Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE A VITORIA DO PARTIDO TRABALHISTA NA INGLATERRA. EQUIVOCOS DOS PARTIDOS BRASILEIROS DE ESQUERDA NO TOCANTE A ESTATIZAÇÃO DAS EMPRESAS NACIONAIS.

Autor
Jefferson Peres (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA PARTIDARIA.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE A VITORIA DO PARTIDO TRABALHISTA NA INGLATERRA. EQUIVOCOS DOS PARTIDOS BRASILEIROS DE ESQUERDA NO TOCANTE A ESTATIZAÇÃO DAS EMPRESAS NACIONAIS.
Publicação
Publicação no DSF de 07/05/1997 - Página 9085
Assunto
Outros > POLITICA PARTIDARIA.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, VITORIA, PARTIDO POLITICO, FAVORECIMENTO, TRABALHADOR, PAIS ESTRANGEIRO, INGLATERRA.
  • CRITICA, PRETENSÃO, PARTIDO POLITICO, ADVERSARIO, GOVERNO, MANUTENÇÃO, MODELO, DESENVOLVIMENTO, FUNDAMENTAÇÃO, ESTATIZAÇÃO, EMPRESA.

O SR. JEFFERSON PÉRES (PSDB-AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, por uma dessas ironias da História, o triunfo do Partido Trabalhista Britânico, nas eleições de 1º de maio, se representou obviamente a derrota do Partido Conservador, implicou, ao mesmo tempo, a consagração e a consolidação do liberalismo econômico implantado por Margaret Thatcher, nos seus onze anos de permanência no Poder. Uma década que mudou radicalmente a economia da Inglaterra e que, avançando numa onda avassaladora, se espalhou por todo o mundo.

Para compreendermos esse processo, é necessário fazermos uma breve retrospectiva dos últimos cinqüenta anos na Inglaterra.

Ao final da Segunda Guerra Mundial, em 1945, o povo inglês, surpreendentemente, derrotou nas urnas o seu herói nacional e líder conservador, Winston Churchill, e deu a vitória ao Partido Trabalhista. O programa do partido vitorioso tinha, à época, forte conotação socialista e ligações orgânicas com o sindicalismo, do qual saía uma boa parte dos seus filiados e mesmo dos seus dirigentes.

A cláusula IV do programa previa explicitamente a estatização dos chamados setores estratégicos da economia. Esse capítulo foi cumprido à risca, quando os trabalhista subiram ao poder. Seis anos depois, quando foram derrotados, haviam estatizado a economia, a siderurgia, os portos, o sistema ferroviário, as minas de carvão, o transporte aéreo, a eletricidade, as telecomunicações e, mais tarde, em outro governo, o petróleo.

Além disso, uma legislação fortemente reguladora colocava toda a economia virtualmente sob o controle do Estado, sem contar que os sindicatos, poderosíssimos, alguns com direções irresponsáveis, promoviam greves freqüentes e faziam reivindicações muitas vezes descabidas, que acabavam impondo às empresas, com apoio aberto e disfarçado do governo.

Some-se a isso uma lei draconiana do imposto de renda, equivalente a um confisco, porque podia, em alguns casos, recolher 80% dos ganhos dos contribuintes.

A partir do início dos anos 50, a Inglaterra só era capitalista nominalmente. De fato era talvez, fora do bloco soviético, o país de economia mais socializada do mundo. E esse modelo se tornou de tal forma enraizado e consensual na Inglaterra que se tornou aparentemente irremovível, tanto assim que, durante trinta anos, até o final dos anos 70, por três vezes, os conservadores estiveram no poder, às vezes por períodos prolongados, e não ousaram fazer modificações de fundo. Por falta de convicção ou de coragem, mantiveram basicamente tudo aquilo que os trabalhistas haviam implantado.

A mudança radical começou a partir de 1979. Após três décadas, o modelo estatizante apresentava nítidos sinais de esgotamento, com a economia inglesa estagnada e flagelada por uma inflação altíssima para os padrões europeus. Em completa decadência, a Inglaterra era, dentre os países industrializados, o que se apresentava em pior situação, fadado a um declínio que parecia irremediável.

