Discurso no Senado Federal

RELENDO DISCURSO PROFERIDO EM 10 DE NOVEMBRO DE 1995, EM QUE S.EXA. ALERTAVA O GOVERNO PARA OS PERIGOS E RISCOS DO PROCESSO DE REELEIÇÃO DO PRESIDENTE DA REPUBLICA.

Autor
Jefferson Peres (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA CONSTITUCIONAL.:
  • RELENDO DISCURSO PROFERIDO EM 10 DE NOVEMBRO DE 1995, EM QUE S.EXA. ALERTAVA O GOVERNO PARA OS PERIGOS E RISCOS DO PROCESSO DE REELEIÇÃO DO PRESIDENTE DA REPUBLICA.
Aparteantes
Eduardo Suplicy, Epitácio Cafeteira, Sebastião Bala Rocha.
Publicação
Publicação no DSF de 16/05/1997 - Página 9770
Assunto
Outros > REFORMA CONSTITUCIONAL.
Indexação
  • LEITURA, DISCURSO, ORADOR, FATO ANTERIOR, PREVISÃO, PROBLEMA, PROCESSO, VOTAÇÃO, REELEIÇÃO, PREJUIZO, REPUTAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA.

O SR. JEFFERSON PÉRES (PSDB-AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, anteontem, o eminente Senador José Eduardo Dutra, Líder do Bloco de Oposição, lembrou, neste plenário, que eu, há tempos, integrante que sou da base de sustentação do Governo, tinha alertado o Governo sobre os perigos e riscos do processo de reeleição.

Sr. Presidente, fui buscar nos Anais este meu discurso, pronunciado desta mesma tribuna, em 10 de novembro de 1995, há um ano e seis meses, quando Ministros do Governo começavam a falar em reeleição e o Presidente não os desautorizava, afirmando que o Congresso deveria resolver a questão.

Infelizmente, Sr. Presidente, este discurso é profético. Lamento dizer isso. Vou ler uma parte do meu pronunciamento feito naquela ocasião.

      O Senhor Presidente da República, ao trazer ao debate a reeleição, se expõe, e receio que Sua Excelência vá sofrer um processo de desgaste muito grande.

      O Senador José Sarney, quando Presidente, sofreu. Não entro em considerações para saber se as acusações que lhe fazem são verdadeiras ou não. S. Exª lutou para que seu mandato fosse reduzido para cinco e não para quatro anos. Mas desde então, e até hoje, ele ficou estigmatizado pela luta que travou por esses cinco anos. Tudo lhe é atribuído, pelo que ele fez, pelo que teria feito, e até pelo que não fez. Mas sofreu uma erosão enorme em sua autoridade. É um fato. Não estou criticando o Senador José Sarney. Até hoje S. Exª é acusado por isso.

      Com Governo Fernando Henrique Cardoso será diferente? Se Sua Excelência e o seus Ministros se envolverem na luta pela reeleição, o que acontecerá, Senador Geraldo Melo?

Não estou me dirigindo ao Senador Geraldo Melo, que hoje preside esta sessão. Seu nome consta do meu discurso naquele dia, porque V. Exª estava ali prestando muita atenção ao meu discurso, e citei o seu nome no meu pronunciamento.

      O Presidente talvez pessoalmente não, mas o que alguns dos seus Ministros, e vou mais além, alguns dos seus fâmulos - porque todos os governantes têm seus fâmulos - farão para conquistar votos num Congresso em parte fisiológico. Não há como negar isso, ao lado de Senadores e Deputados da maior seriedade e responsabilidade existe o baixo clero fisiológico, em quantidade expressiva. O que não cobrarão do Governo, para dar o seu voto em favor da reeleição?

Eu perguntava em 10 de novembro de 1995: O que

não cobrarão do Governo para dar o seu voto em favor da reeleição?

      O que não haverá de versões correntes contra o Governo, com foros de verdade algumas, outras não tão verdadeiras, mas aceitas pela opinião pública como tais?

      Creio que o Presidente da República comete um grave erro ao estimular isso. E mais ainda quando Sua Excelência vem a público dizer que o problema é do Congresso Nacional e que dele não participa. Essa não me parece uma postura de estadista. Sua Excelência passa para a opinião pública, embora não seja assim, a idéia de falta de sinceridade. Estaria estimulando, por trás, e em público dizendo que não, quando é evidente que, se Sua Excelência dissesse aos Ministros: não, não quero a reeleição, nenhum, evidentemente - isso é o óbvio ululante -, nenhum trataria do assunto. O Presidente está, inequivocamente, estimulando a proposta.

      Sua Excelência vai começar a ter sua autoridade gravemente afetada. Já a deixou afetada por fatos menores.

