Discurso no Senado Federal

MANCHETES DO JORNAL O GLOBO DOS DIAS 14 E 15 DO CORRENTE, SOB OS TITULOS: NOVO LAUDO REFORÇA TESE DE QUE ZUZU ANGEL FOI ASSASSINADA E RELATORIO PROVA QUE ZUZU ERA PERSEGUIDA, RESPECTIVAMENTE, TEMA OBJETO DE PRONUNCIAMENTO DE S.EXA. NO DIA 6 DE NOVEMBRO DE 1996.

Autor
Bernardo Cabral (PFL - Partido da Frente Liberal/AM)
Nome completo: José Bernardo Cabral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • MANCHETES DO JORNAL O GLOBO DOS DIAS 14 E 15 DO CORRENTE, SOB OS TITULOS: NOVO LAUDO REFORÇA TESE DE QUE ZUZU ANGEL FOI ASSASSINADA E RELATORIO PROVA QUE ZUZU ERA PERSEGUIDA, RESPECTIVAMENTE, TEMA OBJETO DE PRONUNCIAMENTO DE S.EXA. NO DIA 6 DE NOVEMBRO DE 1996.
Publicação
Publicação no DSF de 17/05/1997 - Página 9870
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O GLOBO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), REFERENCIA, RELATORIO, LAUDO PERICIAL, COMPROVAÇÃO, HOMICIDIO, ZUZU ANGEL, COSTUREIRO, CRIAÇÃO, MODA, EFEITO, PERSEGUIÇÃO, EPOCA, DITADURA, REGIME MILITAR, BRASIL.

O SR. BERNARDO CABRAL - (PFL-AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, eminente Senador Geraldo Melo; eminente 1º Secretário Senador Carlos Patrocínio; Srªs e Srs. Senadores, lerei um trecho do Diário do Congresso Nacional - Senado Federal do discurso por mim pronunciado no dia 06 de novembro, discurso longo no qual o Senado tateava e colocava-se, prudentemente, com a abordagem que eu fazia.

O que poderia, na época, parecer uma simples narrativa de um Senador, hoje transformou-se, na edição de anteontem e de ontem, num dos jornais de maior circulação do País, O Globo, numa matéria de quatro páginas.

Vou relembrar o meu pronunciamento do dia 6 de novembro. A certa altura, eu dizia:

      Pois, exatamente nessa década, mais precisamente no ano de 1976, madrugada de 14 de abril, ela teve o seu carro "abalroado violentamente e jogado para fora do viaduto na saída do túnel Dois Irmãos, sentido Gávea-São Conrado", no Rio de Janeiro. "Caiu de uma altura de cinco metros. Suspeita-se que não foi um acidente".

      E por que a suspeita? Porque, na época, esse tipo de morte era chamado "execução pelo Código 12", que "consistia na eliminação dos inimigos do regime militar por órgãos de segurança, simulando acidentes sem deixar pistas".

E perguntava eu:

      A quem quero lembrar agora, 20 anos decorridos da sua morte brutal? E por quê?

      Tomo emprestadas as palavras de sua filha: "o que eu quero é identificar a morte de mamãe com seu desespero na denúncia do assassínio do filho".

E eu indagava ao Plenário do Senado:

      Como se chama essa Mãe Coragem? Como é seu nome? Zuzu Angel. Como é o nome da filha? Hildegard Angel.

Lembrava, Sr. Presidente, que não vinha à tribuna porque, mal saí da casa dos 30, Deputado Federal, tive o meu mandato de Deputado cassado, suspenso os meus direitos políticos por 10 anos, perdido o meu lugar de Professor na Faculdade de Direito. Portanto, não era em função de uma chamada revanche. Ocupava a tribuna porque, coincidentemente, ontem, exatamente ontem, completaram-se 48 anos que um irmão meu, de 27 anos, foi assinado por órgãos de segurança.

Veja bem, Sr. Presidente, que não quis vir ontem à tribuna abordar esse assunto por causa da data de 15 de maio de 1949. É que eu aprendi, ainda garoto - já que ele era mais velho do que eu 10 anos -, sobre o sofrimento, porque vi o que a minha mãe sofreu com a perda daquele filho brutalmente assassinado com tiros de parabélum. E lembrava o que deveria ser, quando viva, o sofrimento de Zuzu Angel pela morte de seu filho Stuart, que todos anunciavam que tinha sido torturado e morto por agentes que compunham os órgãos de segurança.

Fiz o registro porque, no meu entendimento, Zuzu Angel disse e escreveu verdades sobre a morte do seu filho; verdades sem retoques, sem tintas coloridas. Nunca se viu, em nenhum instante da sua mágoa, nos seus lábios aflorar o sorriso da bajulação. Ela se punha de forma concreta, correta, uma mulher que em vida se comportava como uma espécie de animal sentimental, enjaulada na sua saudade. O sofrimento do filho não fez com que ela desembarcasse ou colocasse a sua âncora no porto do desânimo.

