Discurso no Senado Federal

LEMBRANÇAS DAS PALAVRAS DO EX-DEPUTADO CAFE FILHO, LEMBRAI-VOS DE 37, PRONUNCIADAS EM MOMENTOS DE AMEAÇA A DEMOCRACIA. SENTIMENTO EXPRESSADO EM CARTAS DIRIGIDAS POR ALGUNS LEITORES DOS GRANDES JORNAIS NACIONAIS, SOBRE A DEMOCRACIA NO PAIS. IMAGEM NEGATIVA DO CONGRESSO NACIONAL PERANTE O POVO. A DEMOCRACIA COMO ESTADO DE DIREITO. DESRESPEITO A LEI E A ORDEM, OCORRIDAS NAS MANIFESTAÇÕES DE VANDALISMO COM A OCUPAÇÃO DO GABINETE DO MINISTRO DO PLANEJAMENTO E NAS INVASÕES CONSTANTES DE TERRAS.

Autor
Geraldo Melo (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/RN)
Nome completo: Geraldo José da Câmara Ferreira de Melo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESTADO DEMOCRATICO.:
  • LEMBRANÇAS DAS PALAVRAS DO EX-DEPUTADO CAFE FILHO, LEMBRAI-VOS DE 37, PRONUNCIADAS EM MOMENTOS DE AMEAÇA A DEMOCRACIA. SENTIMENTO EXPRESSADO EM CARTAS DIRIGIDAS POR ALGUNS LEITORES DOS GRANDES JORNAIS NACIONAIS, SOBRE A DEMOCRACIA NO PAIS. IMAGEM NEGATIVA DO CONGRESSO NACIONAL PERANTE O POVO. A DEMOCRACIA COMO ESTADO DE DIREITO. DESRESPEITO A LEI E A ORDEM, OCORRIDAS NAS MANIFESTAÇÕES DE VANDALISMO COM A OCUPAÇÃO DO GABINETE DO MINISTRO DO PLANEJAMENTO E NAS INVASÕES CONSTANTES DE TERRAS.
Aparteantes
Bernardo Cabral, Lauro Campos.
Publicação
Publicação no DSF de 20/05/1997 - Página 10007
Assunto
Outros > ESTADO DEMOCRATICO.
Indexação
  • ANALISE, POSIÇÃO, CRITICA, POPULAÇÃO, ATUAÇÃO, FUNCIONAMENTO, CONGRESSO NACIONAL, MANUTENÇÃO, ESTADO DE DIREITO, DEMOCRACIA, PAIS.
  • DEFESA, MANUTENÇÃO, EVOLUÇÃO, DEMOCRACIA, REFORÇO, REPUTAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, ESCLARECIMENTOS, POPULAÇÃO, IMPORTANCIA, LEGISLATIVO, PRESERVAÇÃO, ESTADO DEMOCRATICO, ESTADO DE DIREITO.
  • CRITICA, INVASÃO, GABINETE, ANTONIO KANDIR, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DO PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO (MPO), RESPONSABILIDADE, MOVIMENTO TRABALHISTA, SEM-TERRA, MOTIVO, DESRESPEITO, LIBERDADE, MANIFESTAÇÃO, DEMOCRACIA.

O SR. GERALDO MELO (PSDB - RN. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quando me deslocava hoje para esta Casa, veio-me à lembrança a imagem de um velho parlamentar de meu Estado, Deputado Federal de muitos mandatos. Certo dia, como companheiro de chapa de Getúlio Vargas, chegou à Vice-Presidência e, posteriormente, à Presidência da República. Era um homem de origem humilde que conhecera a prisão, a perseguição política e sabia valorizar a democracia como um grande bem da sociedade brasileira. Tendo atravessado com dificuldades o primeiro período da ditadura de Getúlio Vargas, declarada, proclamada, institucionalizada em 1937, tal parlamentar, o Deputado Café Filho, incorporou ao seu discurso uma advertência que fazia sempre que lhe parecia que pudesse pairar sobre a democracia brasileira algum tipo de ameaça. Era uma advertência que S. Exª fazia com poucas palavras. Este apenas dizia: "Lembrai-vos de 37."

