Discurso no Senado Federal

LEITURA DA CARTA DE BRASILIA, DOCUMENTO RESULTANTE DA REUNIÃO DA FRENTE NACIONAL DE PREFEITOS, REALIZADA ONTEM EM BRASILIA. ESTUDOS DO PARTIDO DOS TRABALHADORES, QUE COMPROVAM AS PERDAS QUE OS ESTADOS TEM SOFRIDO COM A APLICAÇÃO DO FUNDO DE ESTABILIZAÇÃO FISCAL. REPUDIO AS MANOBRAS DO MINISTRO DO STF, NELSON JOBIM, NO PROTELAMENTO DO JULGAMENTO DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE IMPETRADA POR PARTIDOS DE OPOSIÇÃO A LEI 8.031/90 E AO DECRETO-LEI 1.204/94, QUE DIZEM RESPEITO AO PROGRAMA NACIONAL DE DESESTATIZAÇÃO E, CONSEQUENTEMENTE, A PRIVATIZAÇÃO DA COMPANHIA VALE DO RIO DOCE.

Autor
José Eduardo Dutra (PT - Partido dos Trabalhadores/SE)
Nome completo: José Eduardo de Barros Dutra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO PUBLICA. PRIVATIZAÇÃO.:
  • LEITURA DA CARTA DE BRASILIA, DOCUMENTO RESULTANTE DA REUNIÃO DA FRENTE NACIONAL DE PREFEITOS, REALIZADA ONTEM EM BRASILIA. ESTUDOS DO PARTIDO DOS TRABALHADORES, QUE COMPROVAM AS PERDAS QUE OS ESTADOS TEM SOFRIDO COM A APLICAÇÃO DO FUNDO DE ESTABILIZAÇÃO FISCAL. REPUDIO AS MANOBRAS DO MINISTRO DO STF, NELSON JOBIM, NO PROTELAMENTO DO JULGAMENTO DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE IMPETRADA POR PARTIDOS DE OPOSIÇÃO A LEI 8.031/90 E AO DECRETO-LEI 1.204/94, QUE DIZEM RESPEITO AO PROGRAMA NACIONAL DE DESESTATIZAÇÃO E, CONSEQUENTEMENTE, A PRIVATIZAÇÃO DA COMPANHIA VALE DO RIO DOCE.
Publicação
Publicação no DSF de 10/05/1997 - Página 9328
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO PUBLICA. PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • LEITURA, DOCUMENTO, REUNIÃO, AMBITO NACIONAL, PREFEITO, OPOSIÇÃO, RETIRADA, RECURSOS, MUNICIPIOS, FUNDO DE ESTABILIZAÇÃO, DESCENTRALIZAÇÃO, RESPONSABILIDADE, SAUDE PUBLICA, EDUCAÇÃO, INSUFICIENCIA, REPASSE, VERBA.
  • DISPONIBILIDADE, ESTUDO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), DADOS, PREJUIZO, MUNICIPIOS, PRORROGAÇÃO, FUNDO DE ESTABILIZAÇÃO, NATUREZA FISCAL, SOLICITAÇÃO, APOIO, SENADOR, REJEIÇÃO, EMENDA CONSTITUCIONAL.
  • ANALISE, INCONSTITUCIONALIDADE, PRIVATIZAÇÃO, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), CRITICA, ATUAÇÃO, NELSON JOBIM, MINISTRO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), EX MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), DESRESPEITO, INDEPENDENCIA, PODERES CONSTITUCIONAIS.
  • REGISTRO, REDUÇÃO, VALOR, AÇÕES, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), APREENSÃO, DESMEMBRAMENTO, SETOR, EMPRESA, DECISÃO, ORADOR, CONTINUAÇÃO, AÇÃO JUDICIAL, CONGRESSO, REGULARIZAÇÃO, PRIVATIZAÇÃO.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT-SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, dois assuntos trazem-me à tribuna do Senado, na manhã de hoje.

Inicialmente, gostaria de ler a Carta de Brasília, resultado da reunião da Frente Nacional de Prefeitos acontecida ontem na nossa Capital.

Diz a Carta:

      A Frente Nacional de Prefeitos, em sua 35ª reunião, manifesta publicamente sua preocupação com a persistência de iniciativas que vêm colocar em risco a própria existência dos Municípios brasileiros, numa tácita revogação do espírito da Constituição de 1988, que, ao valorizar o Município e estimular o processo de descentralização administrativa, buscou dar aos Prefeitos melhores condições de servir ao povo.

      Entre tais iniciativas está a proposta de prorrogação do prazo de vigência do Fundo de Estabilização Fiscal (FEF), que, nos últimos três anos, provocou sangria insuportável nos orçamentos municipais, a título de manter a estabilidade da economia. Desejada e apoiada por toda a Nação, tal estabilidade não pode ser obtida à custa da retirada dos recursos dos Municípios, que são os menos responsáveis pelo déficit fiscal do país.

