Discurso no Senado Federal

ILEGITIMIDADE DA PRIVATIZAÇÃO DA VALE DO RIO DOCE. COMUNICADO DA DIRETORIA DA VALE, INTITULADO 'ESCLARECIMENTOS AOS ACIONISTAS E AO PUBLICO', PUBLICADO NOS JORNAIS DE HOJE. PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO A SER APRESENTADA POR S.EXA., LIMITANDO AS CONCESSÕES MINERAIS NO BRASIL AO PRAZO MAXIMO DE 30 ANOS.

Autor
José Eduardo Dutra (PT - Partido dos Trabalhadores/SE)
Nome completo: José Eduardo de Barros Dutra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRIVATIZAÇÃO.:
  • ILEGITIMIDADE DA PRIVATIZAÇÃO DA VALE DO RIO DOCE. COMUNICADO DA DIRETORIA DA VALE, INTITULADO 'ESCLARECIMENTOS AOS ACIONISTAS E AO PUBLICO', PUBLICADO NOS JORNAIS DE HOJE. PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO A SER APRESENTADA POR S.EXA., LIMITANDO AS CONCESSÕES MINERAIS NO BRASIL AO PRAZO MAXIMO DE 30 ANOS.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 08/05/1997 - Página 9208
Assunto
Outros > PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • ILEGITIMIDADE, PROCESSO, PRIVATIZAÇÃO, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD).
  • CRITICA, GOVERNO, PROMOÇÃO, PRIVATIZAÇÃO, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD).
  • DIVULGAÇÃO, MEIOS DE COMUNICAÇÃO, DOCUMENTO, DIRETORIA, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), ESCLARECIMENTOS, PUBLICO, ACIONISTA, AUSENCIA, VERACIDADE, ACUSAÇÃO, AUTORIA, ROBERTO CAMPOS, DEPUTADO FEDERAL, INEFICACIA, RETORNO, NATUREZA FINANCEIRA, EMPRESA ESTATAL.
  • COMENTARIO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, LIMITAÇÃO, PRAZO, CONCESSÃO, RECURSOS MINERAIS, PAIS, FORMA, GARANTIA, UNIÃO FEDERAL, EXCESSO, PRODUÇÃO, RIQUEZAS, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD).

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (PT-SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no dia de ontem o Governo conseguiu bater o martelo no leilão da Companhia Vale do Rio Doce. Com toda pompa e circunstância que o acontecimento exigia para o Governo, com direito a Hino Nacional, vendeu-se, leiloou-se, embora ainda sub judice, a Companhia Vale do Rio Doce.

Nesse período de dois anos - desde maio de 1995, em que o Governo, por meio de decreto, incluiu a Vale no Programa Nacional de Desestatização -, procuramos sensibilizar o Senado da República no sentido de trazer a discussão dessa matéria para o lugar de onde ela nunca deveria ter saído, o Congresso Nacional.

Durante a fase final, quando se iniciaram as ações judiciais, o Sr. Luiz Carlos Mendonça de Barros, Presidente do BNDES, veio a público dizer que eram ilegítimas as iniciativas, no âmbito do Judiciário, para impedir a privatização da Vale.

Como já tive oportunidade de dizer nesta Casa, mais de uma vez, há duas outras questões realmente ilegítimas nesse processo. A primeira, a Lei nº 8.031, que criou o Programa Nacional de Desestatização, que teve origem em uma medida provisória do início do Governo do Sr. Fernando Collor de Mello, aprovada pelo Congresso Nacional. Era um Congresso acuado e acovardado em fim de mandato, como era a situação naquele momento que deu plenos poderes ao Poder Executivo para privatizar quaisquer empresas como bem entendesse e da forma que quisesse.

A segunda ilegitimidade desse processo foi o decreto do Presidente da República que incluiu a Companhia Vale do Rio Doce no programa de privatização. Tive oportunidade, na sexta-feira passada, em pronunciamento em Plenário, de trazer o livro "Mãos à Obra", onde está escrito o programa de governo que elegeu o Presidente da República.

O Governo atual diz que tem autoridade e legitimidade para privatizar qualquer empresa que quiser porque foi eleito para isso. Tem a legitimidade das urnas. Mostramos que no programa de governo estava escrito que o Governo iria agilizar o processo de privatização, mas não fazia nenhuma referência quanto à Companhia Vale do Rio Doce. Muito pelo contrário, fazia referência a ela no sentido de mantê-la como estatal, pois está escrito no programa que o Estado continuaria atuando como produtor de bens e serviços, desde que fossem áreas estratégicas e que fossem de forma eficiente, competitiva e a preço baixo, ou seja, onde se encaixa o perfil da Companhia Vale do Rio Doce.

