIA E DANO AMBIENTAL NÃO REPARADO, E DA OUTRAS PROVIDENCIAS.

Autor
Abdias Nascimento (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RJ)
Nome completo: Abdias do Nascimento
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • CONQUISTAS SOCIAIS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988, EM ESPECIAL, NO QUE TANGE AO RACISMO. DEFENDENDO O PROJETO DE LEI DO SENADO 73, DE 1997, PROPOSTO POR S.EXA., QUE PROIBE A CONTRATAÇÃO PELA UNIÃO, SUAS AUTARQUIAS, FUNDAÇÕES, EMPRESAS PUBLICAS E SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA, DE PESSOAS FISICAS OU JURIDICAS QUE TENHAM COMETIDO ATOS OU OMISSÕES FAVORAVEIS A REGIME OU AÇÕES DE DISCRIMINAÇÃO RACIAL, CRIME CONTRA A ORDEM ECONOMICA OU TRIBUTARIA, ATOS QUE VISEM OU POSSAM LEVAR A FORMAÇÃO DE MONOPOLIO OU A ELIMINAÇÃO DA CONCORRENCIA E DANO AMBIENTAL NÃO REPARADO, E DA OUTRAS PROVIDENCIAS.
Publicação
Publicação no DSF de 25/04/1997 - Página 8487
Assunto
Outros > DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, INCLUSÃO, DISPOSITIVOS, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, PROIBIÇÃO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, PAIS.
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, IMPEDIMENTO, CONTRATAÇÃO, UNIÃO FEDERAL, AUTARQUIA, FUNDAÇÃO, EMPRESA PUBLICA, SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA, PESSOA FISICA, PESSOA JURIDICA, DESRESPEITO, NORMAS, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, EXECUÇÃO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
  • COMENTARIO, INCOERENCIA, AUTORIZAÇÃO, VENDA, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), EMPRESA ESTRANGEIRA, AGRESSÃO, DIREITOS HUMANOS, DESRESPEITO, NORMAS, PROIBIÇÃO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL.

O SR. ABDIAS NASCIMENTO (Bloco/PDT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sob a proteção de Olorum, inicio este pronunciamento.

Elaborada e promulgada sob a égide da redemocratização, após mais de duas décadas de autoritarismo e de arbítrio, a Constituição de 1988 trouxe expressivas conquistas na área social, atendendo a novas preocupações e dando novas respostas a velhos anseios de nossa sociedade. Entre estas, quero destacar as vigorosas disposições constitucionais referentes ao racismo, ao exercício pernicioso da atividade empresarial e aos cuidados com o meio ambiente.

No que se refere ao racismo, a nova Carta representa uma resposta à repulsa e às condenações mundiais de que seus praticantes têm sido objeto desde o fim da Segunda Grande Guerra Mundial, com a derrota do nazi-fascismo e das pretensões de superioridade de uma suposta "raça ariana". No caso específico do Brasil, o Movimento Negro e seus aliados no mundo acadêmico demonstraram sobejamente a falência do mito da "democracia racial", apresentando dados objetivos, baseados em estatísticas oficiais, que mostram o racismo como fator fundamental para explicar a perversa distância entre negros e brancos apontada por todos os indicadores sociais pertinentes. Assim, atendendo aos clamores da sociedade organizada, os constituintes de 88 incluíram na nova Carta uma série de dispositivos destinados a coibir o racismo e a discriminação racial.

Desse modo, a dignidade da pessoa humana, de que a discriminação é algoz, é preliminarmente erigida como fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, inciso III); o combate ao preconceito de origem, raça e cor é dado como objetivo fundamental (art. 3º, inciso IV); o racismo é repudiado na ordem internacional (art. 4º, inciso VIII); as distinções "de qualquer natureza" são proibidas, pelo princípio de isonomia (art. 5º, caput); por fim, mas não menos importante, a prática do racismo foi firmada como crime inafiançável e imprescritível, sujeito a pena de reclusão (art. 5º, inciso XLII), além de permear outros tantos dispositivos constitucionais.

Ao mesmo tempo, as práticas desleais, predatórias ou ultrapassadas de gestão empresarial conhecem condenação expressa no capítulo referente aos princípios gerais da atividade econômica, no qual despontam como fundamentais do País a livre iniciativa, a justiça social, a livre concorrência, a defesa do consumidor e a defesa do meio ambiente (art. 170). Também é condenado o abuso do poder econômico (art. 173, § 4º), com o propósito da dominação de mercados, da eliminação da concorrência e do aumento arbitrário dos lucros. Além de se sujeitar à pessoa jurídica, sem prejuízo da responsabilidade individual de seus dirigentes, à responsabilização por atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular (art. 173, § 5º). Paralelamente, o art. 174 dá ao Estado o poder de agente normativo e regulador da atividade econômica, fiscalizando e incentivando para todo o setor e planejando para a área pública.

A crescente consciência ecológica, promovida em todo o mundo por organizações da sociedade civil, resultou na elaboração de todo um capítulo da Constituição de 1988 - o Capítulo VI do Título VIII. Além de sujeitar a atividade empresarial ao princípio da defesa do meio ambiente, conforme já demonstramos, a nova Carta assegura a "todos" o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, impondo ao poder público o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Nesse universo, a função do Estado é não apenas relevante, mas, de fato, indispensável. Como o aparelho estatal, que tem no topo a estrutura Federal, exerce de certa forma o papel de balizador das condutas adotadas pelas demais entidades políticas, como Estados, Municípios e Distrito Federal, incumbem à União as ações mais contundentes e mais significativas da decisão governamental de cumprir e fazer cumprir tais princípios constitucionais.