      É preocupante, também, a maneira como vem sendo conduzida a transferência de responsabilidades nas áreas de saúde e educação dos Poderes Federal e Estaduais para os Municípios. A saúde municipalizada precisa de recursos muito superiores aos atuais, para atendimento aos mais pobres e para enfrentar o crescimento de endemias - como as da dengue e da leishmaniose - que se espalham por todo o país. Da mesma forma, o processo de municipalização do ensino fundamental não pode ser feito sem o correspondente aporte adicional de recursos, sob pena de agravar o quadro existente.

      Finalmente, a Frente Nacional de Prefeitos entende que decisões legislativas da maior importância para os Municípios, como a aprovação do novo Código Nacional de Trânsito, merecem tratamento prioritário, pela repercussão imediata que terão sobre a vida dos cidadãos.

      Ao manifestar tais preocupações, a Frente Nacional de Prefeitos espera estar contribuindo para a reflexão das autoridades nos níveis federal e estadual, bem como dos legisladores, a respeito das necessidades fundamentais do cidadão brasileiro - que devem ser atendidas pelo município. Espera, também, que os próprios Prefeitos se conscientizem cada dia mais da importância de seu papel na conquista da justiça e do bem-estar social da população e busquem interferir de forma organizada nas decisões nacionais que dizem respeito aos Municípios.

      Brasília, 08 de maio de 1997.

      Célio de Castro.

      Coordenador da Frente Nacional de Prefeitos.

A reunião da Frente, ontem, também aprovou a seguinte moção:

      A Frente Nacional de Prefeitos, reunida em seu 35ª Encontro, em 8 de maio de 1997, no Auditório Nereu Ramos da Câmara dos Deputados, após realizar uma profunda análise sobre a proposta de prorrogação do Fundo de Estabilização Fiscal - FEF -, decidiu se manifestar contrariamente à mesma, pelas razões a seguir enumeradas:

      1) os Municípios estão paulatinamente assumindo maiores responsabilidades na prestação de serviços junto aos seus cidadãos, quer seja na área da saúde, da educação, da habitação popular etc;

      2) a municipalização dos serviços vem se impondo de forma natural e crescente, dentro do espírito de descentralização administrativa que o Estado de Direito nos contempla;

      3) os municípios enfrentam, na sua imensa maioria, graves dificuldades financeiras para dar conta das suas responsabilidades;

      4) os municípios tiveram, em 1996, perdas consideráveis com a aplicação do FEF, especialmente os que mais dependem, pelas suas condições sociais, de verbas institucionais para a sua sobrevivência;

      5) se o FEF for prorrogado, a perda dos Estados e Municípios, em 1997, ficará em torno de R$2,2 bilhões, o que significa um aumento de 38% em relação a 1996.

      Por essas razões, a Frente Nacional de Prefeitos se manifesta contrariamente à prorrogação do Fundo de Estabilização Fiscal.

      Brasília, 8 de maio de 1997.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, num futuro próximo, nós, no Senado, se a matéria for aprovada na Câmara - o que espero não aconteça -, vamos discutir aqui a prorrogação do Fundo de Estabilização Fiscal.

O Governo tem utilizado os recursos desse Fundo, segundo ele, para manter a estabilidade da economia, mas, na verdade, a prorrogação da sua vigência é um profundo golpe contra o pacto federativo estabelecido na Constituição de 1988.

Esta Casa, onde constitucionalmente estão representados os interesses da Federação, tem que se debruçar, de forma ainda mais aprofundada que a própria Câmara dos Deputados, sobre essa matéria. Não tenho a mínima dúvida de que se a Câmara aprovar a prorrogação do FEF, o Governo, através de suas Lideranças nesta Casa, vai tentar aprovar também essa proposta de emenda constitucional no Senado, a toque de caixa, sob a alegação de que existe um prazo para ela ser votada, porque o FEF só está em vigor até o final de junho.

Queremos colocar à disposição de todas as Srªs e Srs. Senadores um trabalho feito pela Assessoria do Partido dos Trabalhadores, na Câmara dos Deputados, liderada pelo Deputado Paulo Bernardo, que mostra, com números, as perdas que os Estados têm sofrido com o Fundo de Estabilização Fiscal, e que as maiores perdas são exatamente dos Estados mais pobres da Federação.

Mostramos que os Estados do Nordeste e do Norte são os que mais têm tido prejuízos com a aplicação do Fundo de Estabilização Fiscal. O exemplo mais gritante é o próprio Estado da Bahia, que perdeu mais de R$100 milhões no ano de 1996.