      Presidente é como a mulher de César: não basta ser, tem que parecer também eticamente inatacável. O Presidente já não puniu alguns auxiliares acusados de envolvimento com empresas particulares. (Àquela altura, um fato noticiado pela imprensa). O Presidente já foi acusado de ceder ao fisiologismo. Mas, se cedeu, o fez por uma causa maior, as tão necessárias indispensáveis reformas para o País.

      Agora, no entanto, cederia por uma causa menor, cederia em benefício próprio, para se reeleger.

O Sr. Epitacio Cafeteira - V. Exª me permite um aparte?

O SR. JEFFERSON PÉRES - Já lhe cedo o aparte, Senador. Este discurso não é de agora, Senador Epitacio Cafeteira, estou relendo um pronunciamento meu, feito em 10 de novembro de 1995 - está nos Anais do Senado, onde fui buscá-lo, lembrado pelo Senador José Eduardo Dutra -, quando começava-se a falar em reeleição. Estou relendo.

      "Agora, no entanto, cederia por uma causa menor, cederia em benefício próprio, para se reeleger. O Presidente Fernando Henrique Cardoso não pode, não deve expor-se a isto. Sou membro do Partido de Sua Excelência. Penso que seria bom para o País ter Fernando Henrique Cardoso por mais quatro anos. Até entendo que, no íntimo, o Presidente, por estar adotando medidas impopulares - algumas dessas reformas são impopulares, ferem direitos e interesses de amplas camadas da população -, tenha o desejo de mais quatro anos para colher os frutos dessas reformas e realizar o governo com o qual sonha. Acontece que o preço a pagar será muito grande, será o preço da erosão da sua autoridade moral. Isto Sua Excelência não pode fazer."

O SR. PRESIDENTE (Geraldo Melo) (Fazendo soar a campainha) - Senador Jefferson Péres, desculpe interrompê-lo, a Presidência prorroga a Hora do Expediente a fim de que V. Exª possa concluir o seu discurso e para que possamos ouvir a comunicação inadiável de três Srs. Senadores.

O SR. JEFFERSON PÉRES - Esse discurso, repito, foi pronunciado em 10 de novembro de 1995.

Longe de me ouvir, a cúpula do Governo, naquela ocasião, ao que sei, ficou irritada com o meu alerta. Uma pena, porque fui profético. Não me sinto nem um pouco feliz com isso, mas, infelizmente, tudo o que previ está acontecendo.

Concedo o aparte ao Senador Epitacio Cafeteira, se S. Exª ainda quiser me honrar com ele.

O Sr. Epitacio Cafeteira - Nobre Senador, quero aproveitar para enaltecer o discurso de V. Exª, cujo posicionamento sempre foi vertical. V. Exª, mesmo pertencendo ao Partido do Presidente, teve a coragem de fazer pronunciamento como este que acaba de reler. Com o correr dos tempos, aprendemos muitas coisas. O Presidente da República, todos fazem questão de exaltar, é um homem sério, honesto.

O SR. JEFFERSON PÉRES - Com certeza.

O Sr. Epitacio Cafeteira - Mas me lembro, porque assisti a um Presidente, também sério e também honesto, ter que dar um tiro no peito porque o Palácio estava se enchendo de lama. Isso o Presidente Fernando Henrique tem que ter em mente para evitar amanhã um sacrifício desse tipo. Sua Excelência tem que, em tempo, evitar que envolvam seu honrado nome em causas menores. Muito obrigado pelo aparte.

O SR. JEFFERSON PÉRES - Obrigado também, Senador Cafeteira.