É nessa linha que estamos propondo o Projeto de Lei do Senado nº 73, de 1997, apresentado ontem à Mesa do Senado. Com ele, visamos impedir a contratação, pela União, suas autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, de pessoas físicas ou jurídicas ou ligadas a elas, que tenham ferido, em sua atuação nacional ou internacional, por ação ou omissão, esses relevantes valores de nossa Carta Magna. Tal proibição se estende, pelo art. 4º dessa proposição, a todos os modelos operacionais do programa de desestatização. E aqui pretendemos atingir diretamente determinada situação que poderá ocorrer no processo de privatização da Companhia Vale do Rio Doce.

A importância estratégica e o enorme patrimônio dessa empresa fazem com que, no momento em que o Governo se prepara para implementar a sua privatização, olhares mais atentos se detenham nesse processo, tendo em vista suas conseqüências não apenas nos planos político e econômico, mas também do ponto de vista social. Afinal, se a justificativa para a alienação dessa gigantesca e lucrativa estatal se dá sob a égide da eficiência e modernização de nossas estruturas produtivas, não faz sentido que ela favoreça empresas ou grupos internacionais com notória ficha corrida de desrespeito aos princípios fundamentais que regem as relações comerciais e, sobretudo, as relações entre os homens. Infelizmente, porém, são concretos os indícios de que isso possa vir a ocorrer no caso da Vale.

Uma das empresas concorrentes na licitação da Companhia Vale do Rio Doce - e com grandes possibilidades de vencê-la, dado o seu poderio - é a multinacional Anglo American, com sede em Londres e/ou África do Sul, integrando um consórcio liderado, no Brasil, pela Votorantim. Ocorre que essa empresa tem se tornado, nos últimos anos, em razão de sua atuação nas arenas política e econômica, uma espécie de pária internacional. O principal motivo disso foi seu apoio inconteste ao regime do apartheid na África do Sul, em desrespeito não somente ao boicote internacional e a outras resoluções das Nações Unidas, mas também a convenções internacionais de que o Brasil é signatário - e que por isso tem força de lei. Em especial, a Convenção Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial, da ONU, e a Convenção 111 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que trata da discriminação de raça e gênero no mercado de trabalho. Além disso, tal atuação também está em desacordo com diversos artigos de nossa Carta Magna, que citamos acima.

Longe de ser um ato meramente simbólico, o apoio da poderosa Anglo American e de outras empresas do mesmo porte foi o que permitiu ao Governo racista sul-africano uma sobrevida que, de outro modo, não teria sido possível. Pode-se medir a conseqüência disso pelo número de casos de assassinato, tortura e outras atrocidades sofridas pelos negros e opositores políticos naquele país, durante os últimos anos de um regime que certamente teria acabado muito antes, não fosse a criminosa cumplicidade de grupos que, como a Anglo American, sempre se posicionaram em favor da manutenção da supremacia branca.

Relevantes como sejam, não se resumem a isso, contudo, as restrições a essa empresa. Além de apoiar o apartheid, a Anglo American é suspeita de ter colaborado com o governo sul-africano na desestabilização dos países da chamada "linha de frente" - dentre eles, Angola e Moçambique -, fornecendo apoio financeiro à guerrilha contra-revolucionária para a aquisição de armamentos e infra-estrutura bélica. Como não bastasse, a Anglo American foi considerada culpada, em diversos países, por infringir a legislação antitruste, praticando o monopólio da produção e comércio de ouro e diamantes. Por esse motivo, seu principal dirigente, Nicholas Oppenheimer, está impedido, há muitos anos, de pisar em solo americano, sob pena de ser imediatamente preso.

Num momento em que a sociedade brasileira começa a tomar consciência crescente de seus problemas sociais e raciais, inclusive discutindo a reformulação de sua legislação para tornar mais eficientes os mecanismos de enfrentamento do racismo e do preconceito racial; num momento em que se considera seriamente a possibilidade de estabelecer compensações para os grupos historicamente discriminados, conforme discurso do Presidente Fernando Henrique Cardoso, no Seminário Internacional Multiculturalismo e Racismo: O Papel da Ação Afirmativa nos Estados Democráticos Contemporâneos, realizado em junho último nesta capital; num momento como este, seria no mínimo um contra-senso permitirmos que se aposse de nossa estatal mais lucrativa um grupo internacional que se comprometeu ativamente com o mais execrado regime do mundo contemporâneo. Ao mesmo tempo, as condenações de que tal grupo tem sido objeto nos mais altos foros do comércio internacional constituem motivo suficiente para tornar indesejável sua presença em nosso País.

Por tudo isso, permitimo-nos confiar na aprovação do citado projeto de lei neste Senado, e posteriormente na Câmara dos Deputados, uma forma direta de assegurarmos respeito a fundamentais princípios constitucionais e humanos e, indireta, de impedirmos de atuar no Brasil uma empresa poderosa que carrega consigo a mancha indelével de uma prática racista contrária aos direitos humanos.

Axé!

Muito obrigado. Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/04/1997 - Página 8487