Discurso no Senado Federal

ESTRANHEZA COM A OMISSÃO, NOS DEBATES REFERENTES A REFORMA AGRARIA, DA MENÇÃO DO DOCUMENTO INTITULADO REFORMA AGRARIA, COMPROMISSO DE TODOS. DADOS ESTATISTICOS CONTIDOS NO REFERIDO DOCUMENTO QUE COMPROVAM AS REALIZAÇÕES DO GOVERNO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO NO AMBITO DAS QUESTÕES FUNDIARIAS.

Autor
Edison Lobão (PFL - Partido da Frente Liberal/MA)
Nome completo: Edison Lobão
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • ESTRANHEZA COM A OMISSÃO, NOS DEBATES REFERENTES A REFORMA AGRARIA, DA MENÇÃO DO DOCUMENTO INTITULADO REFORMA AGRARIA, COMPROMISSO DE TODOS. DADOS ESTATISTICOS CONTIDOS NO REFERIDO DOCUMENTO QUE COMPROVAM AS REALIZAÇÕES DO GOVERNO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO NO AMBITO DAS QUESTÕES FUNDIARIAS.
Aparteantes
Gilvam Borges, Iris Rezende.
Publicação
Publicação no DSF de 09/05/1997 - Página 9253
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • ELOGIO, ATUAÇÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, GOVERNO FEDERAL, PROMOÇÃO, ASSENTAMENTO RURAL, DESAPROPRIAÇÃO, TERRAS, ACELERAÇÃO, REFORMA AGRARIA, PAIS.

O SR. EDISON LOBÃO (PFL-MA. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o problema da reforma agrária, com as atuações desenvolvidas pelo chamado Movimento dos Sem-Terra, tem centrado as atenções de todo o País, especialmente pela ampla cobertura que o assunto merece da imprensa, da televisão e do rádio.

As mais diversas instituições da sociedade civil, além do Congresso e dos órgãos governamentais, têm abordado o problema da reforma agrária, enunciando críticas e sugestões em torno de um tema sobre o qual nem sempre estão bem informados. Tal problemática, na verdade, merece esse interesse da opinião pública e a atenção especial que lhe concede a mídia, pois se trata de uma das mais graves questões a desafiar a criatividade da administração pública. O que me causa estranheza nos debates referentes à reforma agrária, Sr. Presidente, é o quase silêncio que se faz em torno do documento intitulado "Reforma Agrária, Compromisso de Todos", elaborado pela Presidência da República. A meu ver, trata-se da mais substanciosa síntese sociológica até aqui levada a efeito sobre os estudos de tema tão discutido. E ali nesse documento vamos encontrar informações densas que contestam esses movimentos que aí estão de reforma agrária. Um folheto de apenas 94 páginas, que deveria ser leitura obrigatória para quantos se arrogam o conhecimento do assunto, faz um histórico sociológico magistral sobre o que podemos chamar a nossa cultura agrária, demonstrando que os nossos vícios fundiários iniciaram-se com as capitanias hereditárias criadas pela corte de Portugal, daí surgindo os hábitos e as normas que até hoje não puderam ser de todo suprimidas. Os dados estatísticos registrados em tal trabalho não deixam a menor dúvida de que o Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso cumpre o que prometeu seria realizado no seu Programa de Governo referente à política fundiária, conquistando a efetivação de metas jamais alcançadas pelo conjunto de todas as administrações que já lideraram o nosso País.

O SR. PRESIDENTE (Jefferson Péres) (Fazendo soar a campainha) - Desculpe-me interrompê-lo, Senador Edison Lobão, para prorrogar a Hora do Expediente por quinze minutos, para que V. Exª possa concluir seu discurso.

O SR. EDISON LOBÃO - Muito obrigado, Sr. Presidente.

Este é um indicador verdadeiramente avassalador.

Note-se, Sr. Presidente, que nenhum dos dados oferecidos pelo referido estudo foi contestado por quem quer que seja, mesmo porque se trata de dados estatísticos extraídos das mais qualificadas fontes.

Em apenas dois anos, não mais que isso, o atual Governo já assentou um total de famílias equivalente a quase metade de tudo que havia sido executado até o início da gestão Fernando Henrique Cardoso, ou seja, 104.956 famílias. Essas famílias receberam 3.502.252 de hectares desapropriados ou adquiridos pelo Governo nesses dois anos, onde hoje se alojam cerca de 350 mil pessoas.

