Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM A MEMORIA DO EDUCADOR PAULO FREIRE.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM A MEMORIA DO EDUCADOR PAULO FREIRE.
Publicação
Publicação no DSF de 08/05/1997 - Página 9169
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, PAULO FREIRE, PEDAGOGO, ESTADO DE PERNAMBUCO (PE).

A SRª BENEDITA DA SILVA (BLOCO/PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, esse tempo dedicado à memória do grande educador Paulo Freire trouxe-me à tribuna para falar da minha dor, do meu sentimento, em razão desta grande perda para todos nós brasileiros.

Homenagear aquele que tenha dado uma contribuição do seu conhecimento, é uma homenagem; mas homenagear a quem fez do seu conhecimento um instrumento de conscientização e organização de um segmento da sociedade é mais que um aplauso, merece mais que um louvor.

Tenho uma admiração muito grande por esse personagem, porque ele, com aquele seu jeito macio de dizer as coisas, sempre colocou palavras certas nos momentos certos.

Ao entender que esse homem tinha um desejo enorme no seu coração, de que este País não tivesse uma analfabeto sequer e, ao mesmo tempo, que a educação estivesse voltada para o interesse do acréscimo da consciência e da organização do indivíduo.

Dizia eu ontem, em comunicação inadiável, que Paulo Freire deixou suas marcas no morro do Chapéu Mangueira, onde vivo até hoje.

Quando ali chegou, com um método de educação revolucionária, a sua presença física e o seu conhecimento significavam que teríamos uma nova forma de aglutinar as pessoas em torno dos seus problemas e através de um processo educacional, para que pudéssemos, organizadamente, buscar os nossos interesses e também o nosso aprendizado.

Esse homem, esse educador, que não viu barreiras e que pôde, ao longo da sua trajetória de vida como educador, contribuir não apenas dentro do Brasil mas também fora dele. O Brasil deve muito a Paulo Freire, deve muito mais ainda por não ter reconhecido, oficialmente, a sua contribuição intelectual didática, que fez com que a comunidade favelada, não apenas do Estado do Rio de Janeiro mas do País, tivesse uma organização consciente, voltada para o interesse da organização comunitária. Talvez poucos saibam disso.

Pois bem, foi através da leitura e da educação do método revolucionário de Paulo Freire que conseguimos organizar a comunidade e, como disse ontem, aprender que o Ivo, na favela, não vê a uva, que o Ivo, na favela, vê a vala, e que o Mimi não bebia o leite do prato, mas que se matava o Mimi para poder ter um alimento na mesa. Este é o método que, atribuído a essa didática, fez com que pudéssemos entender que, como cidadãos, teríamos direito à educação. E uma educação, para que possa ser plena, total, deve estar associada aos direitos fundamentais do ser humano.

E falávamos do saneamento básico na comunidade. Uma comunidade que pôde, através desse método, sair do poço em que vivia, ter uma organização política consistente e enfrentar a adversidade que assolou e ainda assola muitas comunidades, que é a ausência do Poder Público no atendimento às demandas dessas comunidades.

Este é o nome que estamos homenageando. Mas, mais que um nome, um personagem; mais que um personagem, é um ser humano extraordinário, cuja vida foi de utilidade em cada segundo e que soube viver, nos momentos mais difíceis, a consciência de que um povo livre é um povo educado. E por isso contribuiu. Para ele, não precisaria de um grande monumento chamado escola. Para o seu método, precisaria apenas que tivéssemos as pessoas interessadas e localizadas para ali começar o aprendizado.

Foi com ele que aprendi que, na verdade, o professor não ensina, que há uma troca de informações, num processo muito rico entre o educador e o que está sendo educado. Porque tanto um quanto outro receberam uma cultura de classe social, pelos seus conhecimentos regionais, climáticos, uma cultura rica, trocada no momento em que se está evoluindo um pensamento para chegar à sistematização de um método.

Foi com ele que aprendi o valor do aluno e do Professor numa sala de aula.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, essa homenagem que gostaria de fazer a Paulo Freire não tem um milésimo sequer do que ele conseguiu passar para nós, em particular para Benedita da Silva.

Foi assim, exatamente assim, que comecei a dar os meus primeiros passos, dando de graça o que de graça tinha recebido. Comecei a dar aulas por esse método, sendo uma professora leiga, porque aprendi com ele que o saber que eu tinha precisava ser trocado com o saber que os outros também tinham. Foi assim que comecei a dar aula e a interessar-me a realizar, de certa forma, o sonho de minha mãe, pois àquela época era bom ser professora, era dignificante.

Passaram-se muitos anos e eu não tive oportunidade de formar-me professora aos meus 18, 19 anos. Mas, um pouco adiante, com o Método Paulo Freire, pude realizar o sonho de mamãe e também ver a utilidade de trocar informações e ver nascer, crescer, pessoas que hoje encontro casadas e na universidade. Essas pessoas puderam freqüentar as escolas públicas do País porque passaram por esse Método, que organizadamente pôde exigir que a escola oficial, a escola pública tivesse vagas para seus filhos e para elas próprias.

Que contribuição magnífica é, na vida de uma cidadã, passar para uma pessoa que, no tempo devido, pôde apenas freqüentar o primário, toda a energia e informações que a fizessem acreditar que essa possibilidade viria. Não importava quando. E foi o que realmente aconteceu.

Anos se passaram e lá estava eu freqüentando a escola, e, depois, a universidade. Tudo isso por conta daquela grande contribuição, que começou na escola primária, com aquele método revolucionário, dando consistência à consciência dos menos favorecidos.

Paulo Freire, muito obrigado! Você merece de todos nós esta homenagem.

Quero dizer aos seus familiares o quanto ele foi bom e generoso com os menos favorecidos. Mas gostaria de registrar, particularmente, os meus agradecimentos e dizer da minha dor e do meu reconhecimento. Desejo mandar meu abraço a essa família enlutada, esposa e todos os filhos que Paulo Freire teve - entre os quais me incluo, não pela idade, mas pelo reconhecimento do quanto ele foi útil e por ter representado um passo muito grande em minha vida.

Não poderia deixar de fazer esta grande homenagem a todos os seus familiares.

Paulo Freire, meu abraço e minha saudade. E, pode crer: saber não ocupa lugar. O que plantou, estaremos colhendo, enquanto houver um fôlego de vida em cada um de nós, brasileiros.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/05/1997 - Página 9169