Isso me veio à cabeça hoje, Sr. Presidente, Srs. Senadores, diante das observações que venho fazendo, como todos os brasileiros, da realidade que nos cerca nos dias atuais. De um lado, assustei-me há poucos dias, pouco depois da intervenção enérgica do Presidente do Peru na Embaixada do Japão, liberando os reféns e, literalmente, dizimando os terroristas do Movimento Tupac Amaru. Pois, nos dias que se seguiram, tive a curiosidade de ler na grande imprensa nacional as manifestações dos leitores que, de certa forma, poderiam nos revelar que sentimento teriam os brasileiros em relação àquele episódio, e confesso que o meu espírito de democrata muitas vezes se sentiu abalado diante de cartas que expressavam um entusiasmo fora do comum pelo Presidente do Peru e que manifestavam uma aspiração de que alguém, comandando instituições semelhantes àquelas que hoje existem naquele País, viesse para o Brasil.

Duas cartas em particular me chamaram a atenção: uma que pedia a Deus que mandasse urgentemente para o Brasil um Fujimori capaz de libertar 170 milhões de brasileiros, hoje reféns - estas eram as expressões da carta; peço licença para repeti-las - de um Congresso safado como este. A outra carta comentava o debate nacional em torno da necessidade de se pôr fim às medidas provisórias e concluía dizendo que, realmente, precisamos acabar com as medidas provisórias no Brasil e ressuscitar ou restabelecer, em lugar das medidas provisórias, o ato institucional.

Eis o sentimento que vi expressar-se na imprensa nacional, partindo dos leitores dos grandes jornais, não sobre Fujimori, mas sobre a democracia no Brasil, sobre esta democracia que custou tanto a todos os brasileiros em comum, sobre esta democracia reconstruída a partir do primeiro tijolo pelo povo de mãos dadas, por cidadãos, por homens e por mulheres, por jovens e por velhos, por ricos e por pobres, a partir da grande caravana nacional em que o povo clamava por eleições diretas.

Hoje me pergunto: o que estamos fazendo dessa democracia que sugeriu e impôs a convocação de uma Assembléia Constituinte?

Afinal, nós, como homens públicos, como parlamentares, não podemos recriminar o cidadão brasileiro que se nos ouve falando de democracia, chega em sua casa perguntando-se o que essa democracia fez por ele.

Ele não sabe que se, hoje, em vez de pagar 10% de multa pelo atraso de uma prestação, paga apenas 2%, deve isso ao Congresso Nacional.

O Congresso Nacional não está sendo visto como a Casa da apreciação do sistema jurídico, da atualização legislativa, das reformas. A cada dia que passa, mais e mais, para o povo brasileiro, é apenas uma instituição cara e onerosa à qual são destinados os impostos que o povo tira do seu suor, para permitir a utilização marota de uma situação singular dada a seiscentos e poucos brasileiros, que somos nós, Deputados e Senadores. E esse escândalo em que estão envolvidos dois ou três Deputado, nessa mixórdia em que se transformou todo este escândalo de compra e venda de votos de Parlamentares, permite que se venha dizer, como se está dizendo, com certa leviandade, com certa irresponsabilidade, que o Congresso Nacional é que está à venda.

Na semana passada, o Senador Pedro Simon, ocupando a tribuna desta Casa, disse que, na rua, perguntava-se: "Se um voto de Deputado, que são quinhentos e tantos, vale R$200 mil, quanto valerá o voto de um Senador se são apenas 81?"

Esta é uma situação que precisa ser apresentada, lealmente, por nós, perante a sociedade. Confesso que quando ouço nesta Casa, como já ouvi, discursos criticando o Presidente do Senado Federal porque mudaram-se os tapetes nas portas dos elevadores do edifício da SQS 309, fico constrangido. Quando se fica falando em miudezas, em coisas sem importância, como a troca de um carro ou a pintura de um apartamento, ou a mudança das torneiras do banheiro do apartamento de um Senador, apenas, são pessoas que estão querendo espaço no noticiário dos jornais, do dia seguinte.