Sr. Presidente, essa área distribuída aos sem-terra é de extensão maior que a Bélgica, numa Nação, como a nossa, em que a Amazônia ocupa 5 milhões de quilômetros quadrados (59% do território nacional), abrigando uma floresta espessa, de 3,45 milhões de quilômetros quadrados (40% do total), restando-nos 350 milhões de hectares de área agricultável aparente, segundo pesquisas do IBGE.

Vê-se, portanto, que a área distribuída aos sem-terra tem relevância até mesmo como representativa do esforço da sociedade brasileira para atender aos que não têm terra, mas aspiram nela trabalhar.

Na verdade, temos no Brasil uma disponibilidade de terras produtivas suficientes para uma ampla reforma agrária, cerca de 25 milhões de hectares dos 150 milhões detectados pelo IBGE. Digo 25 milhões de hectares - área igual aos territórios de Portugal, Suíça, Bélgica e Hungria somados - porque, segundo as próprias estatísticas, o grosso dos restantes 125 milhões de hectares espalham-se por florestas densas, regiões insalubres, isoladas, sem comunicações ou situadas em zonas com pouca água ou de solo frágil. Não é por falta de terra, portanto, que deixaremos de realizar uma reforma agrária que provavelmente não encontrará paralelo no mundo.

Quanto a sociedade paga pelo assentamento de uma família "sem-terra"? - esse é um outro dado de que a sociedade brasileira precisa ter consciência - é a pergunta formulada por todos e que o Presidente da República responde neste documento que elaborou e entregou para o conhecimento de todos nós.

O valor de R$40 mil em algumas regiões do centro-sul, onde a terra é mais cara, é o custo somente de um lote individual. Mas, para efeito de cálculo, os técnicos estimam em R$20 mil o custo médio para o assentamento de uma família.

Ao assumir um lote, cada família recebe R$340 para alimentação, mais um crédito de fomento de R$740, mais um crédito para construção de moradia de R$2 mil. Inscrevendo-se em seguida no Programa de Crédito Especial para a Reforma Agrária - Procera, tem acesso a três linhas de financiamento: crédito de custeio de R$1 mil; crédito de investimento de R$7,5 mil; e crédito cooperativo de mais R$7,5 mil para pagar a quota-parte da cooperativa do assentamento. O total dessa ajuda entregue ao assentado, além da terra, é de R$19.080,00.

O Sr. Gilvam Borges - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador Edison Lobão?

O EDISON LOBÃO - Ouço o nobre Líder Gilvam Borges.

O Sr. Gilvam Borges - Nobre Senador Edison Lobão, em primeiro lugar, quero parabenizá-lo por esse pronunciamento abalizado, fundamentado com dados que se fazem necessários. O Presidente Fernando Henrique Cardoso e seus Ministros têm feito o possível no tocante aos assentamentos por todo o País. É verdade, nobre Senador, que esses movimentos sociais, que deveremos reconhecer no sentido da pressão, vêm num vácuo, uma vez que as oposições ficaram, de certa forma, sem o seu discurso, em decorrência da queda do "Muro de Berlim", da reorganização de toda a sociedade. Desde a Revolução de 1914, a pregação única era a de que a humanidade deveria ter comumente tudo: a terra, os bens. Isso, pela nossa história, realmente, está comprovado. Esses dados nos dão a condição de que a propriedade privada, a produção de todo cidadão é inalienável. Onde Karl Marx e Engels erram é justamente em não verem a condição da pessoa como ser inteligente e com discernimento. Que ótimo seria se, como na Utopia, de Thomas More, pudéssemos ter e compartilhar tudo. Isso seria uma maravilha, mas não é da condição do ser humano e de sua inteligência. Compreendemos que esses movimentos têm abraçado aquela bandeira como a última alternativa. Quero me congratular com V. Exª pela coragem de fazer um pronunciamento baseado em dados concretos, mostrando-nos que realmente não houve, na História do Brasil, um Presidente que tomasse essas iniciativas no sentido de cumprir o seu programa, como está ocorrendo, e numa velocidade muito grande. Acredito, nobre Senador, que levaremos, no mínimo, de 30 a 40 anos nesse processo de assentamentos, porque vivemos em um País de dimensões continentais. Ao me congratular com V. Exª, quero dizer da minha alegria e satisfação de ver que há homens de coragem, assumindo suas posições, ao fazer um pronunciamento sobre a reforma agrária, principalmente nesse momento histórico, onde há um Presidente com a disposição de fazer a reforma agrária.

O SR. EDISON LOBÃO - Agradeço-lhe, Senador Gilvam Borges, o aparte.

V. Exª que vem do extremo norte do Brasil conhece as agruras dos nossos conterrâneos sem terra, as dificuldades por que passam, mas também os fatos emergentes e do conhecimento de todos do mundo moderno.