Esses dados, que estão à disposição dos Srs. Senadores e Deputados, mostram não somente a perda de cada um dos Estados, como também a perda de cada um dos mais de 5 mil Municípios brasileiros. De forma categórica, sem argumentos ideológicos e políticos, sem ser uma bandeira da oposição ou uma bandeira da situação, esses dados mostram, com argumentos numéricos e incontestáveis, que o Fundo de Estabilização Fiscal não pode ser prorrogado, sob o risco de nós provocarmos a inviabilização dos Estados e dos Municípios brasileiros.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o outro assunto que me traz à tribuna, no dia de hoje, é, mais uma vez, para não perder o costume, a Companhia Vale do Rio Doce. Como é do conhecimento de todos, o Partido dos Trabalhadores, o Partido Socialista Brasileiro e o Partido Democrático Trabalhista deram entrada, no Supremo Tribunal Federal, em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, para contestar a legalidade não somente de alguns artigos da Lei nº 8.031, que criou o Programa Nacional de Desestatização, como também do decreto que incluiu a Companhia Vale do Rio Doce no processo de privatização.

Queremos registrar que, ontem, o Ministro José Néri da Silveira, do STF, no seu Relatório, considerou inconstitucionais o art. 13 da Lei nº 8.031, de 1990, e o art. 39 do Decreto nº 1.204, de 1994.

A grande verdade, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é que a Constituição, por meio de emenda aqui aprovada em 1995, que modificou o art. 176, que acabou com o impedimento de empresas nacionais de capital estrangeiro atuarem na mineração no Brasil, estabelece que só podem atuar em mineração empresas instaladas no Brasil e regidas pelas leis brasileiras. Essa mesma emenda estabelece que a regulamentação dessa modificação não poderia ser feita por medida provisória. E o Governo, por meio de medida provisória, permitiu que empresas estrangeiras não estabelecidas no Brasil viessem a participar do leilão da Companhia Vale do Rio Doce. Foi exatamente este artigo que o Ministro Néri da Silveira considerou inconstitucional.

E aí gostaríamos de lamentar a postura do Ministro Nelson Jobim. Coincidentemente, o Ministro Nelson Jobim, no momento em que teve conhecimento do Relatório, pediu vista da matéria. E, muito coincidentemente, logo depois, houve uma reunião no Palácio do Planalto, envolvendo o Presidente da República, o Ministro Clóvis Carvalho e o Presidente do BNDES, Luiz Carlos Mendonça de Barros.

Temos que registrar aqui que, uma vez que o Ministro Nelson Jobim era Ministro da Justiça do Governo Federal até há menos de dois meses, e que o processo de privatização da Companhia Vale do Rio Doce é claramente uma matéria de interesse do Governo Federal, o mínimo que se exigiria de S. Exª é que ele se declarasse impedido de julgar essa matéria; mas não só não o fez como se utilizou de uma manobra regimental para protelar a votação.

O Ministro Nelson Jobim não pode se comportar no Supremo Tribunal Federal, como Líder do Governo; não pode participar das sessões daquela Corte com a camisa de ex-Ministro da Justiça do Governo Fernando Henrique Cardoso por baixo da toga.

Esse é um assunto muito grave, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que coloca em risco a independência dos Poderes. Na verdade, o Governo quer trabalhar com a hipótese do fato consumado; quer protelar a votação dessa medida pelo Supremo Tribunal Federal para, depois, chegarmos a uma situação em que não seja mais possível reverter o processo.

A todo momento, surgem notícias, mostrando que o processo de privatização da Companhia Vale do Rio Doce está cada vez mais obscuro.

O fato de as ações dessa empresa terem despencado na Bolsa de Valores, ontem, não é um fato normal, como diz o Ministro do Planejamento, Sr. Antonio Kandir. A grande verdade é que o mercado está profundamente inseguro com relação à Companhia Vale do Rio Doce, porque é consenso no mercado que o consórcio vencedor irá fatiar a empresa, e ela perderá toda a sua eficiência, que está relacionada à integração entre os seus diversos setores. É isso que está provocando a queda das ações da Vale do Rio Doce, na Bolsa de Valores, e não fatos naturais, como procura demonstrar o Ministro Antonio Kandir.

Portanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, queremos registrar que vamos continuar lutando, com todos os instrumentos na Justiça ou através de comissões no Congresso, para que esse processo absurdo de privatização da Companhia Vale do Rio Doce venha a ser melhor esclarecido e revertido à luz da legislação. Como diz o Ministro José Néri da Silveira, pelo menos dois artigos, tanto do decreto que incluiu a Vale do Rio Doce quanto da própria Lei nº 8.031, são claramente inconstitucionais, como já havíamos dito há muito tempo.

Muito obrigado, Sr. Presidente, Srs. Senadores.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/05/1997 - Página 9328