Discurso no Senado Federal

GRAVIDADE DO PROBLEMA DE EXPLORAÇÃO SEXUAL E DA PROSTITUIÇÃO INFANTO-JUVENIL NO BRASIL.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • GRAVIDADE DO PROBLEMA DE EXPLORAÇÃO SEXUAL E DA PROSTITUIÇÃO INFANTO-JUVENIL NO BRASIL.
Publicação
Publicação no DSF de 09/05/1997 - Página 9244
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • ANALISE, GRAVIDADE, PROBLEMA, EXPLORAÇÃO SEXUAL, PROSTITUIÇÃO, CRIANÇA, ADOLESCENTE, MENOR, MUNDO, ESPECIFICAÇÃO, BRASIL, REGIÃO NORDESTE.
  • DEFESA, URGENCIA, ADOÇÃO, PROVIDENCIA, IMPEDIMENTO, FALSIFICAÇÃO, DOCUMENTAÇÃO, IDENTIDADE, OBTENÇÃO, MAIORIDADE, MENOR, OBJETIVO, EXERCICIO, PROSTITUIÇÃO, PAIS.

A SRª BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nos últimos anos, são inúmeros os documentos que denunciam a exploração sexual de crianças com fins comerciais, em vários países do mundo.

Em agosto de 1996, realizou-se, em Estocolmo, Suécia, o Congresso Mundial Contra a Exploração Comercial Sexual de Crianças, evento do qual participaram cerca de 130 países, onde foram sugeridas medidas como:

1. Julgamento dos exploradores sexuais por uma Corte Internacional, uma vez que o tráfico de crianças e adolescentes é também internacional;

2. Criação de uma lista a ser divulgada pela Internet, que contenha relação de pessoas envolvidas na exploração sexual de crianças e adolescentes;

3. Criação de albergues para crianças e adolescentes resgatados das ruas;

Neste Congresso, tratou-se do turismo como grande indústria que é nos dias atuais, pois muitos países subdesenvolvidos colocam o turismo como sua principal fonte de renda. Para esses países, o turismo sexual é visto como uma infelicidade necessária para o desenvolvimento do turismo, e muitas vezes campanhas para acabar com a prostituição infantil entram em conflitos com órgãos governamentais.

Recentemente, em Genebra, a Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas - ONU - divulgou um informativo dizendo que a exploração sexual de menores está assumindo as proporções alarmantes de uma "epidemia", não havendo região, país, cidade ou aldeia alguma que esteja livre do problema.

Em nosso País, apesar de serem consideradas prioridade nacional absoluta nos discursos governamentais, milhares de crianças e jovens das camadas sociais menos favorecidas vivem, no dia-a-dia, o pesadelo de sentir, na carne, os sofrimentos e a violência da exploração sexual.

Desde a mais tenra idade, são violentadas, estupradas, exploradas e até leiloadas e vendidas. Ingressam numa rede que envolve não só exploradores e administradores de prostíbulos, mas também operadores turísticos, chefes de grupos de crime organizado, policiais corruptos e, muitas vezes, os próprios pais.

Todos nós sabemos que, no Brasil, o problema da exploração sexual e da prostituição infanto-juvenil é extremamente grave e constitui-se num dos componentes mais perversos da dramática realidade social.

Mesmo se quiséssemos, não poderíamos ignorar a amplitude dessa verdadeira tragédia social, pois é cada vez maior a frequência e o espaço ocupado pelo drama da exploração e da prostituição infanto-juvenil nos jornais e na televisão.

Muitas crianças e adolescentes, oriundas de famílias pobres, sem instrução e sem qualquer qualificação profissional, confessam que são prostitutas por necessidade econômica. Vendem o corpo nas ruas, nas saunas, nas casas de massagens, nos hotéis, nas casas noturnas, para escapar da miséria ou para sustentar famílias inteiras, que delas dependem para sobreviver.

Nas metrópoles inchadas, é grande o contingente de menores que vagam pelas ruas e se enveredam pelos caminhos do crime, das drogas e da prostituição.

O que ocorre no Rio de Janeiro, em São Paulo, em Belo Horizonte, em Manaus, em Recife, em Fortaleza, em Goiânia ou em Brasília, ocorre também em Foz do Iguaçu ou em Cuiú-Cuiú, um vilarejo perdido em uma área de garimpo, na Amazônia.

Nesse vilarejo, que se tornou uma referência simbólica da vergonhosa situação de nossas crianças e adolescentes vítimas de exploração sexual, após a denúncia feita em uma série de reportagens do jornalista Gilberto Dimenstein para o jornal Folha de S. Paulo, foi aberto, em 1992, um processo judicial sobre exploração sexual de adolescentes e manutenção de meninas como escravas, mas até hoje nenhuma das pessoas denunciadas foi julgada, apesar de todas as evidências de crime.

Essa ausência de punição é um incentivo perigoso que prejudica enormemente todos os esforços empreendidos para coibir a exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil tanto por cidadãos comuns, no dia-a-dia das cidades, quanto por turistas brasileiros e estrangeiros.

É preciso reconhecer que algo está sendo feito principalmente no sentido de dar um basta ao turismo sexual.

Neste ano de 1997, foi aberta pelo Governo brasileiro a caça ao turista que para aqui vem, principalmente atraído pelas facilidades oferecidas pela existência de um comércio do sexo infanto-juvenil.

O Brasil não quer mais ser considerado paraíso sexual. Está sendo incentivada até mesmo a denúncia de exploração de menores, com slogans do tipo "Denuncie a exploração do turismo sexual. Seu País não é bordel do mundo".

