Discurso no Senado Federal

PROVAVEL VOTAÇÃO DA EMENDA DA REELEIÇÃO NA PROXIMA QUARTA-FEIRA, QUE PROPICIARA A MANUTENÇÃO DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE NO PODER. REFLEXÕES SOBRE A ETICA E A DEMOCRACIA, A PROPOSITO DAS MUDANÇAS CONSTITUCIONAIS E DAS DENUNCIAS QUE ENVOLVEM A VENDA DE VOTOS POR DEPUTADOS FEDERAIS.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA CONSTITUCIONAL.:
  • PROVAVEL VOTAÇÃO DA EMENDA DA REELEIÇÃO NA PROXIMA QUARTA-FEIRA, QUE PROPICIARA A MANUTENÇÃO DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE NO PODER. REFLEXÕES SOBRE A ETICA E A DEMOCRACIA, A PROPOSITO DAS MUDANÇAS CONSTITUCIONAIS E DAS DENUNCIAS QUE ENVOLVEM A VENDA DE VOTOS POR DEPUTADOS FEDERAIS.
Aparteantes
Marina Silva.
Publicação
Publicação no DSF de 20/05/1997 - Página 10018
Assunto
Outros > REFORMA CONSTITUCIONAL.
Indexação
  • CRITICA, FALTA, ETICA, GOVERNO, PRETENSÃO, APROVAÇÃO, EMENDA CONSTITUCIONAL, REELEIÇÃO, CARGO PUBLICO, EXECUTIVO, MOTIVO, DESRESPEITO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, INSTITUIÇÃO DEMOCRATICA, ESTADO DE DIREITO, DEMOCRACIA.
  • QUESTIONAMENTO, ETICA, DEMOCRACIA, EXERCICIO, GOVERNO, EFEITO, DENUNCIA, CORRUPÇÃO PASSIVA, DEPUTADO FEDERAL, FAVORECIMENTO, APROVAÇÃO, EMENDA CONSTITUCIONAL, REELEIÇÃO.
  • DEFESA, APURAÇÃO, RESPONSABILIDADE, EXECUÇÃO, CORRUPÇÃO ATIVA, OBTENÇÃO, DEPUTADO FEDERAL, VOTO FAVORAVEL, APROVAÇÃO, EMENDA CONSTITUCIONAL, REELEIÇÃO.

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco-PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, deverá ocorrer na próxima quarta-feira talvez a mais importante das votações que os últimos anos viram neste plenário.

A preocupação manifestada por tantos Senadores a respeito deste processo de transformação da Constituição é de conquistas de garantia para que Sua Majestade, o Presidente da República, possa permanecer eticamente por vinte anos no poder. Vinte anos no poder!

Diante das instituições brasileiras, da história política, quando esse fato aparece como inédito, insólito, porque jamais algum presidente, por mais imodestos que pudessem ser os Presidentes da Velha República, ousou pretender romper a tradição iniciada na Constituição de 1891.

E só através da ruptura do quadro institucional, do desrespeito à Constituição, de golpes e de subterfúgios que culminaram, por exemplo, com a Constituição de 1937 que, antecipando-se à reeleição de Getúlio Vargas que ocorreria em 1938, acabou por perpetuar S. Exª, o ditador Getúlio Vargas, até 1945 no poder.

O que é ético? O que é constitucional? O que é legal? Será que os princípios que constituem a ordem legal e a ordem constitucional devem ser respeitados, quando não são eticamente modificados, quando se usa a força, a prepotência, a mentira ou o suborno, para modificar as regras constitucionais, escoimando-as de sua alma ética, de seu conteúdo ético?

Deveremos continuar a obedecer a esses espantalhos legais, a esses andrajos constitucionais que, a cada momento, são desrespeitados, não por nós, cidadãos desarmados, inermes, cansados de obedecer, mas por eles que têm o poder de rasgar as Constituições que juraram nas vésperas?