Na verdade, a reforma agrária brasileira começou a ser feita a partir de 1964. Antes disso, nela falava-se muito e por ela fazia-se pouco. Passou-se a fazer com o Estatuto da Terra, que é de 1964.

Mas o que se pretende, agora, é uma reforma agrária que seja realizada da noite para o dia. O que não é possível, como demonstra o Presidente da República nesse documento que entregou ao conhecimento de toda a Nação brasileira.

Como dizia, os assentados, além de receberem a terra, recebem mais R$19.080,00 para o seu assentamento.

Metade desses recursos é dada pelo Governo, a fundo perdido. Isto é, a família não terá de pagar. A outra metade é emprestada a prazo de sete anos, com dois de carência. Metade do crédito de custeio de R$1.000,00 teria que ser reembolsada pela família em um ano. Se pagar, o assentado terá direito a receber novo crédito de R$1.000,00 nas mesmas condições.

Não preciso ressaltar que raros são os que pagam tais dívidas, acumulando-se assim os custos do Tesouro Nacional. Não pagam, bem entendido, porque não podem pagar, porque não auferiram rendas que lhes permitam saldar compromissos mesmo que tão modestos.

Se se cumprir a meta oficial de serem assentadas 100 mil famílias em 1998, tal compromisso custará à Nação cerca de R$4 bilhões.

Nos dois primeiros anos do atual Governo, foram gastos cerca de R$2 bilhões e 700 milhões com a reforma agrária. Para 1997, o orçamento previsto representa um aumento de 80% sobre os gastos despendidos em 1996, isto é, vai-se gastar R$2.597.954.286,00 com os projetos de reforma agrária.

É também importante ressaltar que, nas principais desapropriações ou aquisições de terras pelo Governo, têm sido atendidas as solicitações das entidades vinculadas ao problema.

Em 1996, a Contag (Confederação dos Trabalhadores na Agricultura) indicou 226 áreas para reforma agrária: 28 eram inviáveis e, das 198 restantes, 100 delas desapropriadas ou adquiridas.

O MST (Movimento dos Sem-Terra) indicou 196 áreas: 15 eram inviáveis e 126, das 181 restantes, foram compradas ou desapropriadas pelo Governo Federal.

Em suma, o Governo, em dois anos, desapropriou 780 imóveis e comprou outros 62 para fins de reforma agrária, e registra como meta o assentamento, em quatro anos, de 280 mil famílias, ou seja, cerca de 25% a mais do que foi feito em todos governos federais anteriores somados, desde 1964.

O Sr. Iris Rezende - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. EDISON LOBÃO - Ouço com muito prazer o eminente Senador Iris Rezende, cuja experiência nesta matéria é conhecida. Foi Governador de Estado algumas vezes e Ministro da Agricultura e Reforma Agrária.

