Pronunciamento de Jefferson Peres em 09/05/1997
Discurso no Senado Federal
DENUNCIAS VEICULADAS PELA IMPRENSA DE QUE ALGUNS PARLAMENTARES TERIAM SIDO BENEFICIADOS COM EMENDAS VINCULADAS NO ORÇAMENTO DA UNIÃO. FISIOLOGISMO DE PARLAMENTARES. REPUDIANDO EPISODIOS DO APITAÇO E DE AGRESSÃO FISICA, OCORRIDOS EM SESSÃO PLENARIA NA CAMARA DOS DEPUTADOS. TRANSIÇÃO DO GOVERNO BRITANICO APOS A ULTIMA ELEIÇÃO.
- Autor
- Jefferson Peres (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
- Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
ATUAÇÃO PARLAMENTAR.
POLITICA PARTIDARIA.:
- DENUNCIAS VEICULADAS PELA IMPRENSA DE QUE ALGUNS PARLAMENTARES TERIAM SIDO BENEFICIADOS COM EMENDAS VINCULADAS NO ORÇAMENTO DA UNIÃO. FISIOLOGISMO DE PARLAMENTARES. REPUDIANDO EPISODIOS DO APITAÇO E DE AGRESSÃO FISICA, OCORRIDOS EM SESSÃO PLENARIA NA CAMARA DOS DEPUTADOS. TRANSIÇÃO DO GOVERNO BRITANICO APOS A ULTIMA ELEIÇÃO.
- Aparteantes
- Bernardo Cabral, Nabor Júnior.
- Publicação
- Publicação no DSF de 10/05/1997 - Página 9311
- Assunto
- Outros > ATUAÇÃO PARLAMENTAR. POLITICA PARTIDARIA.
- Indexação
-
- COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, OCORRENCIA, CORRUPÇÃO, ATUAÇÃO PARLAMENTAR, PREJUIZO, REPUTAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL.
- COMPARAÇÃO, BRASIL, PROCESSO ELEITORAL, POLITICA PARTIDARIA, DEMOCRACIA, PAIS ESTRANGEIRO, INGLATERRA, ANALISE, VANTAGENS, PARLAMENTARISMO.
O SR. JEFFERSON PÉRES (PSDB-AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, esta semana que se encerra não foi propriamente honrosa para o Congresso Nacional nem para a classe política. A imprensa nos dá conta de episódios realmente lamentáveis.
Em primeiro lugar, as denúncias que pipocam nos jornais a respeito da aplicação de verbas orçamentárias em Municípios, provenientes de emendas de Parlamentares beneficiando suas próprias propriedades. Em segundo lugar, a notícia de uma espantosa reunião do Ministro das Comunicações com parlamentares da base governista, na qual o fisiologismo explícito foi tamanho que teria levado o Ministro Sérgio Motta a desabafar: "Tem deputado que a gente só pode conversar na sauna, sem toalha, sem nada"; ou seja, para não ser tungado, Sr. Presidente.
E, para culminar, houve o episódio vergonhoso do plenário da Câmara, transformado em picadeiro, com deputados possessos apitando, numa reprodução do "apitaço" dos maconheiros da praia de Ipanema no Rio de Janeiro. Sessão que terminou com murros trocados por parlamentares diante das câmeras de televisão.
Sr. Presidente, esses episódios deprimentes levam-nos, inevitavelmente, a uma comparação - para nós, desprimorosa - com o processo eleitoral num país civilizado como a Inglaterra, cuja eleição se realizou no último dia 1º de maio. O processo eleitoral inglês se desenrola da seguinte maneira: são apenas 45 dias de campanha. Quem já esteve na Inglaterra em período eleitoral, como eu, sabe que a campanha quase não é visível, a não ser outdoors dos partidos com algumas mensagens ao eleitorado. Não há pixações de paredes nem de vias públicas, nem cartazes em postes, nada. A campanha é baratíssima. Cada Deputado disputa no seu próprio distrito, que é pequeno, com um eleitorado não-clientelista, ao qual ele não tem que prestar favores; ele tem que prestar contas da sua atuação, isso sim.
A campanha na Inglaterra, como se sabe, é das mais baratas do mundo. Quanto ao uso da máquina pelo partido no poder, nem pensar, Sr. Presidente! É inimaginável um membro do gabinete britânico ou de segundo ou terceiro escalão usar a máquina administrativa para seu próprio benefício eleitoral. Essa prática comum, corriqueira no Brasil, lá simplesmente não existe.
E quando as eleições se realizam, Sr. Presidente, o que acontece? Todos vimos há pouco: as eleições se realizaram no dia 1º de maio desta forma: sem dispêndio de dinheiro, sem compra de votos, sem sujeira na cidade. Às 3h da madrugada, o Primeiro-Ministro John Major reconhecia a derrota e cumprimentava seu adversário. Ao meio-dia, ele estava no Palácio de Buckingham, entregando o cargo à Rainha. Chegou no carro oficial e, ao sair, na porta do Palácio, diante da imprensa, dispensou o carro oficial - porque não era mais Primeiro-Ministro -, tomou um táxi e, quando os repórteres lhe perguntaram sobre o que ele iria fazer, respondeu: "Por hoje vou jogar uma partida de críquete". E, com essa fleugma, foi embora e desapareceu. Sumiu do governo.
