Discurso no Senado Federal

ASPECTOS SOCIAIS DA CREMAÇÃO DO INDIO GALDINO, AINDA EM VIDA, EM BRASILIA.

Autor
José Ignácio Ferreira (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/ES)
Nome completo: José Ignácio Ferreira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS. SEGURANÇA PUBLICA.:
  • ASPECTOS SOCIAIS DA CREMAÇÃO DO INDIO GALDINO, AINDA EM VIDA, EM BRASILIA.
Publicação
Publicação no DSF de 09/05/1997 - Página 9291
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS. SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • REFERENCIA, CRIME, VITIMA, INDIO, BRASILIA (DF), DISTRITO FEDERAL (DF), ANALISE, CRISE, CIVILIZAÇÃO, INVERSÃO, VALOR, CULTURA, OPOSIÇÃO, CONSUMO.
  • DEFESA, REFORMULAÇÃO, CODIGO DE PROCESSO PENAL, CRITICA, IMPUNIDADE.

              O SR. JOSÉ IGNÁCIO FERREIRA (PSDB-ES. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o recente caso da cremação de um pobre índio, ainda em vida, merece algumas reflexões um tanto diferentes. Claro que não se trata de diminuir ou acrescentar nada à hediondez do crime e sim reconhecer que ele se reveste de mais outras implicações e conseqüências.

              Ninguém se iluda. Há mais gente envolvida. Não se pense então em co-autores materiais. E as responsabilidades neste aspecto são mais culposas que dolosas. São, em primeiro lugar das famílias. Em segundo, da própria sociedade. Não me refiro em especial aos pais dos envolvidos. O choque do episódio também deve ser terrível para eles. Refiro-me à chamada nova família da era pós-industrial. Ela vive sob a pressão da competitividade, orientada para o êxito, alimentada pela velocidade em alcançá-lo. Agora a concorrência se projeta em escala até mundial neste processo de globalização, maior que todos os anteriores. É competição de salários e lucros para gastá-los. Aumenta a febre consumista. As vitrines hipnotizam de jovens a adultos e velhos de ambos os sexos. E a todas as cores e classes sociais. A questão é ver quem ganha mais para gastar o máximo.

              Os filhos e filhas ficam relegados, se não forem um estorvo. Nos países ricos eles são evitados. Poucos os filhos ou mesmo nenhum, o melhor para os casais. E quando vêm as proles, se vêem deixadas nas mãos das empregadas e olhando a televisão, uma espécie de babá eletrônica. Perde-se o contato entre gerações. Perde-se, portanto, a saudável oportunidade de transmissão dos valores de uma a outra. A crise é também da civilização, além da crise da economia. Então, nem o professor nem a polícia, consegue substituir os pais.

              O resultado já se pode prever. Os filhos e filhas imaginam estar recriando o mundo, na medida das influências recebidas na rua ou pela televisão e Internet, esta avenida eletrônica. Quanto à religião, nem falar. Ainda a maioria dos pais há muito se encarregou de declará-la superada, anacrônica, arcaica.

              Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, onde buscar os valores da cultura, após tamanha tempestade?

              Evidentemente em lugar nenhum.

              Daí a vida na rua, que não escolhe as companhias. Todo mundo vai para ela e nela permanece a maior parte do tempo possível. Em meio ao seu tédio, de inúmeras experiências logo esgotadas, ocorrem outras tentações mais fortes. Até o sexo deixa de bastar. De volta ou indo para a farra, jovens de classe média, em busca de novas, mais intensas experiências, divisam um coitado dormindo no chão de uma parada de ônibus. Logo pensam em nada mais nada menos que em queimá-lo vivo. Faltava esta emoção violenta. Passam da palavra ao ato e o resultado se viu: cremam um pobre índio pataxó de nome Galdino dos Santos.

              A imprensa explode em reclamações. A polícia consegue descobri-los e prendê-los. Ainda bem que não tinham um habeas corpus preventivo no bolso, como sucede em geral com a maioria dos bandidos, para desalento de policiais mal pagos, sem carreira funcional, muito menos treinamento adequado. Daí cederem às vezes às pressões.

              O caminho para superação do problema apresenta-se inevitavelmente complexo, embora não sirva de pretexto para minorar as punições. Pelo contrário, urge acelerar as reformas empreendidas no Código de Processo Penal pelo atual Governo. Não se pode nem se deve mais aceitar a lentidão processual, a ponto de ninguém se lembrar mais do caso quando enfim vem o julgamento. Então a comiseração se estende da vítima esquecida, aos réus transformados em coitados. Daí a tendência a sentenças suaves, ademais encurtadas pela metade por bom comportamento. Em breve os criminosos vão para a rua, para em geral voltarem a delinqüir.

              Não deixemos a memória esfriar. É preciso mantê-la viva e agirmos, senão os episódios se repetirão. E cada vez mais em pior escala.

              Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/05/1997 - Página 9291