Nesse processo agora de batalha pública, o Ministro Sérgio Motta veio a público dizer que os opositores à venda da Companhia Vale do Rio Doce eram movidos por interesses corporativos ou por terem ligações com a corrupção e outras coisas piores ainda.

E ficamos sem entender. Será que quando o Ministro Sérgio Motta e o Presidente da República defendiam posições semelhantes a estas que defendemos hoje, eles as defendiam porque tinham ligação com a corrupção, tinham ligação com o corporativismo?

Reconhecemos o direito das pessoas mudarem de opinião. Reconhecemos que o Presidente da República poderia pensar dessa forma há cinco anos e depois mudou de idéia. Reconhecemos esse direito. Mas, a julgar pelas afirmações do Ministro Sérgio Motta ao se referir à Oposição, não reconhecendo qualquer caráter no campo das idéias dessa posição, vamos começar a pensar que quando o Ministro Sérgio Motta e o Presidente da República defendiam essas mesmas idéias que continuamos defendendo, eles o faziam porque tinham vinculações com a corrupção ou com o corporativismo.

Continuamos com a posição de que esta matéria deveria ter sido discutida pelo Congresso Nacional ou, mais ainda, como foi objeto de um projeto nosso apresentado na undécima hora, no sentido de que se convocasse a população através de plebiscito, para se decidir se devia ou não privatizar a Companhia Vale do Rio Doce. O Uruguai fez o plebiscito. Por que o Brasil não poderia tê-lo feito?

O Governo diz que a maioria da população é a favor da privatização. As pesquisas, pelo menos as que foram feitas, em capitais como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, mostram que a população é favorável às privatizações de um modo geral, mas essa mesma pesquisa diz que, no caso da Vale, a maioria da população era contrária à privatização.

O Governo deve dizer que tem outras pesquisas que apontam em sentido contrário. Mas, como democracia não é feita de pesquisas, mas de votos e da manifestação do povo através do voto direto, o mais lógico seria ter convocado a população para deliberar sobre essa questão.

No dia de hoje saiu em todos os jornais um comunicado da Diretoria da Vale intitulado "Esclarecimentos aos Acionistas e ao Público". Lamento que esse comunicado não tenha saído antes, logo que o Deputado Roberto Campos usou de determinados argumentos em um artigo publicado na Folha de S.Paulo, uma vez que visa combater o referido artigo e diversas outras manifestações que o Deputado fez na imprensa. No entanto, o comunicado só saiu depois da privatização, ou melhor, do leilão, uma vez que a privatização ainda está sub judice.

Entretanto, há aspectos que considero muito importantes e que gostaria de ler para que ficasse registrado nos Anais desta Casa. É um documento oficial da Companhia Vale do Rio Doce, assinado pela Diretoria:

      "A Vale tem sido acusada de não propiciar retorno adequado aos acionistas, em especial à União, e de pagamentos indevidos aos empregados. Por este motivo, temos que esclarecer aos acionistas e ao público.

      Antes, o Deputado Roberto Campos apenas fazia críticas injustas. Agora falou em "apropriação indébita", permitindo-se o uso de linguagem inadequada, sob proteção da imunidade parlamentar.

      As críticas estão baseadas em dados errôneos, que aos administradores cabe retificar. Desta maneira, estaremos trabalhando no sentido da transparência e da sustentação do valor das ações no mercado, no interesse de todos os acionistas, atuais e futuros. (...)

      Todos sabem que o acionista ganha, além dos dividendos, a valorização das ações que mantém ou revende. Ignorá-la é distorcer os fatos. No caso da Vale, esta valorização foi de 1.471% entre 1991 e 1995. Vejamos, com base em dados de conhecimento público, o período após 1990, época do último aporte de capital dos acionistas. A totalidade das ações da Vale valia US$700 milhões em 31.12.90, contra um valor de US$11 bilhões em 31.12.95. A valorização no período foi de 1.471%, ou seja, 71,2% ao ano. Maior, portanto, que a do índice IBOVESPA, que foi de 897% no período. Não há como comparar com a caderneta de poupança, que rende 6% ao ano. Vê-se que a valorização foi mais expressiva que o nível dos dividendos pagos, este aliás decidido pela própria Assembléia dos Acionistas e não pela empresa.