Uma hora depois, estava no Palácio Tony Blair, do Partido vitorioso, que recebia da Rainha o convite para formar o novo governo. No mesmo dia, ia à residência oficial de Downing Street inspecionar a casa onde iria morar. No dia seguinte, prestou juramento de fidelidade à Rainha, o que equivale à tomada de posse. E estava feita a transição de governo. Em 24 horas, de forma absolutamente civilizada, fez-se a transição de governo na Inglaterra.
O Partido Trabalhista tem maioria e vai governar com essa maioria. Em nenhum momento, vai-se ter notícia de que o Primeiro-Ministro Tony Blair negociará com os deputados do seu partido, seja o que for, Sr. Presidente, porque o partido vitorioso vai governar com um programa; e, enquanto o Primeiro-Ministro for fiel a ele, vai se manter no cargo.
O Sr. Bernardo Cabral - Permite-me um aparte, Senador Jefferson Péres?
O SR. JEFFERSON PÉRES - Concedo-lhe o aparte, com muito prazer, Senador Bernardo Cabral.
O Sr. Bernardo Cabral - Veja que, ao longo de todos esses anos, V. Exª e eu temos doutrinado alguns companheiros, tentando mostrar-lhes que essa é a mazela do presidencialismo. Na Inglaterra, Tony Blair vai poder fazer isso, porque o sistema parlamentarista de governo, ainda que seja o sistema parlamentarista monárquico, faz exatamente isto: apresenta o seu sistema de governo e não tem como barganhar. Não há possibilidade de se fazer essa troca, essa barganha que enlameia, que sempre atira pedras no Legislativo. De modo que a apreciação de V. Exª, além de correta, nos reporta à raiz. Tudo isso padece de um vício de origem no Brasil: o sistema presidencialista. Lá, com o sistema parlamentarista, com a maioria, com o seu programa de governo, o Primeiro-Ministro poderá continuar as conquistas que a Inglaterra até hoje vem mantendo. Eu queria apenas fazer esse registro, porque sei que V. Exª está a concluir o seu pronunciamento, e este seria um belo fecho para ele.
O SR. JEFFERSON PÉRES - Muito obrigado, Senador Bernardo Cabral.
É exatamente isto: nós, V. Exª e eu, participamos da campanha a favor do parlamentarismo. Creio que foi um erro clamoroso da população, do povo brasileiro, não ter aprovado o parlamentarismo.
E o curioso, Senador Bernardo Cabral, é que não aprovou o parlamentarismo equivocadamente, pensando exatamente que haveria fisiologismo no Congresso. É exatamente o contrário, o fisiologismo ocorre no presidencialismo, Sr. Presidente, pela simples razão de que ninguém gostaria de abreviar o seu mandato. No parlamentarismo, se os parlamentares quiserem achacar o Primeiro-Ministro, dissolve-se o Parlamento e convocam-se novas eleições - o mandato pode durar um ano. O Primeiro-Ministro jamais será refém de um parlamento fisiológico. No presidencialismo sim, com quatro e oito anos de mandato assegurados, o Presidente é que fica refém de parlamentares fisiológicos.
E por que, Sr. Presidente, não foi aprovado o parlamentarismo? Em grande parte porque partidos que eram parlamentaristas defenderam o presidencialismo, por puro oportunismo. Lamento que não haja ninguém do PT em plenário, mas devem estar em seus gabinetes ouvindo. O PT era parlamentarista e defendeu o presidencialismo, porque o Lula estava na frente das pesquisas, e eles pensavam que iriam ganhar a eleição presidencial, como também pensava e imaginava o Sr. Leonel Brizola. E, por isso, eles fizeram campanha aberta pelo presidencialismo. Apenas por isso, não por convicção doutrinária, Sr. Presidente.
O Sr. Nabor Júnior - Permite-me um aparte?
O SR. JEFFERSON PÉRES - Concedo-lhe o aparte, Senador Nabor Júnior.
