Discurso no Senado Federal

FRACASSO DO NEOLIBERALISMO NA INGLATERRA. PAPEL DO BNDES. AGRESSIVIDADE DO PRESIDENTE DA REPUBLICA CONTRA OS PODERES JUDICIARIO E LEGISLATIVO E A CNBB. BARGANHAS PARA A APROVAÇÃO DA REELEIÇÃO.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • FRACASSO DO NEOLIBERALISMO NA INGLATERRA. PAPEL DO BNDES. AGRESSIVIDADE DO PRESIDENTE DA REPUBLICA CONTRA OS PODERES JUDICIARIO E LEGISLATIVO E A CNBB. BARGANHAS PARA A APROVAÇÃO DA REELEIÇÃO.
Aparteantes
Josaphat Marinho.
Publicação
Publicação no DSF de 06/05/1997 - Página 9036
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • CRITICA, LIBERALISMO, GOVERNO BRASILEIRO, DENUNCIA, ATUAÇÃO, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), FAVORECIMENTO, PRIVILEGIO, CLASSE SOCIAL, CAPITALISMO, RESPONSABILIDADE, FALTA, CONVENIENCIA, CRIAÇÃO, EMPRESA ESTATAL.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, GOVERNO, OPOSIÇÃO, JUDICIARIO, MOVIMENTO TRABALHISTA, SEM-TERRA, CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB).
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, ATUAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, MANIPULAÇÃO, VOTO, REELEIÇÃO.
  • COMENTARIO, LIBERALISMO, PAIS ESTRANGEIRO, INGLATERRA, ARGENTINA, EFEITO, DESEMPREGO, CONCENTRAÇÃO DE RENDA.

O SR. LAURO CAMPOS (PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, à medida em que o Plano Real começa a mostrar na prática suas contradições, a estrutura precária que constitui a sua engenharia e a sofrer as ameaças que o tempo traz à cronologia, à cronometragem que constituiu declaradamente a principal novidade deste plano, vemos que o Governo perde a serenidade, perde a calma e começa a desenfrear uma luta contra moinhos de vento.

Nesse caso, não vemos o Dom Quixote longilíneo, com a sua postura esquizofrênica e, do lado, o Sancho Pança prático, chegado às coisas do dia-a-dia, interessado em objetivos claros e definidos. O Ministro Sérjão, o Ministro Sérgio Motta tem muito da figura grotesca de Sancho Pança. Não gosta do sociologismo e das criações cerebrinas do Dom Quixote, companheiro seu.

E, agora, deveriam lançar um olhar pelo mundo, o que os levaria a verificar o fracasso do neoliberalismo na Inglaterra de Thatcher. Agora, na Inglaterra, parece que, além dos correios e da telefonia celular, restou ao governo vender apenas a si mesmo, vender o próprio governo, porque o resto já foi vendido. E o governo continua a gastar 43% do PIB, tal como o fizera ao tempo dos trabalhistas, em 1977/78, no final do governo trabalhista.

Na Inglaterra, o governo conseguiu arrecadar US$128 milhões, doando, vendendo e destruindo as empresas estatais. O desemprego cresceu mais do que as realizações destrutivas neoliberais. Bate recorde - com exceção da Espanha - no panorama europeu.

Em vez de prestar atenção ao que ocorre na Inglaterra, onde o candidato do partido conservador acaba de sofrer violenta derrota, no Brasil, os neoliberais, como costuma ocorrer em governos que entregam a irresponsabilidade aos mercados, demitem-se de suas obrigações na administração. Em vez de administrar o País, o Governo passa para a ofensiva, ataca o Judiciário, vê no Judiciário um inimigo, como declarou anteontem o Presidente do BNDES.

Deveria o BNDES estar a olhar o seu próprio umbigo, deveria verificar que é um dos mais perversos organismos da administração pública brasileira. O que fez o BNDES? Qual foi sua grande missão, desde 1953, quando foi inaugurado por obra e graça de seu criador, o ex-Senador Roberto Campos? Que fez o BNDES? Com o adicional do Imposto de Renda, foi o órgão condutor desses recursos da população para o bolso dos capitalistas do Rio de Janeiro, de São Paulo e de outras localidades.

Em estudo feito naquela ocasião e defendido numa tese de mestrado em São Paulo por uma ex-aluna minha, ficou demonstrado que o BNDES perde cerca de 50% do dinheiro que ele repassa aos capitalistas felizardos. E é muito fácil fazer isso. O que aconteceu com os recursos obtidos no Adicional do Imposto de Renda de 1953 a 1956? Foram depois incorporados e, com o dinheiro que obtiveram a taxas de juros irrisoriamente baixas no exterior, aumentou-se a nossa dívida externa. Para fazer o quê? Para alimentar aquilo que hoje o BNDES considera como as execráveis, as ineficientes, as antiquadas empresas estatais.