      A valorização se deveu, entre outros fatores, ao reinvestimento de US$2,3 bilhões, a partir da geração própria de caixa, vez que o endividamento foi até reduzido no período. Além disso, o valor agregado decorreu de projetos rentáveis, da redução de custos e da alta da produtividade global.

      No caso particular da União, ela recebeu ao longo da vida da Vale US$1,5 bilhão em dividendos, superiores ao aporte total de US$1,2 bilhão, valores estes atualizados. Ao final da privatização, o Tesouro terá recebido US$5 a US$6 bilhões por 51% da empresa, além do já apurado com a alienação dos outros 49%. Sem falar dos impostos e royalties (União, Estados e Municípios) que atingiram US$960 milhões, somente entre 1991 e 1996. (...)

      O crítico falou de "doação" de recursos à Valia, fundo de pensão da Vale. Não considerou que a previdência complementar é política de recursos humanos de entidades de ponta em todo o mundo. No Brasil, é praticada por estatais, pelas empresas privadas e pelo próprio Congresso Nacional, do qual o crítico é membro. Não falou que a Vale contribui na proporção de R$2 para cada R$1 pago pelos empregados, valor inferior à contribuição média das empresas privadas, que é de R$2,7 por R$1 (fonte: ABRAPP). Errou ao divulgar cifra de R$518 milhões entre 1991 e 1995, quando as contribuições da empresa foram de US$217 milhões.

      Abordou a participação dos empregados nos resultados da empresa, entre 1991 e 1995. Citou, mais uma vez erroneamente, o valor de R$440 milhões. A participação é direito constitucional dos empregados, regulamentado por medida provisória, para motivar o acréscimo da produtividade. No período de 1991 a 1996, mais abrangente que o citado, o valor efetivamente pago foi de US$193 milhões, equivalente a cerca de 1,3 salário por ano. Neste intervalo, os empregados contribuíram para gerar lucro total de US$2,4 bilhões, que resultou em US$758 milhões de dividendos aos acionistas. A participação nos resultados representou 8% e os dividendos 32% dos lucros.

      O Deputado erra novamente ao dizer que a União aportou à Vale R$160 milhões, entre 1991 e 1995: o aporte do período foi zero!

      Os números da Vale são auditados e falam por si. Críticas infundadas são prejudiciais ao conceito que os acionistas fazem da empresa, e induzem errônea percepção de liberalidade para com os empregados. Há que se restabelecer, portanto, a verdade dos fatos.

Afirmações como essas do Deputado Roberto Campos, que cita à vontade números que normalmente as pessoas que estão ouvindo não têm condição de comprovar a veracidade deles no momento em que ouve, induzem a falsas interpretações. Mas não foi apenas S. Exª, membros do Governo, no afã de justificar a privatização, levantaram muitas vezes uma série de argumentos depreciativos com relação à Companhia Vale do Rio Doce. É como alguém que quisesse vender um carro e dissesse: o carro está muito bom, mas o motor vai bater daqui a um mês e a caixa de marcha daqui a uma semana.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, queremos registar que, apesar de o Governo dizer o contrário e de ter parte da sua bancada votado no sentido de evitar a privatização da Petrobrás, em relação à lei que regulamenta a abertura do setor petróleo, aprovada na Câmara e em tramitação aqui no Senado, existem elementos suficientes para afirmar que a intenção do Governo Fernando Henrique Cardoso, em um futuro muito próximo, é privatizar também a Petrobrás.

Não tenho dúvidas de que daqui há algum tempo o Senhor Presidente da República irá propor que nos esqueçamos também da carta que encaminhou ao Senador Ronaldo Cunha Lima, então Relator da emenda que flexibilizava o monopólio do petróleo, na qual Sua Excelência assume o compromisso de não privatizar a Petrobrás.

Digo isso porque os mesmos argumentos utilizados para justificar a venda da Companhia Vale do Rio Doce podem perfeitamente ser usados para justificar a privatização da Petrobrás: a alegação de que não há mobilidade suficiente, de que o Estado tem que se afastar de qualquer atividade econômica, de que a Vale do Rio Doce não tem condições de entrar em um mercado competitivo face às amarras inerentes a empresas estatais. Enfim, tudo o que se tem dito e que, sabemos, não cabe em relação à Companhia Vale do Rio Doce.

Temos a lamentar o fato de que, nesta Casa, vários parlamentares, dos mais diversos partidos, fizeram pronunciamentos no plenário contra a privatização da Vale do Rio Doce, mas em grande parte tais pronunciamentos não se transformaram em votos porque alguns Senadores se retiravam do plenário antes da votação, outros votavam contra os projetos que estabeleciam prerrogativas para que o Congresso Nacional definisse a privatização da Vale do Rio Doce.