O Sr. Nabor Júnior - Senador Jefferson Péres, V. Exª está colocando em evidência os últimos acontecimentos políticos ocorridos na Inglaterra, com a renovação do Parlamento e a constituição de novo governo, agora dirigido pelo Partido Trabalhista. Quero ressaltar o aspecto de que isso é mais umas das virtudes do parlamentarismo, que ambos defendemos. Participei da campanha em favor da sua implantação no Brasil, o que, infelizmente, não foi aprovado pela população no plebiscito de alguns anos atrás, na certeza de essa transição, no regime parlamentarista, faz-se automaticamente, não só na Inglaterra, mas em todos os países parlamentaristas: realiza-se a eleição, o governo é mantido ou não. Se não for mantido, no mesmo dia transfere o poder, a direção da administração pública, para o adversário vitorioso. Mas há também outro aspecto, fundamental, digno de ser devidamente considerado: na Inglaterra existem partidos fortes. Num regime de múltiplos partidos, como acontece no Brasil, dificilmente qualquer legenda - mesmo uma das quatro grandes, PMDB, PFL, PSDB e PT - teria condição de formar um gabinete com seus próprios parlamentares. Ele teria que fazer complicadíssimas coligações com outros partidos. Na Inglaterra, existem dois grandes partidos, dois partidos fortes, que são o Partido Conservador e o Partido Trabalhista; a terceira força, o Partido Liberal, é de menor porte. Há, também, dezenas de outros partidos, praticamente inexpressivos, que elegem um pequeno número de parlamentares.
No Brasil, não. Para implantarmos o parlamentarismo e dar-lhe eficácia - nos moldes da Inglaterra, da Itália e de outros países democráticos - há necessidade, em primeiro lugar, de fortalecerem-se os partidos, de instituir cláusulas, barreiras, para evitar a sua proliferação em dezenas e dezenas, como vemos hoje no Congresso Nacional, onde existem 30 ou 40 grêmios que dificultam a vida partidária e atrapalham a administração pública. Às vezes, há necessidade do Presidente da República negociar com um partido que tem 10 ou 12 Deputados, obrigando S. Exª a fazer concessões para preservar a sua maioria parlamentar. Essa reforma política de que estamos tratando no Congresso Nacional realmente precisa, em primeiro lugar, conter critérios para o fortalecimento dos partidos. Depois, tentaríamos novamente implantar o parlamentarismo, que é o regime mais adequado para um País como o nosso.
O SR. JEFFERSON PÉRES - Jamais se saberá o que é causa e o que é efeito, Senador Nabor Júnior.
Se formos esperar que o Brasil tenha partidos grandes e fortes - às vezes temos partidos grandes que, na verdade, são aglomerações de partidos, verdadeiros arquipélagos partidários, que não são realmente o que deveriam ser - para implantar o parlamentarismo, vão transcorrer 500 anos, Senador Nabor Júnior.
O Sr. Bernardo Cabral - Permite-me V. Exª um aparte?
O SR. JEFFERSON PÉRES - Cedo-lhe o aparte, Senador Bernardo Cabral.
O Sr. Bernardo Cabral - Senador Jefferson Péres, o que quero falar está mais ou menos nessa linha, tenho apenas um foco diferente do eminente Senador Nabor Júnior. No meu julgamento - e olhe que tenho pesquisado isso durante muitos anos -, jamais haverá parlamentarismo se esperarmos, na seqüência do presidencialismo, partidos fortes. Temos de implantar o parlamentarismo para, como seqüência, ter partidos fortes. Nunca o presidencialismo permitirá, dada a barganha, essa multifacetada existência de partidos, que seja possível organizar um sistema parlamentarista de governo. No final, o Senador Nabor Júnior e eu estamos de acordo; no começo, apenas na premissa, é que divergimos. V. Exª também acabou de dizer isto: não é possível esperar que se tenha partidos fortes enquanto o presidencialismo estiver em vigência. Cumprimento-o, Senador Jefferson Péres.
O SR. JEFFERSON PÉRES - Muito obrigado.
De forma que, em primeiro lugar, é um problema institucional, Sr. Presidente, na raiz de tudo está o presidencialismo. Mas há também um problema cultural, de uma classe política em grande parte destituída de ética e que, nos últimos anos, creio que até piorou.
A propósito, leio aqui o artigo de hoje do jornalista Villas Boas Corrêa, a respeito do lamentável apitaço na Câmara, Sr. Presidente. Ele conclui assim:
"Inútil apelar para atenuantes. Não se recusa à oposição a legitimidade do seu protesto contra a manobra suja da maioria, acumpliciada à frouxidão da presidência da Câmara, escamoteando a votação de destaques à emenda que cassa privilégios do funcionalismo. Enquanto confiou no rolo compressor, a bancada governista bancou confrontos. Em crise, insegura, foge do voto.
A insanidade não tem perdão. Relevem o suspiro saudosista. Freqüentei a Câmara com assiduidade compulsória por mais de uma década. Assisti sessões memoráveis, de tumulto, veemência, excessos. E tento imaginar os parlamentares que ficaram na história - Nereu Ramos, Otávio Mangabeira, Aliomar Baleeiro, Gustavo Capanema, Alberto Pasqualini, Afonso Arinos, Bilac Pinto, Adaucto Lúcio Cardoso, Tancredo Neves, Ulysses Guimarães, Arthur Bernardes, e dezenas, centenas - trepados nas bancadas, possessos, aos esgares, soprando apito.
Os temores são outros. Mudou o Congresso, mudaram os costumes e as modas. Mas não precisava ir tão longe. Ao descaro da súcia."
Com essas palavras de Villas Boas Corrêa encerro o meu pronunciamento, Sr. Presidente.