Quem foi o principal responsável pela criação e manutenção das empresas estatais, senão o próprio BNDES? Portanto, quem deveria ser privatizado primeiro no Brasil - e aí teria o meu aplauso - seria o BNDES, o órgão desestatizador irresponsável.

Portanto, o Governo, em vez de realizar, optou por desfazer, por desestatizar, por desempregar, por desarticular, por desconstitucionalizar, por desrespeitar.

É o Governo do "des". E, então, não conseguindo canalizar suas energias para realizações positivas, o Governo dirige suas energias no sentido da agressão. E agride a gregos e a troianos.

"Governo inicia ofensiva contra o MST", Jornal do Brasil. Jobim instrui Estados a abrir inquéritos por invasão de terras e de prédios públicos. Esse mesmo Ministro, hoje no Supremo Tribunal, que, de acordo com os jornais de ontem e de hoje estaria aconselhando o Presidente da República como proceder no caso dessa avalanche de ações contra o edital da Vale do Rio Doce, como se fosse função de um recém-nomeado Ministro da Suprema Corte ser assessor do Presidente da República! E certamente ele será, no futuro próximo, um dos julgadores desses casos dos quais ele é conselheiro. E foi ele mesmo que fez retroagir a demarcação das terras indígenas e seus direitos, para provocar tumultos, obviamente para acirrar os ânimos daqueles que se julgavam no direito de invadir terras indígenas.

E, agora, os jornais noticiam que Sua Excelência, o Presidente da República, acaba de afirmar que a CNBB é mentirosa, que mentiu a respeito do Proer, a respeito do Movimento dos Sem Terra. Sua Excelência, o Presidente da República, foi queixar-se ao Papa que havia, na pastoral da terra, inimigos seus. Ao acoimar a CNBB de estar faltando com a verdade, é Sua Excelência que o faz. Entre outras coisas, a CNBB apontou o abuso cometido por Sua Excelência de, através de um ato autoritário, ter criado o Proer e com este ter passado mais de R$20 bilhões para os banqueiros deste País. Vinte bilhões de reais, cerca de seis ou sete vezes o valor total que será arrecadado pelo Governo com a venda da Vale do Rio Doce. Passou seis Vales do Rio Doce para os banqueiros brasileiros e continua a dizer que a CNBB mente porque esse dinheiro foi para salvar os depositantes. Não é verdade. A CNBB é que está correta.

Por exemplo, tomemos o caso, o primeiro deles, aquele que tomou toda uma noite de sábado de Sua Excelência, o Presidente da República, que trabalhou até as 22 horas para conseguir formular o Proer que iria salvar o Banco dos Magalhães Pinto, o banco de seus netos que ele disse estar prejudicando. "Estou prejudicando meus netos!" Imagine só!... Se dar 5,9 bilhões aos netos pode prejudicar a sua descendência. Nunca vi um vovô tão bom na minha vida! E não é verdade que a CNBB tenha cometido uma incorreção, porque dos 5.9 bilhões que o Banco Nacional recebeu, por meio do Proer, apenas 2 bilhões se destinaram ao pagamento dos depósitos, portanto, à salvaguarda dos depositantes, 3,9 bilhões daquela importância se destinaram a banqueiros, sim. A CNBB tem razão. O Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra também tem razão. O Governo iniciou, através do Ministério da Reforma Agrária e do Ministério da Justiça, um processo de fechamento do espaço que o Movimento dos Sem-Terra precisava conquistar e que, finalmente, vem conquistando.

Agora, diz-se que a CNBB cometeu a infâmia de afirmar que o Governo, interessado nas eleições, estaria usando a máquina, favores e benesses - o "toma lá, dá cá" - para garantir o seu processo de reeleição.

De novo é a CNBB que tem razão, pelo menos de acordo com inúmeras notícias divulgadas pelos jornais. Por exemplo, no Correio Braziliense, de 28 de janeiro deste ano, foi publicada a seguinte manchete: "Planalto usa tudo como poder de convencimento". Um trecho do artigo diz o seguinte: "Deputados capturam indecisos um a um. Estabilidade em troca da reeleição. O Deputado Eraldo Trindade, PTB-AP, foi recebido na quinta-feira pelo Presidente da República e abriu o jogo. Disse que mudaria de posição e votaria a favor da reeleição se o Governo resolvesse a situação de seis mil servidores federais não estáveis ameaçados de demissões no Amapá. No processo de sedução vale tudo: promessa de canais abertos, cargos públicos, liberação de verbas e execução de obras nas bases eleitorais de cada um."