Entretanto, como o discurso é livre e sai no programa Voz do Brasil, pode-se dizer que é contra a privatização, mas o cidadão em outro Estado que ouve o programa pensa que é contra, mas não tem condição de acompanhar realmente os votos de seus Senadores durante esse período.

Logo que haja uma definição da questão judicial que envolve a privatização da Vale do Rio Doce, caso se confirme essa privatização, vou apresentar uma proposta de emenda constitucional. Nesse instante, quero ver o comportamento da Bancada governista. Essa proposta diz respeito ao prazo de concessão de recursos minerais do Brasil. O Dr. Mendonça de Barros disse, na Comissão de Infra-Estrutura, que não sabia que no Brasil a concessão era por tempo indeterminado e que pensava, inclusive, que isso deveria mudar.

O Governo, por meio de propaganda na televisão, diz que a Constituição garante a propriedade do subsolo à União e que, portanto, não haveria prejuízo. Nós, durante o tempo todo, dizemos aqui nesta Casa que se é verdade que a Constituição estabelece no art. 176 que a propriedade do subsolo é da União, a legislação ordinária, ao estabelecer um método de concessão por tempo indeterminado, na prática, faz com que se torne letra morta o caput do art. 176. Na verdade, a propriedade dos bens minerais só é da União até o momento de sua descoberta, a partir daí passa a ser de propriedade de quem o descobriu.

Então, vamos apresentar uma proposta de emenda à Constituição limitando as concessões minerais no Brasil ao prazo máximo de 30 anos, como é em todos os países desenvolvidos. É uma forma inclusive de garantir para a União o excedente da produção de riqueza da Companhia Vale do Rio Doce além dos 30 anos. Sabemos que as reservas de Carajás, mantido o atual nível de produção, são para 400 anos: a de alumínio, para 100 anos; a de manganês, também para 100 anos; a de ouro, para 50 anos, e assim por diante.

O Dr. Luiz Carlos de Barros disse à Comissão de Infra-Estrutura que era necessário mudar essa legislação. Vamos apresentar essa proposta de emenda constitucional, estabelecendo o prazo máximo de concessão de 30 anos. Não apresentamos uma mudança na legislação ordinária porque há uma série de concessões que já foram efetivadas. Se apresentarmos um projeto de lei, vão invocar o velho direito adquirido; as empresas vão dizer que a lei é contrária a esse direito adquirido. Por isso, somos obrigados a apresentar essa proposta por via de emenda constitucional, que poderá valer imediatamente após sua promulgação não só para a Vale, mas também para outras empresas concessionárias que exploram nossas jazidas minerais. A partir do momento em que se esgotar o prazo de concessão, esse poder concedente volta para a União, que poderá renovar a concessão com a mesma empresa, colocar em licitação ou fazer outra forma de concessão, a qual a lei necessariamente deverá estabelecer.

Queremos ver qual será o comportamento da base governista em relação a essa proposta de emenda constitucional, caso se confirme a venda da Vale do Rio Doce.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nesses dois anos em que tentamos trazer essa discussão para o Plenário, pelo menos conseguimos levantar alguns pontos importantes que acabaram sendo parcialmente acolhidos, de forma muito discreta, no próprio edital de privatização. Registramos que estamos com a consciência tranqüila do dever cumprido e esperamos que os Srs. Senadores que, durante todo esse período, preferiram adotar a posição do avestruz, não venham a se arrepender em futuro próximo.

O Sr. Eduardo Suplicy - Permite-me um aparte, Senador José Eduardo Dutra?

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA - Com muito prazer, Senador Eduardo Suplicy.

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma) - Senador Eduardo Suplicy, desculpe-me interrompê-lo.

A Mesa solicita a V. Exª que seja rápido, porque o tempo do Senador José Eduardo Dutra já está esgotado.