Na realidade, é preciso dizer-se com todas as letras, que não se pode compreender que sejamos nós mesmos, os parlamentares, que nos ocupamos de dizer ao povo brasileiro que não merecemos respeito e que devemos, ou que queremos, ou aceitamos, ou admitimos que se confunda a figura do parlamentar com a figura do funcionário público em geral.

É preciso dizer que isso não verdade. É preciso dizer que essas providências que se tomam para tornar possível a presença de Senadores e Deputados em Brasília não têm a menor importância, mas que têm importância, sim, sermos hoje obrigados a dizer que somos colegas de cidadãos que vêm de seus estados munidos de um mandato confiado a eles pela boa-fé de seu povo, que vêm aqui receber dinheiro para dar voto contra ou a favor.

Nunca na minha vida, ocupei o tempo de V. Exªs ou esta tribuna para me apresentar como flor no pântano, como essas pessoas que acham que são as únicas pessoas decentes no mundo e que o resto da humanidade é podre. Não, mas venho dizer e acho que há motivos suficientes para que se simplifique na Câmara dos Deputados os procedimentos para que se realize a higiene de que o Congresso Nacional necessita, dispensando a participação dessas pessoas na Câmara dos Deputados, nos liberando do constrangimento de dizer que somos colegas deles.

Essa é uma situação que se insere naquele cenário a que inicialmente me referia, quando perguntava sobre o que temos feito de nossa democracia. Francamente, não sou daqueles que crêem que a democracia seja o estado da bagunça. Sou dos que crêem que é o Estado de Direito. O que a distingue do regime autoritário é que na democracia as regras estão escritas e as pessoas que agirem dentro delas poderão dormir em paz, sabendo que existe uma instituição - o Estado -, criado pela sociedade para servi-la e garantir a cada um de seus membros os direitos que a lei lhe conferir.

Por isso, entendo que a nenhuma autoridade se atribua o direito de deixar de cumprir a lei, que a nenhuma autoridade se atribua o direito de deixar de prestar as garantias, de acordo com a Constituição e a lei, a que os cidadãos têm direito.

Ao próprio Presidente Fernando Henrique, o estadista e homem público que é, certamente grato em seu coração e em sua alma pelo imenso carinho e respeito que recebe e merece receber do povo brasileiro, nem Sua Excelência tem o direito de deixar de cumprir o compromisso que tem com cada brasileiro: comigo, que estou aqui dentro, e com aqueles que estão lá fora, por mais humildes que sejam, e cumprir as regras do jogo que estão escritas. E se as regras que estão escritas não forem boas, não compete a Sua Excelência mudá-las. Compete ao Poder Legislativo, por iniciativa própria ou do Poder Executivo, alterar as regras do jogo.

Veja-se o que ocorreu, por exemplo, no gabinete do Ministro Antonio Kandir; aquilo não é manifestação nem expressão alguma de direito democrático, nem de liberdade. Aquilo é apenas um instante de desordem, de bagunça, de irresponsabilidade, que me faz, inclusive, perguntar, Sr. Presidente, a mim mesmo, por que este Distrito é federal? É federal por quê? Para que o Governo Federal veja o seu Ministro ser praticamente expulso do seu gabinete de trabalho? E, à guisa de protesto, se pratiquem atos de desrespeito, de vandalismo, de falta de educação pura e simples como os que foram praticados no gabinete do Ministro do Planejamento?

É esse o cenário, como é o cenário das invasões de propriedade. Já me manifestei reiteradamente sobre isso. Respeito o Movimento dos Sem-Terra porque, mesmo que nesse momento em que aquela dualidade, aquela bipolaridade ideológica em que o mundo se dividiu tenha sido extinta no plano político, compreendo hoje e reconheço que, ainda assim, as sociedades, para se modernizarem, exigem, necessitam da ação da vanguarda para pedir o impossível, para que os extratos de responsabilidade e de decisão, autorizados pela maioria, apreciem, dentro do impossível, o que é efetivamente possível no pedido.