O Sr. Eduardo Suplicy - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JEFFERSON PÉRES - Cedo-lhe o aparte, Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy - Senador Jefferson Péres, V. Exª fez a recomendação própria de quem se preocupa com o Presidente da República, com os destinos de seu Governo e com eventuais abusos que quaisquer de seus partidários, sobretudo Ministros, poderiam estar cometendo na hora de defender o destino do Governo, do próprio Presidente, quanto ao direito de reeleição. V. Exª tem alertado, inúmeras vezes, para o que poderia ser o abuso do poder de que dispõe o Chefe do Executivo caso viesse a ter como meta a sua própria reeleição. Agora, o que V. Exª previu está praticamente comprovado. É necessário que o Congresso Nacional tome as medidas necessárias para uma apuração em profundidade. Ontem, o ex-Presidente da Câmara, o Deputado Luís Eduardo Magalhães, expressou com força o seu sentimento junto à Executiva Nacional do seu Partido, o PFL: "Alguém, aqui, tem alguma dúvida sobre a autenticidade da gravação publicada na Folha?" E, logo depois, perguntou outra vez: "Alguém, aqui, tem dúvida de que, se quebrarmos o sigilo dele, iremos comprovar que ele quitou as suas dívidas no Banco?" Pelo que a imprensa informa, após essas duas indagações, não houve contestação. Por unanimidade, o PFL expulsou de suas fileiras dois dos Deputados envolvidos. Hoje a Folha traz a informação de como o Deputado Ronivon Santiago, além de ter aceito aquele recurso monetário, teria também o direito de uma emissora de televisão estar funcionando em uma cidade do Acre, por intermédio de um seu aliado que não teria recursos por si próprio para isso. Ora, ontem, aqui, inúmeros Senadores, seguindo-se à palavra do Líder Elcio Alvares, defenderam o Ministro das Comunicações. Este, ontem, divulgou nota dizendo que nada de concreto havia sobre o seu comportamento. Mas, hoje, a informação é de que houve uma ação concreta por parte do Ministro das Comunicações, de seu Ministério, que antecedeu a votação do direito de reeleição. É preciso que o Ministro Sérgio Motta seja o primeiro a se dispor a vir ao Congresso Nacional, a essa comissão de sindicância, a apoiar a Comissão Parlamentar de Inquérito, para que, com todos os instrumentos necessários para a averiguação, possamos efetivamente saber o que aconteceu. Lembrando ainda que o então Senador Fernando Henrique Cardoso foi muitas vezes aqui crítico em relação à distribuição de direitos de canais de televisão, quando, neste Congresso Nacional, se decidiu sobre a emenda da duração de mandato de Presidente da República.

O SR. JEFFERSON PÉRES - Muito obrigado, Senador Eduardo Suplicy. V. Exª tem razão, creio que o Presidente da República deveria ser o primeiro a pedir uma CPI, deveria ser o maior interessado em que isso fosse realmente apurado a fundo. Infelizmente, não sei qual é a sua avaliação, mas acho que o Deputado Delfim Netto disse hoje com ironia - mas creio que deveria ter dito com seriedade: "Se o Presidente quer apurar, então, que façamos a CPI."

O Sr. Sebastião Rocha - Permite-me V.Exª um aparte?

O SR. JEFFERSON PÉRES - Ouço o Senador Sebastião Rocha.

O Sr. Sebastião Rocha - Senador Jefferson Péres, aproveito para cumprimentá-lo e reconhecer o exemplo retilíneo da conduta de V. Exª na Casa. Como já falado pelo Senador Epitacio Cafeteira, V. Exª, mesmo sendo um parlamentar governista, tem sabido distinguir o que é ético e o que extrapola a ética e, assim, decidir, em cima desse seu discernimento, qual a conduta correta nos vários momentos por que passa o Senado. V. Exª confirma esse seu posicionamento ao reafirmar a necessidade da instalação de uma comissão parlamentar de inquérito para apurar definitivamente essas denúncias. Não de uma comissão da Oposição. Não quer a Oposição que seja instalada uma CPI das oposições, como se elas devessem capitanear essa investigação; quer uma CPI de toda a Casa, de todo o Congresso Nacional, para o bem do Congresso Nacional e até para o bem do Presidente da República. Para salvaguardar a integridade da autoridade do Presidente da República, que - como diz V. Exª em seu pronunciamento - pode vir a ser arranhada com o prosseguimento da apreciação e votação da emenda da reeleição na Casa. Cumprimento V. Exª por sua posição. Sei que V. Exª está aqui honrando muito bem o Estado que representa e servindo de exemplo para o País com as posições que têm defendido na Casa. E é um orgulho para todos nós, Senadores, sinceramente, ver um Senador governista ter as posições que V. Exª tem. Não digo de independência, mas pelo menos de defesa da integridade da Casa, e da própria pessoa e da imagem do Presidente da República. Faz V. Exª, de fato, a defesa do Governo Federal e do Senado da República e é por isso que cumprimento V. Exª. Muito obrigado.

O SR. JEFFERSON PÉRES - Obrigado, Senador Sebastião Rocha.

Aqueles que são críticos e alertam os governantes deveriam se encarados como os amigos mais leais, como os aliados mais leais do Governo.

Como disse há pouco, esse meu discurso, pronunciado há um ano e seis meses, foi recebido com irritação em alguns círculos próximos ao Presidente; talvez com zombaria em outros. Quem seria aquele modesto e desconhecido Senador para fazer um alerta ao Presidente? Sua Excelência preferiu ouvir outros assessores e políticos mais ilustres.

Infelizmente, o que prognostiquei está acontecendo. Lamentavelmente está acontecendo.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/05/1997 - Página 9770