O Sr. Eduardo Suplicy - Senador José Eduardo Dutra, desejo assinalar a forma coerente como V. Exª tem exposto que a decisão de o Governo leiloar a Vale do Rio Doce acabou ferindo todo o processo jurídico. Na minha avaliação, tem razão o jurista Celso Antônio Bandeira de Mello, quando diz que esse leilão foi feito contrariamente à lei e, por isso, está nulo. Nesses últimos dias, tanto o Sr. Luiz Carlos Mendonça de Barros, Presidente do BNDES, quanto o Ministro Antônio Kandir têm procurado dizer, pelo rádio e pela televisão, em diversas entrevistas, que o Congresso Nacional havia aprovado a privatização da Vale do Rio Doce e que essa decisão estava, portanto, legitimada. Só teria validade essa afirmação se o Senado Federal tivesse aprovado o projeto de lei de V. Exª segundo o qual a decisão de privatizar a Vale deveria passar pelo Congresso Nacional, ou seja, somente poderia ser privatizada a Companhia Vale do Rio Doce se houvesse uma lei específica de acordo com a qual o Congresso Nacional, dada a importância dessa empresa para toda a nacionalidade, assim decidiria. Muito bem esclareceu V. Exª, em muitas oportunidades, que não tinha um ponto de vista a priori contrário a que empresas estatais fossem privatizadas; estava inteiramente aberto a essa possibilidade, mas queria que, quando isso ocorresse, sobretudo no caso da Vale, dada a sua relevância estratégica, a sua importância para a economia brasileira, houvesse uma lei nesse sentido. Desejo ressaltar alguns aspectos a respeito dos riscos em que incorremos diante da forma como se deu a privatização e esse leilão. Ainda, hoje, ressalta o jornalista Jânio de Freitas que o grande feito do Governo Fernando Henrique Cardoso foi que o grupo econômico dirigido pelo Sr. Benjamin Steinbruch tenha conseguido extraordinários feitos, nesses dois anos e cinco meses de Governo, arrebatando três grandes empresas no processo de privatização: a Companhia Siderúrgica Nacional, a Light e, agora, a Companhia Vale do Rio Doce. O Conselho de Defesa Econômica - Cade, há poucos dias, ainda ressaltou os riscos que haveria na concentração de poder econômico em decorrência da privatização da Vale. Se considerarmos - e isso não estava no estudo - que os novos proprietários da Vale são, também, os sócios acionistas controladores da CSN e da Light, esse grau de concentração de poder vai ser mais acentuado. Ainda não estamos vendo quais as medidas preventivas que o Governo está a tomar, preventivas, em decorrência dos efeitos de concentração econômica muito grande. Finalmente, Senador, o que me parece extremamente falho também é que o Governo não assegurou à população brasileira, que em princípio é a proprietária nominal da Companhia Vale do Rio Doce, se, efetivamente, vai estar participando do usufruto da riqueza da Vale, seja diretamente dos recursos que passam para o Tesouro Nacional, seja decorrente da exploração de minérios para a vida toda, enquanto existirem, do ponto de vista de benefícios da população brasileira. Percebi, da parte do Governo, a criação de debêntures que vão ser destinadas ao BNDES para criar um fundo de financiamento a taxas mais baixas de juros para empresários, que já detêm patrimônio que vão gerar empregos, investimentos, mas em um processo que, antes de tudo, vai concentrar renda e riqueza e não democratizá-las. Esses aspectos não estão na análise do Deputado Roberto Campos, que só vê um lado do processo de privatização.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA - Muito obrigado, Senador Eduardo Suplicy.

Sr. Presidente, para encerrar, lembramos apenas mais uma irregularidade nesse processo de privatização da Vale, entre outras que já são objeto de ação judicial.

O edital da Vale foi aprovado pelo Conselho Nacional de Desestatização, no qual têm assento os Ministros do Planejamento, da Fazenda, o Presidente do BNDES etc. Esse edital estabelecia que o prazo para que os consórcios se habilitassem a participar do leilão iria até o dia 24 de abril às 16 horas. Todavia, às 16 horas do dia 24 de abril, apenas um consórcio havia se habilitado para participar e o BNDES, sem autoridade para isso, prorrogou o prazo de habilitação dos consórcios. Foi exatamente nessa prorrogação que se habilitou o Consórcio Brasil, o vencedor do leilão.

O BNDES não tinha autoridade para prorrogar esse prazo. Então, perguntamos: por que esse prazo foi prorrogado por duas horas e meia? Para viabilizar a habilitação de outro consórcio? Será que isso tem alguma relação com a impressão dos analistas de mercado que estranharam a falta de empenho, de agressividade do consórcio Valecom? Era de se esperar que esse fosse o vencedor porque era um consórcio formado por dois gigantes - a Anglo American e a Votorantim. As respostas a essas perguntas, tenho certeza, ainda virão.

Ainda temos seis anos de mandato nesta Casa e acreditamos que o Senado criará uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar todo esse processo que envolveu a privatização da Companhia Vale do Rio Doce.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/05/1997 - Página 9208