O Movimento dos Sem-Terra é a vanguarda; o Senado Federal, entretanto, não é; nenhum Senador é; nenhum Senador tem o direito de pensar que é; nenhum Parlamentar tem o direito de acreditar que é ou de agir como se fosse, porque somos aquele grupo privilegiado de brasileiros que, como todos os outros, podemos não gostar da lei, mas temos um direito que os outros não têm, que é o de mudar a lei.

Se a lei que aí está não for boa, mudemos a lei; mas não se venha aqui, do mesmo modo que não venham os histéricos da direita, dizer que os sem-terra vão sangrar cada um de nós e beber o sangue com canudinho; não venham também dizer, como foi dito aqui, que o Sr. Rainha é um novo Moisés à frente do povo de Deus.

Considero, Sr. Presidente, que estamos vivendo um momento grave, com o conjunto de renúncias que todos têm feito com relação à ocupação plena e legítima do espaço que a Constituição manda que ocupemos. Se o Presidente da República considerou que o Poder Federal foi desprotegido e desguarnecido a ponto de permitir que se dissesse que se estudava uma intervenção na Polícia do Distrito Federal, compete a Sua Excelência fazê-la, ou nos informar por que não a fez. Se o próprio Presidente da República assiste à violação diária dos direitos de cidadãos, como a invasão de propriedade legitimamente possuída neste País, compete a Sua Excelência garantir o direito dos proprietários. Se o seu programa de reforma agrária não satisfaz ao Movimento dos Sem-Terra, nem à Oposição, está na hora de os sem-terra, que fizeram a sua bela marcha para Brasília, dizerem - deveriam tê-lo dito - qual é o seu projeto de reforma agrária, uma vez que o do Presidente Fernando Henrique Cardoso não é bom. Deveriam, pois, dizer qual seria o bom projeto. Como disse há poucos dias o Senador Osmar Dias, alguém da Oposição, em vez de dizer que se deve estimular a anarquia, o abandono das regras do jogo, deve chegar e dizer, se o projeto de Fernando Henrique não é bom, qual é o projeto bom para o Brasil.

O Sr. Lauro Campos - Concede-me V. Exª um aparte?

O SR. GERALDO MELO - Ouço V. Exª, com muita honra, Senador Lauro Campos.

O Sr. Lauro Campos - Nobre Senador Geraldo Melo, como sempre, V. Exª tem tratado, com muita eficiência e elevada altura, as questões que escolhe para expor e debater neste plenário. Gostaria de apresentar o meu ponto de vista a respeito do que realmente constitui uma democracia e do que seriam as ameaças reais ao Estado de direito. Não tenho dúvida alguma de que a democracia com que sonhamos é aquela em que o poder político tenha sido, realmente, democratizado. O sujeito de direito absoluto não deve ser apenas uma pessoa ou um grupo, mas a própria coletividade, que, organizada, deve manifestar a sua vontade. E o Governo deve ser, obviamente, aquele que tem o dever, a obrigação de colocar em prática e de executar as deliberações dessa vontade coletiva. O que vemos, no Brasil, no entanto - e Sua Excelência, o Presidente da República tem razão -é que um processo de concentração, um processo de acumulação de capital, como diz Sua Excelência, em seu livro intitulado Autoritarismo e Democracia, impede que a democracia se enraíze neste País. Não é possível pensarmos em democracia enquanto existe uma distribuição de terra como a que vemos no Brasil, onde 10% dos proprietários possuem quase 60% do território nacional; não podemos pensar em democracia enquanto 10% da população detém mais de 50% da renda nacional; não podemos pensar em uma democracia enquanto a saúde, a educação, o lazer e a habitação forem privilégios usufruídos por poucos. Portanto, se estamos diante de um sistema que está muito longe de ser democrático, entendo que constitui realmente uma questão um tanto enganosa a de colocarmos a democracia como algo realizado, uma democracia apenas jurídica em um Estado em que a cada momento a Constituição é desobedecida, é alterada, é modificada. Não sabemos como esse processo de modificação tem sido feito, a que forças tem obedecido o processo de desconstitucionalização, e que exijamos, nessas circunstâncias, um povo bem comportado. Em outros países, quando são tomadas medidas semelhantes às que são adotadas aqui, há reações: na Coréia do Sul, são os coquetéis molotov na rua; no Peru, vemos também a convulsão se manifestar; no Equador, Abdalá Bucaram, El Loco, foi colocado, há poucos dias, para fora do poder; na Argentina, onde o desemprego chega a 65% numa de suas cidades, vemos também o povo reagir abandonando suas preferências e manifestando apenas 20% de apoio ao Sr. Carlos Menem. No Brasil, quando a preferência por Sua Excelência o Senhor Presidente da República cai 12 pontos nas pesquisas de opinião é realmente uma manifestação possível de discordâncias que não podem encontrar outros canais de expressão senão esses, que algumas pessoas consideraram como não muito normais, como não muito éticos, como não muito constitucionais, como não muito educados. Muito obrigado.