Pois bem, o que estamos fazendo, no Senado, ao votarmos o projeto mais querido, mais protegido que já partiu do Governo de Sua Excelência o Presidente FHC? A mudança em causa própria que lhe conferirá, desta vez, a recandidatura, e, daqui a seis anos, talvez, a reeleição. Aproximando-se, assim, graças aos doze anos de exercício, daquele prazo de vinte anos que, ao assumirem, disseram que iam permanecer no poder.

Pois bem, é interessante como, em nome da democracia, tantos absurdos se fizeram e se fazem no mundo. Os Estados Unidos hoje, como a Inglaterra no tempo do seu liberalismo absoluto, jamais desembarcaram tropas, jamais feriram as normas do Direito Internacional, jamais ofenderam aquilo que existe de mais fundamental nas liberdades humanas senão em nome da democracia. Em nome da democracia quantas invasões foram feitas, quantas populações foram dizimadas para impor a democracia àqueles povos que fugiram, que se negaram a trilhar os caminhos claros da democracia. Também em nome da ética, quantos crimes se tem praticado ao longo da história humana.

Nós, que de início nos encantamos com a procura daquelas normas éticas que deveriam ser realmente o âmago, o núcleo regulamentador da convivência humana, o núcleo protetor da vida humana; nós, que andamos à procura das normas éticas, desde Ética a Nicômaco, de Aristóteles, desde as elucubrações de Kant e Hegel sobre o assunto; nós, que pensávamos encontrar nos livros soluções às grandes questões éticas, estamos convencidos de que a ética é uma questão da prática.

A cada instante, os interesses humanos se revestem com os grandes ideais da democracia, da ética, para alcançarem os seus objetivos sub-reptícios, egoístas e destruidores daquilo que há de mais sagrado e profundo na convivência humana, que é, sem dúvida alguma, este núcleo ético de proteção da vida humana, do convívio humano, das relações entre os homens.

Portanto, o que nos preocupa neste momento em que a ética foi profundamente ofendida, em que os direitos dos aposentados estão ameaçados e já foram muitos deles conspurcados, neste momento em que se quer uma carteira assinada de trabalho, que é o atestado inicial da cidadania de qualquer pessoa, assinatura na carteira de trabalho: eu existo, eu sou cidadão, eu colaboro, está aqui na minha carteira assinada; nem isto mais se constitui um dos direitos dos trabalhadores. E, depois de pagarmos durante tanto tempo a aposentadoria e o INSS, vemos que não há mais recursos para atender à saúde, que os aposentados não têm onde se tratar, que não há estrutura como, por exemplo, na França, onde os idosos têm um verdadeiro hotel onde descansar com tranqüilidade e segurança a sua velhice.

Aqui, uma ética fantástica, desumana, que ignora a vida e suas necessidades, impõe-se em nome da ética. O que me preocupa, realmente, neste episódio em que dois Deputados Federais vêm afirmar que venderam seus votos, reafirmam que venderam seus votos, é que não há como duvidar dessa corrupção passiva porque o próprio partido não é de Oposição, foi o próprio PFL que expulsou rapidamente os dois Deputados Federais que teriam recebido, e confessado, não R$5 ou R$10 mil, mas R$200 mil para votar a favor daquilo que há de mais importante no País: a reeleição de Sua Excelência, de Sua Majestade, o Presidente da República.

Imaginem como este Governo se sente realmente enfraquecido, que falta de confiança em seu próprio taco, que falta de confiança em suas hostes, que o leva a dar R$200 mil por cada voto.

Obviamente, os Deputados estariam dispostos a votar naquilo que era sua tendência mesmo, de apoiar um governo, qualquer governo. Se o padrão ético é esse, então, por qualquer R$10 ou R$20 mil se compra votos dessa espécie. Mas deram R$200 mil a cada um. Por que tanto dinheiro? Não estaria embutido, não estaria incluído no preço da compra dos votos também a confissão de que eles haviam vendido os votos; a confissão desmoralizadora do Legislativo; a confissão de que nós somos venais; a confissão que inquina de dúvida e generaliza a desmoralização a todo Congresso Nacional? Será que esse preço, R$200 mil, não será também o preço que pagará a perda de mandatos em que fatalmente eles incorrerão, eles os confessos corruptos?