Campanhas inéditas são lançadas contra a exploração sexual de crianças e adolescentes por turistas, envolvendo agências de viagem, hotéis, restaurantes e táxis. Nas passagens aéreas, nas etiquetas das malas, nos avisos das suítes dos hotéis está prevista a colocação de mensagens claras indicando que "o Brasil está de olho na exploração do turismo sexual infantil" e que praticar sexo com criança, em nosso País, é crime e dá cadeia.

Apesar de reconhecer a importância de medidas como essas, sabemos que só isso não basta para acabar com a tragédia da exploração sexual infanto-juvenil em nosso País, pois existe, por trás dela, uma rede poderosa que se estende desde o aliciamento de jovens e o favorecimento à prostituição até o tráfico nacional e internacional de meninas, transformadas em simples mercadorias.

Além disso, há necessidade de investimentos econômicos na área social para que essas meninas, essas adolescentes, essas crianças possam ter acesso às escolas, possam ter condições de informações e, assim, não serem vítimas dessa economia que as excluem socialmente da possibilidade de ter seu emprego ou mesmo de estudar, fazendo com que vendam seu corpo.

O jornal O Globo, que desvendou o esquema de prostituição em Belém do Pará, revelou ao País, no dia 3 de maio passado, uma rede de traficantes estrangeiros que explora a prostituição infantil naquela cidade, vendendo, por R$2 mil, várias meninas com idades de 8 a 14 anos para boates da Holanda, Guiana Francesa e Suriname. As meninas vendidas recebem apenas uma passagem aérea de R$500 cada uma.

No dia de hoje, 8 de maio, o mesmo jornal noticia a guerra à exploração de crianças e adolescentes de 8 a 17 anos, declarada pela juíza Kédima Pacífico Lyra e pela promotora Leane Chermont, de Itaituba, Pará, denunciando outra quadrilha de exploração da prostituição infanto-juvenil na Região Norte. Essa guerra envolve a investigação sobre a morte misteriosa de uma menina que estava com um marinheiro estrangeiro em navio turco.

O jornal Folha de S.Paulo, do dia 27 de abril, publicou uma matéria que nos enche de apreensão, intitulada "Esquema Legaliza Prostituição Infantil". Em matéria de mais de uma página, a Folha denunciou um esquema que vem sendo utilizado para "legalizar" a prostituição de crianças e adolescentes em várias regiões do País.

Em Alagoas, para evitar problemas por serem menores, as meninas prostituídas usam documentos de pessoas já falecidas que, hoje, seriam maiores de idade. Uma rede de intermediários tira a segunda via dos registros de óbitos em cartórios do interior e os fornece às meninas por um preço que, naquele Estado, varia entre R$60,00 e R$200,00. De posse do documento de uma pessoa já falecida, qualquer adolescente menor de idade já pode "trabalhar" sem ser molestada pela polícia e, se quiser, pode obter, com relativa facilidade, até uma carteira de identidade.

Esse esquema ocorre também em outros Estados da Federação e permite, sem maiores atropelos, o funcionamento da chamada indústria do turismo sexual, principalmente no Nordeste do País, uma das regiões com maior concentração de crianças e adolescentes, onde são inúmeras as denúncias sobre prostituição infanto-juvenil.

Por isso, se providências urgentes não forem tomadas para coibir a emissão de documentos falsos que legalizam a situação irregular de milhares de jovens menores de idade em nosso País, camuflando a cruel realidade que tanto nos envergonha, de nada adiantará o aumento das punições aplicáveis aos criminosos que exploram sexualmente e levam para os trágicos caminhos da prostituição tantas crianças e adolescentes brasileiros.

O Senado Federal brasileiro não pode, de forma nenhuma, ficar ausente desse debate, dessa discussão e ausente também em votar urgências urgentíssimas em projetos que vão auxiliar o combate desse tráfico sexual infanto-juvenil existente neste País.

Não podemos também, Srª Presidente e Srs. Senadores, aceitar que o Brasil seja exportado como o das facilidades sexuais com as nossas crianças, que deveriam estar nas escolas. É uma vergonha sim, mas é um assunto que deve ser enfocado com ênfase e com as mesmas responsabilidades com que ocupamos esta tribuna para falarmos contra a privatização da Vale do Rio Doce, sobre a reforma agrária necessária neste País, sobre a educação e, sobretudo, dessa economia excludente que vai criando esses bolsões de miséria, levando a essa situação em que essas meninas e esses meninos tenham que se atirar nesta tragédia: o sexo como instrumento de trabalho, como sustento, como o pão de cada dia.

Por isso, estou na tribuna afirmando que os jornais, O Globo, Folha de S.Paulo têm-nos ajudado nessa tarefa. Já identificamos há muito a questão do turismo sexual e da prostituição infanto-juvenil neste País; desde quando pertencíamos à Câmara dos Deputados. Naquela Casa, a CPI pôde, mediante os depoimentos e as diligências realizadas, também constatar essa coisa incrível, horrorosa, com a qual convivemos naturalmente.

Não me calarei, Srª Presidente, Srs. Senadores, até que possa ver esse tema não só ser enfocado pelo Congresso Nacional Brasileiro, mas como uma tarefa, uma prioridade do Governo Federal, para que passemos dos discursos e das denúncias para uma prática sólida, imediata e urgente que a situação requer.

Era o que tinha a dizer, Srª Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/05/1997 - Página 9244