O SR. GERALDO MELO - Senador Lauro Campos, como de costume recebo, com muito respeito e com muita honra, a participação de V. Exª neste pronunciamento. V. Exª sabe muito bem do respeito intelectual e pessoal que lhe tenho.

Na realidade, a nossa divergência, na essência do que V. Exª acaba de dizer, é praticamente nenhuma. Quando V. Exª diz que as sociedades organizadas é que constituem a forma legítima e democrática de manifestação popular, estou de pleno acordo. Apenas não acho que meia dúzia de pessoas invadirem o gabinete do Ministro do Planejamento e colocarem galinhas, porcos e perus dentro da sala seja uma forma de manifestação democrática de sociedade organizada.

Senador Lauro Campos, pelo fato de termos uma democracia nascente, eu não poderia estar de acordo com V. Exª mais do que estou. É por isso que estou aqui preocupado com ela, que é uma plantinha muito tenra, para permitirmos que seja exposta à violência e ao vandalismo que tem sofrido.

Isso não justifica, Senador Lauro Campos, que se considere que haja alguém neste País com direito de selecionar, dentro da estrutura jurídica em vigor, qual a lei que devemos cumprir e qual a que não devemos cumprir. O difícil vai ser escolher quem são os brasileiros, quem são os políticos, quem são os líderes, quais são as sociedades organizadas, enfim, quem de fato estará autorizado a escolher qual a lei que é boa para cumprir e qual a que não deve ser cumprida.

Portanto, estou aqui para defender que, boa ou má, a lei legítima é a lei para ser cumprida; se ela não serve, que seja mudada pelo Poder Legislativo. E, tanto quanto V. Exª, sou membro desse Poder, com muita honra.

Penso que o nosso dever, num país em que há uma estrutura fundiária injusta, regressiva como a que existe no Brasil, é promover a reforma dessa estrutura. E essa é uma das reformas a fazer num País que precisa reformar quase tudo. Um País que tem uma estrutura fundiária como a nossa precisa reformá-la, mas essa reforma não pode ser feita pelo Sr. José Rainha, tem que ser reformada pelas instituições, por cuja criação lutamos tanto, pela qual todo o povo brasileiro lutou.

Por isso, no momento em que...

O SR. PRESIDENTE (Carlos Patrocínio) - (Fazendo soar a campainha.)

O SR. GERALDO MELO - Vou encerrar, Sr. Presidente, agradecendo a generosidade e a paciência de V. Exª e dos demais senadores.

O Sr. Bernardo Cabral - V. Exª me permite um aparte, nobre Senador Geraldo Melo?

O SR. GERALDO MELO - Parece que tenho que perder a oportunidade de...

O Sr. Bernardo Cabral - Sei que o Senador Carlos Patrocínio, que é um democrata na Presidência, concederá a tolerância de meio minuto para esse aparte.

O SR. PRESIDENTE (Carlos Patrocínio) - Sabendo que será um breve aparte, a Presidência tem o prazer de permiti-lo.

O Sr. Bernardo Cabral - Senador Geraldo Melo, estava fora do plenário ouvindo V. Exª e fiz o possível para chegar a tempo de lhe dar este aparte ou para me conceder o privilégio de dizer que ia interferir. V. Exª, como eu acabava de dizer ao eminente Líder Hugo Napoleão - os dois de pleno acordo - é um parlamentar de alto nível. Foi exatamente esse o termo usado.