E se existe uma ética que quer justiçar, com essa justiça raivosa de Nietzsche, cortar a cabeça exemplarmente desses dois, a partir daí, voltaremos nós os homens de bem à nossa comunidade, uma vez que aqueles dois já foram exemplarmente escoimados da vida pública. Será que essa é a verdadeira ética? Será que ao se fazer essa assepsia local, eliminando dois ou cinco corruptos confessos poderá seguir para frente o processo que vai legitimar e constitucionalizar o direito de reeleição a Sua Excelência, o Presidente? Ou, pelo contrário, esse vício inicial constitui uma espécie de vício redibitório, vício de origem, vício que se encontra na origem do processo que vai instituir o direito de reeleição e, obviamente, contaminar para sempre o presidente que for reeleito mediante essa lei espuriamente aprovada no Congresso Nacional?

Portanto, temos uma preocupação com a duração de instituições que não podem legitimar o exercício do poder se, desde o início, são ilegítimas. Não se pode dar o chute de saída nessa partida, uma vez que a bola já está murcha, uma vez que o ponto de partida está completamente contaminado, apodrecido, pelo que já aconteceu nessa fase inicial de conquista do direito de reeleição.

A reeleição que a partir daí poderá receber o repúdio da voz rouca das ruas e, muito em breve, não poderá receber o referendo necessário à legitimidade do poder, mas, ao contrário, poderá acirrar a consciência ética do Brasil que não se contenta com essa eticazinha que quer trazer o esclarecimento definitivo para que o processo, qualquer que seja o seu destino - aprovação ou rejeição -, saia realmente de raízes não contaminadas, não espúrias que já ameaçam séria e profundamente a tentativa atual de conquistar a recandidatura e, daqui a mais 6 anos, a reeleição. Fujimori conquistou. Menem, com 20% de apoio da opinião pública, também usou de artifícios semelhantes para transformar a Constituição da Argentina. Mas a legitimação real não se dá nas Casas do Congresso. Bukharin é o louco, Fujimori é o "chino", Menem é o "caído do Cavallo", Domingos Cavallo, que agora se apresenta como anticandidato ao próprio Menem. E por aí afora vemos o povo se rebelar contra as artimanhas e a falta de ética que o açodamento, na conquista do direito espúrio da reeleição, fez com que acabasse provocando uma rebelião mesmo em países como o Brasil em que Sua Excelência já disse que não existe Oposição. Não existe Oposição, diz S. Exª. E, agora, parece que a Oposição adquiriu um estranho poder e está ameaçando em sua inexistência, em sua modéstia, em sua minoria, o poder majestático de Sua Excelência.

A Srª Marina Silva - Permite V. Exª um aparte?