"Murmúrio dos cargos atrai votos pró-FHC." Ao invés do murmúrio das ruas, diz a Folha de São Paulo de terça-feira, 28 de janeiro, que Sua Excelência prefere ouvir o murmúrio dos cargos ao invés da voz rouca das ruas. Portanto, não é a CNBB que está inventando coisa nenhuma. Moreira Franco afirmou: "Junto com a voz rouca das ruas, os Deputados estão ouvindo os murmúrios dos cargos oferecidos pelo Executivo. A ameaça de perder os cargos que ocupa no Governo está sendo decisiva para a virada de votos a favor não só no PMDB, como no PPB de Paulo Maluf."

"Para dar voto a favor, Deputados pediram de tudo. Pefelista fez lista e petebistas prometeram até esquecer compromisso acertado com ex-Prefeito."

No Jornal O Estado de São Paulo de quarta-feira, 29 de janeiro, disse um preclaro Deputado entrevistado: "Bem que poderia ter uma dessas reeleições por mês!"

Uma dessas reeleições por mês, deseja o preclaro Deputado entrevistado, de acordo com a declaração no jornal O Estado de S. Paulo do dia anteriormente citado.

"Pressão dos Governadores contém rebeldes". E, depois, a convocação dos financiadores de campanha que aqui estiveram em massa para pressionar os Deputados financiados, de acordo com a imprensa. Não acredito que haja Deputado nem financiado, nem Deputado teleguiado dos seus financiadores; todavia, é o que a imprensa noticia, é o que se diz, é o que o Plenário repleto de pessoas estranhas parece demonstrar.

"Promessas e pressões viraram casacas" - Folha de S. Paulo, quinta-feira. Não é a CNBB. A verdade que a CNBB fala que desagrada tanto o autoritarismo no poder.

"Deputados cobram FHC por seus votos".

"Três Deputados Federais do Amapá cobraram do Presidente Fernando Henrique Cardoso a compensação por terem votado a favor da reeleição, anteontem, na Câmara." (30/01/97).

"Depois da vitória, surge o primeiro caso de retaliação". "Um voto por seis mil empregos": Correio Braziliense de 30/01/97 - pág 11.

Será que todo mundo está mentindo? Será que só Sua Excelência o Senhor Presidente da República e o Sr. Ministro Sérgio Motta é que falam a verdade? Ou será que quem mandou esquecer tudo o que disse não tem muita firmeza naquilo que fala?

"Barganha de voto já rende ao baixo clero dividendo político." Folha de S.Paulo, 25 de fevereiro.

Portanto, não é verdade a acusação feita por Sua Excelência o Senhor Presidente da República à CNBB, que disse o que disse, que fez acusações com base em dados irrefutáveis.

Para terminar, não apenas o que aconteceu na Inglaterra, como acabei de ler, onde se diz que só resta ao governo vender o próprio governo, porque tudo o mais já foi vendido, e o déficit continua o mesmo de 1977 e 1978.

Passo a ler o que aconteceu na Argentina:

"Concentração de renda aumenta na Argentina"

Em 1974, os 30% mais pobres recebiam 11.2% da renda nacional. E, em 1996, com o governo liberal do Sr. Menem, ao invés de 11.2%, recebem 8.2%. A classe alta que, em 1974, detinha 28.2% da renda nacional, agora se apropria de 36.3% da renda nacional.

O Sr. Josaphat Marinho - Senador Lauro Campos, V. Exª me permite um aparte?

O SR. LAURO CAMPOS - Senador Josaphat Marinho, se a Mesa consentir, terei muito prazer.

O Sr. Josaphat Marinho - Como sempre, meu aparte é rápido.

O SR. PRESIDENTE (Geraldo Melo) - Senador Josaphat Marinho, embora o tempo do orador esteja esgotado, não quero privar a Casa da oportunidade de ouvir a conclusão do discurso e o aparte de V. Exª.

O Sr. Josaphat Marinho - Muito obrigado por sua compreensão, Sr. Presidente. Nobre Senador, V. Exª fala de problemas políticos correlacionados com os problemas econômicos. Note a advertência que foi feita ao neoliberalismo no mundo: no dia 1º de Maio todas as manifestações foram de protestos contra os governos, lá e cá.

O SR. LAURO CAMPOS - Agradeço muito a V. Exª a lembrança do sintoma tão importante do fracasso dessas medidas que, realmente, acabam criando, em escala mundial, um bilhão de desempregados.

De acordo com dados de uma reunião internacional de sindicatos realizada na Europa no mês passado, três bilhões de pessoas estão recebendo, no máximo, US$2 por dia.

Portanto, é natural, é compreensível que o Governo do Presidente FHC, não tendo canalizado suas energias, sublimado suas energias para realizações em resposta às necessidades da sociedade, tenha partido para conduzir essas suas energias transbordantes para agressividade aos Poderes: ao Judiciário, ao Legislativo e, finalmente, ao sofrido povo brasileiro.

Agradeço ao nobre Presidente pelo prolongamento do meu período de fala e ao eminente Colega, Josaphat Marinho, pelo seu aparte que engrandeceu o meu modesto pronunciamento.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/05/1997 - Página 9036