Naquele ano, os conservadores, mais uma vez, retornaram ao poder, mas, diferentemente das outras vezes, com uma clara proposta liberal e com uma liderança vigorosa na pessoa da Srª Thatcher. O resultado todos sabemos. Em onze anos, o modelo de estado socialista implantado pelos trabalhistas foi desmontado por um programa de privatizações que praticamente eliminou a presença estatal na economia, reduzida hoje apenas aos correios e ao metrô de Londres.

Em termos econômicos, o êxito foi total: de uma situação de crise crônica, a Inglaterra passou a ostentar invejável crescimento econômico, acompanhado de inflação baixa e desemprego inferior ao da França e da Alemanha. Em contraste, piorou a distribuição de renda, com aumento das desigualdades sociais.

Esta circunstância, somada ao natural desgaste de 18 anos de poder e à liderança apagada de John Major, em contraposição ao brilho de Tony Blair, resultou na vitória esmagadora do Partido Trabalhista. Mas, como disse, ironicamente, no triunfo do thatcherismo ao menos suas propostas econômicas se tornaram irreversíveis, tanto assim que, para vencer, os trabalhistas, em convenção nacional, tiveram de suprimir do seu programa a famosa cláusula IV, que previa as estatizações. Sem isso, jamais retornariam ao poder.

Srªs e Srs. Senadores, vou ler, para conhecimento de todos, os pontos principais da plataforma eleitoral de Tony Blair, com a qual ele venceu as eleições.

São, explicitamente - estou traduzindo literalmente -, os seguintes:

1 - Alteração dos critérios de cálculo do imposto de renda;

2 - tributação de lucros excessivos ou extraordinários de concessionárias públicas;

3 - instituição de salário mínimo, em valor a ser estabelecido;

4 - redução do tamanho das salas de aula com alunos entre 5 e 7 anos;

5 - estabelecimento de metas educacionais, criação de blitze fiscalizadoras de ensino, medidas de aprimoramento do ensino e da qualidade das escolas;

6 - redução para 5% do imposto de consumo de combustível;

7 - racionalização dos gastos com saúde pública;

8 - reconhecimento de sindicatos apenas mediante apoio relevante da maioria da força de trabalho;

9 - realização de referendos para a criação de um Parlamento na Escócia e uma Assembléia no País de Gales;

10 - realização de referendo para a adoção da moeda única européia;

11 - abolição do direito de voto dos membros hereditários da Câmara dos Lordes;

12 - criação de comissão real para apresentar propostas relacionadas com a assistência aos mais velhos.

13 - agilização dos processos judiciais contra delinqüentes juvenis, e

14 - votação livre de proposta para banimento total de armas de fogo.

Em nenhum momento o atual Primeiro-Ministro, Tony Blair, falou em reprivatização de coisa alguma, porque simplesmente ele não vai fazer isso. O modelo implantado pela Srª Margaret Thatcher se tornou irreversível.

Portanto, a esquerda brasileira, que saúda hoje a vitória de Tony Blair, pode estar fazendo uma leitura inteiramente equivocada da vitória dos trabalhistas. 

Tony Blair promete apenas investimentos maiores na área social, o que ele chama de thatcherismo com face humana. Enquanto isso, a nossa esquerda briga nas ruas pelos cadáveres geológicos da Vale do Rio Doce. É impressionante como o Brasil anda a reboque, como ele chega sempre atrasado, como sempre perde o bonde da História. 

Oxalá, portanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores - para concluir -, os partidos de esquerda no Brasil façam a leitura correta, e não trocada, da vitória trabalhista.

Entendo que, longe de sinalizar o retorno do modelo estatizante, ela representou, ao contrário, o seu sepultamento. Definitivamente, não há volta possível. No Brasil, na Inglaterra e no mundo, estatizações nunca mais. Se não entenderam isso, vão ficar na poeira da estrada. 

Lamento que não haja ninguém da esquerda presente neste plenário.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/05/1997 - Página 9085