O Sr. Iris Rezende - Muito obrigado a V. Exª, Senador Edison Lobão, pelo aparte e pela referência elogiosa. Quero inicialmente cumprimentar V. Exª pela iniciativa de trazer à discussão desta Casa um dos temas hoje considerados mais polêmicos da vida brasileira, que é a reforma agrária. Não nos surpreende porque V. Exª, como homem público calejado, sensível, sempre está a preocupar-se com os problemas atuais que afligem a nossa população. Estou absolutamente de acordo com V. Exª em tudo o que foi afirmado até essa fase do seu discurso. Gostaria apenas de fazer aqui algumas observações. Quando digo que estou de acordo, estou de acordo com o volume do trabalho apresentado pelo Governo do Presidente Fernando Henrique. Sua Excelência, em pouco tempo, suplantou a ação de outros governos e tem estado voltado para a questão da reforma agrária, tem-se esforçado. Agora, temos que analisar a reforma agrária hoje, agora, sob alguns aspectos. Por que essa movimentação por todo o Brasil dos sem-terra? Entendo que a política econômica aplaudida por todos nós, que estabilizou a economia e que, praticamente, baniu a inflação, trouxe algumas conseqüências, e uma delas é o desemprego. Hoje são milhões de brasileiros desempregados, trabalhadores não especializados. Por outro lado, temos muitos pequenos proprietários que, em virtude também da política de estabilização econômica, perderam suas propriedades nos últimos anos. Não são poucos, são milhares. Naquela época, antes do plano, se a pessoa que devia um montante, a um banco ou a um particular, vendesse 10% da sua propriedade, seria o suficiente para quitar o seu débito. Mas, o que aconteceu? Com a elevação da taxa de juros, os seus débitos triplicaram, quintuplicaram, e o preço de suas propriedades foi reduzido; um alqueire de terra, que há dois anos, vamos dizer, valia R$12 mil, hoje vale R$4 mil - um terço do valor. Um lote urbano que, suponhamos, valia R$10 mil, hoje vale R$4 mil ou R$3 mil. O patrimônio, então, tornou-se insuficiente para a quitação do seu débito total, e esses proprietários foram obrigados a vender suas propriedades, ou, muitas vezes, perderam suas propriedades na Justiça, acorreram às cidades, não encontraram oportunidade de trabalho e se juntaram aos sem-terra. Agora, estando de acordo com tudo o que V. Exª afirmou, eu queria fazer uma observação: quando vem, por exemplo, uma catástrofe, uma enchente numa região do Brasil, o Governo despende um esforço extraordinário para acudir, quando vem uma intempérie no campo, o Governo se esforça e atende o agricultor prejudicado, e assim por diante. Então, mesmo diante do volume de assentamentos apresentado, eu gostaria que o Governo despendesse mais esforços, mas muito mais, como se fosse numa situação de emergência, para acudir os sem-terra, porque, na verdade, o mundo inteiro não compreende que num País como o nosso, com 8 milhões e 500 mil quilômetros quadrados, com uma área considerável de terras agricultáveis e com apenas 150 milhões de brasileiros, fiquemos a presenciar os mesmos, por todos os recantos do Brasil, a clamar por terra para plantar. Porque de todas as iniciativas, neste País, na área econômica, a pior delas é a roça. Se a roça fosse boa, fosse atraente, nós teríamos ainda 80% dos habitantes na zona rural; no entanto, hoje temos menos, temos em torno de 18%. Por quê? Porque o trabalho na roça é difícil. Então, não podemos permitir que pessoas que queiram buscar a área mais difícil das atividades humanas fiquem a clamar dia e noite, e - cá para nós - nos preocupando, porque o que se observa, hoje, no Brasil, é questão até de uma guerra civil. Estamos vivendo uma situação preocupante. São proprietários de terras se armando numa região e noutra, são os sem-terra a desafiarem o Governo, a desafiarem a própria sociedade, proclamando o desrespeito à Justiça e ao direito de propriedade. De forma que um esforço especial, muito especial, do Governo, nessa hora, poderia resolver, de uma vez por todas, o problema de terra para os trabalhadores sem terra. Meus cumprimentos pelo pronunciamento de V. Exª.

O SR. EDISON LOBÃO - A palavra de V. Exª é uma das palavras mais experientes deste País. V. Exª foi Prefeito da capital, foi Governador duas vezes, foi Ministro da Agricultura, e, muito mais do que isso, é um político que visita o interior do Estado freqüentemente. Conversa com proprietários e conversa com trabalhadores. É capaz, portanto, de haurir as aspirações do povo brasileiro no que diz respeito às políticas fundiária e agrária. Portanto, as observações de V. Exª devem ser levadas em consideração tanto por nós, aqui neste plenário, quanto pelo Governo, por tudo que elas significam de procedência, de densidade e de profundidade. Sou, portanto, agradecido a V. Exª pelo aparte, que é uma contribuição significativa a este discurso que faço, neste momento, que diz respeito à reforma agrária neste País.

Não posso deixar de concordar com V. Exª, quando diz que a agricultura brasileira, de algum modo, é desassistida, com o valor aviltado da própria terra e com o valor daquilo que a terra produz, por igual aviltado.

Não é assim em outros países. Os governos procuram assistir a sua agricultura. Na França, o Governo financia, subsidia pesadamente a produção do açúcar da beterraba, que custa mais do dobro do preço do açúcar da cana-de-açúcar. Aparentemente, seria muito melhor ao Governo francês permitir a importação do açúcar de outros países do que pagar o dobro pelo preço do açúcar da beterraba. O Governo francês faz isso para manter o homem no campo e prestigiar a sua agricultura.

Era isso que deveríamos fazer aqui também e não o fazemos. Sei que os Ministros da Agricultura, e V. Exª foi um deles, sempre clamaram por uma solução dessa natureza, mas nunca tiveram êxito total. V. Exª avançou muito. Distribuiu muita terra para os trabalhadores sem terra, e conseguiu avanço também no financiamento do subsídio à agricultura. Mas não conseguimos até hoje o necessário para que a nossa agricultura tivesse o prestígio que ela merece.

Sr. Presidente, não quero retardar mais a sessão. V. Exª já foi tolerante. Peço apenas que considere como lido o restante do meu discurso.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/05/1997 - Página 9253