Discurso no Senado Federal

REGISTRO DA MORTE DO VAQUEIRO MANOEL NARDI, O MANUELZÃO, PESSOA E PERSONAGEM CRIADAS PELA LITERATURA DO ESCRITOR JOÃO GUIMARÃES ROSA.

Autor
Francelino Pereira (PFL - Partido da Frente Liberal/MG)
Nome completo: Francelino Pereira dos Santos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • REGISTRO DA MORTE DO VAQUEIRO MANOEL NARDI, O MANUELZÃO, PESSOA E PERSONAGEM CRIADAS PELA LITERATURA DO ESCRITOR JOÃO GUIMARÃES ROSA.
Publicação
Publicação no DSF de 07/05/1997 - Página 9086
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, MANOEL NARDI, TRABALHADOR RURAL, ESTADO DE MINAS GERAIS (MG).

O SR. FRANCELINO PEREIRA (PFL-MG. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores,

      "Uma figura alta, empertigada, longas barbas brancas, mãos sobre o arção da sela, faz do cavalo seu trono; do sertão, seu reino. Campeia pra todo lado, absoluto. Pára, esquenta o peito com um gole de cachaça, encara a paisagem e segue. Vira-se para nós, despede-se com um sorriso."

Assim o jornal Estado de Minas registra a morte, ocorrida ontem, do vaqueiro Manuelzão, "pessoa e personagem, o maior símbolo da sabedoria mineira e universal criada pela literatura de João Guimarães Rosa."

Manuelzão viveu seus últimos 22 anos em Três Marias, mais precisamente no distrito de Andrequicé. Porém, suas longas caminhadas cruzaram o sertão mineiro em várias direções, a partir da fazenda Sirga, da qual era encarregado, encravada a "20 léguas de Pirapora, 20 léguas de Corinto", perto de Três Marias, Felixlândia e Cordisburgo, região da qual tenho excelentes recordações e pela qual nutro especial amizade.

O vaqueiro Manoel Nardi, neto de italianos, nascido em 6 de julho de 1904, em Dom Silvério, na Zona da Mata mineira, foi o veículo utilizado pelo então jovem escritor João Rosa para introduzir em Sagarana o espírito inquieto e aventureiro dos tocadores de boi dos sertões mineiros, viajores que conquistaram o sertão da Bahia e o cerrado de Goiás.

Guimarães Rosa, com um bloco de anotações pendurado no pescoço, conviveu com Manuelzão e suas boiadas durante 45 dias de inesquecível exploração dos sertões das Minas Gerais, como um simples agregado de sua tropa.

O fértil material recolhido deu ao escritor, falecido em 1967, o combustível não só para concluir magistralmente Sagarana, que havia iniciado ainda na Itália, como para escrever Corpo de Baile e Uma História de Amor, ou Festa de Manuelzão.

Guimarães Rosa, com a ajuda de Manuelzão, revelou ao Brasil e ao mundo, através de sua literatura, o universo rural e poético, a parte brasileira esquecida da urbanização emergente, mas extremamente rica de histórias e lendas comoventes, que retratavam a simplicidade e a inteligência do sertanejo.

Em Uma História de Amor, João Guimarães Rosa fala com carinho do seu personagem:

      Manuelzão, ali perante, vigiava. A cavalo, as mãos cruzadas na cabeça da sela, dedos abertos; só com o anular da esquerda prendia a rédea. Alto, no alto animal, ele sobrelevava a capelinha. Seu chapéu-de-couro, que era o mais vistoso, na redondeza, era o mais vasto. Com tanto sol, e conservava vestido o estreito jaleco, cor de onça-parda. Se esquecia."

Com o correr dos anos, depois da morte de Guimarães Rosa, Manuelzão foi incorporando em seu dia a dia e até no seu linguajar o estilo e a prosa do escritor. Como assinala Jorge Fernando dos Santos, "aqueles que o conheceram de perto certamente não saberiam delimitar a fronteira entre o homem e a personagem da literatura. A simbiose talvez tenha sido o segredo de sua longevidade. Afinal, ao contrário dos homens de carne e osso, as personagens literárias não morrem. Elas apenas se eternizam no imaginário popular". Desaparecido, o personagem Manuelzão vai seguir os passos do seu criador. Manuelzão agora está encantado.

No verso final de "Assentamento", uma canção escrita por Chico Buarque para ilustrar o projeto "Terra", com as excelentes fotos de Sebastião Camargo, o cantor se despede de Manuelzão, no verso final de sua obra poética: "Manuel, Miguilim/ Vamos embora".

Porém, a homenagem mais sentida foi da velha companheira do vaqueiro, de 42 anos de união, Diralda Alves Nardy. Sobre o caixão do companheiro, depositou uma quadrinha que resume todo seu amor e eterna saudade:

      Quando o limão ficar doce,

      quando o açúcar amargar,

      quando Deus deixar o mundo,

      eu deixo de te amar.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/05/1997 - Página 9086