O SR. GERALDO MELO - Muito obrigado, Senador. É generosidade de V. Exª

O Sr. Bernardo Cabral - E como tal, V. Exª não vem à tribuna apenas para marcar presença, como outros fazem em parlamentos que não o Senado. V. Exª abordou um aspecto altamente relevante. Os lá de fora não podem, mas os aqui de dentro - palavras textuais - poderão modificar a lei. A lei foi feita para ser cumprida. Aquela célebre máxima latina dura lex sed lex pode ter perdido no tempo a sua força, mas não perdeu a ética que encerra. Veja o que é a sabedoria popular. Ontem peguei um táxi em Brasília - tenho o cuidado de nos fins de semana não usar nunca o carro oficial do Senado, porque não estou a serviço. E o motorista de táxi, reconhecendo-me, disse: "Senador, as coisas estão ruins." Olha a sabedoria popular, Senador Geraldo Melo. "É como fogo de monturo." Eu perguntei: "Mas o que é isso?" E ele: "É o seguinte. Ninguém vê o fogo. Por baixo ele está - a palavra era outra - crepitando, se você pisar, queima." Senador Geraldo Melo, estamos atravessando um fogo que parece aquele fogo de monturo. Se as autoridades não tomarem a si a responsabilidade que lhes é correspondente, vamos ter algumas dificuldades a mais, além daquelas que o País atravessa. Não acredito em liderança que se afirme pela omissão. Empurrar pela barriga não resolve nada, ou com a barriga, muito menos. Veja, Senador Geraldo Melo, que a linha do conteúdo filosófico do seu discurso tem muito mais densidade do que se possa imaginar. E aqui nos distanciamos de qualquer conotação político-ideológica. O respeito que V. Exª tem pelo Senador Lauro Campos não chega a atingir o que tenho. Acho que ainda estou acima de V. Exª, não pelo mérito...

O SR. GERALDO MELO - Como em tudo mais, Senador Bernardo Cabral.

O Sr. Bernardo Cabral - Não pelo mérito, mas pela idade. Como sou mais velho, entendo que V. Exª chama a Nação para uma reflexão. Não sabemos nunca como uma crise termina, apesar de sabermos onde teve o seu início. Penso que é isso que V. Exª quer dizer à Nação. Cuidado! É aquela célebre história do forum romano: caveant, consules.

O SR. GERALDO MELO - Não tenho palavras para dizer o quanto me honra, após a intervenção do Senador Lauro Campos, a atenção e a participação de V. Exª no meu discurso, Senador Bernardo Cabral.

Sr. Presidente, vou encerrar o meu pronunciamento.

Ao começar, lembrei uma expressão de um velho Deputado do Rio Grande do Norte, Café Filho, que, ante qualquer sinal de perigo para a democracia, advertia: lembrai-vos de 1937.

Aqui estou hoje não para dizer: lembrai-vos de 1964, mas apenas para pedir a nós daqui do Congresso e às pessoas de responsabilidade que estão fora dele - quando se vê, com a participação de parlamentares, a imagem e a respeitabilidade do Congresso Nacional se arruinarem perante a sociedade - que nos lembremos de que não há democracia sem Congresso.

Dentro ou fora do Parlamento, os democratas verdadeiros, as pessoas de responsabilidade vão se dar as mãos para recuperar a esperança que precisa haver nas lideranças políticas deste País, pois existem muitas que não estão à venda por 200 mil nem por 200 milhões. Não há prato de lentilhas para comprar pessoas honradas deste Congresso, que, como todos os Congressos do mundo, reúne seres humanos com suas virtudes e defeitos.

Quero encerrar dizendo que se pudesse, hoje, fazer chegar a eles minhas palavras, onde quer que se encontrem, haveria de dizer: Ulysses, Tancredo, Teotonio, onde estão vocês? Como é possível permitirmos que o sonho de construir uma democracia para o Brasil e para os brasileiros seja tratado assim?

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/05/1997 - Página 10007