O SR. LAURO CAMPOS - Com prazer ouço V. Exª

A Srª Marina Silva - Sempre que ouço os pronunciamentos de V. Exª eu os tenho também como aulas. Como brilhante professor da UNB que foi, V. Exª continua a sê-lo da tribuna do Senado. Estava falando V. Exª sobre o problema da ética, de subordiná-la aos interesses. Historicamente, a ética faz parte de um momento social e cultural. Ela é dos indivíduos, mas é também da sociedade; é igualmente uma ética coletiva. Temos que saber aquilo que é verdadeiramente ético e o que é muitas vezes apresentado como engodo. Por exemplo, não se constitui uma verdade, do ponto de vista ontológico, a falsa idéia de que os negros são inferiores aos brancos. Essa é uma falsa ética. Não se constitui uma verdade a possibilidade de o ser humano eliminar outro ou condená-lo a uma vida de infelicidade e de miséria, em seu benefício pessoal, cometendo qualquer mazela. Em nome de grandes ideologias, de grandes interesses da humanidade, muitas vezes foram praticadas atrocidades. Para mim uma das doutrinas mais bonitas é o cristianismo, mas quanta barbaridade se cometeu em seu nome? O escândalo da venda de indulgências, a compra do perdão dos pecados, na Idade Média, é uma vergonha para a religião católica talvez tanto quanto a venda dos Deputados por 30 dinheiros. É em nome dessa ética, quando as pessoas conseguem arbitrar que são mais importantes que a realidade, mais importantes que a verdade, que essas coisas começam a acontecer. Lamento que o Brasil seja cenário desse tipo de escândalo e, mais ainda, que o meu Estado esteja presente nesses acontecimentos. Não sou daquelas que baixa a cabeça e não penso que isso acontece somente no Norte, Região atrasada, de bárbaros. Ali há pessoas honestas, competentes, que vivem duramente em uma Região cheia de problemas, que tem como "elite" uma classe dirigente que pratica esse tipo de vergonha nacional, mas tem também como dirigente em plano maior aqueles que patrocinam, no plano nacional, esse tipo de acontecimento. É contra essa ética de mentira, essa ética que ontologicamente não se constitui verdade que os homens e mulheres de bem deste País, de Oposição, de centro, de direita ou de esquerda devem se colocar prontamente contra. Prefiro colocar-me no centro do furacão para resolver o problema a ter que ficar em suas bordas para, quem sabe, ser tragado por ele. Aqueles que fogem do centro do problema sem dar resposta, com certeza, têm algo a temer. Talvez os sociólogos de uma nova geração, daqui a uns 20 ou 30 anos, irão saber que no Governo do sociólogo Fernando Henrique Cardoso artigos de nossa Constituição foram mudados em troca de 30 dinheiros, ou seja, 200 mil reais para cada um daqueles que sabemos, por enquanto, foram pagos para mudar a Constituição do Brasil. Que vergonha! Mais vergonha será para os que praticaram esse ato, que, com certeza, não serão absolvidos pela história. Muito obrigada.

O SR. PRESIDENTE (Beni Veras) - Senador Lauro Campos, o tempo de V. Exª está esgotado.

O SR. LAURO CAMPOS - Obrigado, Sr. Presidente. Apenas responderei ao aparte da Senadora Marina Silva. A presença de V. Exª e as suas manifestações, aliadas à sua coerência e transparência, demonstram que sua tese está certa. Em sua terra, existem algumas Marinas da Silva. V. Exª demonstra que nem tudo está perdido.

É preciso saber de onde veio esse dinheiro para comprar cinco parlamentares a 200 mil reais cada um. Esse dinheiro é sobra de campanha ou adiantamento da próxima e pertencia àqueles que foram beneficiados por "proeres" e outras benesses?

Temos de saber de onde veio esse dinheiro e temos de apurar quais são os corruptores. Não podemos, desta vez, nos limitar à ética que quer sacrificar os corruptos e deixar à solta impunemente os corruptores. É preciso, portanto, que a assepsia seja feita, mas uma assepsia mais geral, que não tenha receio de atingir algumas figuras que se dizem inconsúteis, que se dizem inatacáveis, que se dizem íntegras, mas que não estão dispostas a demonstrar a sua integridade, a sua ética, a sua moralidade com o apoio para a abertura da Comissão Parlamentar de Inquérito que se faz necessária neste momento para legitimar o próprio direito à reeleição do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Se esse direito for conquistado inquinado de todos os vícios, de todos os defeitos, de vícios redibitórios, vícios de origem, de defeitos de produção, se isso acontecer, nunca será legítima a reeleição de Sua Excelência, o Presidente Fernando Henrique Cardoso, ainda que ele venha a ter uma vitória nas urnas.

Portanto, em nome da ética, que é com que eu realmente me preocupo, eu gostaria de alertar o próprio Governo da necessidade de se reafirmar os princípios éticos que iriam, uma vez restabelecidos, uma vez restabelecidos, legitimar, sim, a reeleição inédita de Sua Majestade, o Presidente da República.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/05/1997 - Página 10018