E eis que agora, Sr. Presidente, tantos anos decorridos, quarta-feira, 14 de maio, chamadas no jornal - quem trabalha em jornal sabe o que se chama manchete de oito colunas: "Novo laudo reforça a tese de que Zuzu Angel foi assassinada". Não bastasse a sua luta em defesa do filho, preferiram levá-la à morte, sem saber que o tempo, que a história um dia se cumpriria e resgataria o que diz o subtítulo: "Reexame de inquérito e exumação contestam versão oficial de que estilista dormiu ao volante". E as páginas 10, 11 e 12, portanto três páginas inteiras, narram a versão oficial, mostram que embalar o filho era uma obsessão da mãe ferida pela dor.

E ontem? Ontem, mais uma vez, com chamada de primeira página, o jornal O Globo traz este título: "Relatório prova que Zuzu era perseguida". E mais, no subtítulo: "Agentes do DOPS tomaram documento de estilista e entregaram a general americano sobre a morte do filho". São os seguintes os títulos: à página 12: "Relatório prova que Zuzu Angel era vigiada pelo DOPS"; à página 13: "General aposta que família será indenizada"; à página 14: "Comissão abre campanha para localizar corpos".

Tudo isso mostra que este Governo, dele podem dizer os inimigos o que bem entenderem, mas não hão de recusar que tem tido uma atitude altamente credenciada pela história, que é apurar a versão verdadeira. Tanto o Presidente da República quanto o Ministro da Justiça, do Ministro Nelson Jobim que hoje está no Supremo até o Ministro Seligman, estão atrás de fazer justiça a uma mãe que desapareceu, mas cujo trabalho, cuja eficiência, cuja dignidade, ninguém conseguiu que deixasse de ser apreciada.

Quero fazer aqui, Sr. Presidente, a leitura de um trecho que merece a observação deste Senado, quando diz: "Peritos desarquivam inquérito e explicam que, se ela tivesse dormido ao volante, teria lesões na região superior da cabeça". O que se fez à época? Se dizia que Zuzu não teve o seu carro abalroado, que dormira ao volante. Com isso, estava, portanto, afastada a suspeita da terrível maldade que sobre ela se abatera.

Leio um trecho do novo laudo:

      "Pela análise da distribuição dos ferimentos, podemos admitir que Zuleika Angel Jones não poderia estar dormindo quando sofreu os impactos fatais, e, caso estivesse, possivelmente, teria despertado após o primeiro impacto contra o obstáculo fixo (meio-fio esquerdo), que, inquestionavelmente, não produziu as lesões fatais."

Com esse laudo, Sr. Presidente, se restabelece uma verdade histórica. Não há como deixar de pensar que o passado há de ser sempre um ponto de partida para o futuro. Não importa o que fique pelo meio. Um dia, sem dúvida alguma, se chegará à análise, à observação, à concretização do que se passou. Ninguém foge. Há uma teia como que tecida por mãos invisíveis que, um dia, faz afastar aquele manto que encobria o chamado "manto da impunidade". Não importa se quem cometeu o crime já tenha desaparecido. Importa uma frase de Hildegard Angel, no jornal O Globo, do último dia 14 de maio: "Filha disse que lavou a alma após 21 anos".

Sr. Presidente, foi preciso esperar uma maioridade civil para que se lavasse a mancha que este País teve na perseguição a quem lutava para resgatar a história do seu filho.

Não se pode aqui tratar como se isso fosse um caso de política partidária, como se fosse um ato de revanchismo, como se alguém pudesse querer apontar caminhos, indicar soluções desfavoráveis, quando o que a mãe queria era resgatar a honra daquele filho que ela julgava estar defendendo, apenas, um ideal.

Hoje, ainda bem que estamos vivos, os que fomos protagonistas da história de anteontem e não meros leitores dela, para podermos ocupar esta tribuna. Eu sei o que foi o sofrimento dos que tiveram o seu lado de idealismo apagado, cassado, roubado, preso, mas não posso calcular, dimensionar o que deve ter sido o sofrimento de uma mãe como Zuzu Angel, que lutou para educar os filhos e neles via apenas a chama ardente do idealismo.

Por isso, Sr. Presidente, não me furto - não poderia fazê-lo - de registrar trechos da entrevista da jornalista Hildegard Angel, que conheço pessoalmente e com quem minha mulher, Zuleide, e eu temos laços de amizade, acompanhamos o seu sofrimento. Assistimos à inauguração do museu que leva o nome de sua mãe, em uma parceria, devo registrar, com uma outra grande mulher chamada Heloísa Aleixo Lustosa, cujo pai um dia conheci, mal chegado aqui na casa dos 30, presidindo o Congresso Nacional, o grande Pedro Aleixo. Heloísa Aleixo Lustosa, diretora do Museu Nacional de Belas Artes, abriu as portas para a sua amiga Hildegard Angel, para que esse museu se transformasse em uma realidade na América Latina.

Portanto, Sr. Presidente, merece que fique registrado nos Anais do Senado esta declaração. Abre a matéria o seguinte texto:

      "Entrevista de Hildegard Angel

      Foram necessários 21 anos para que a jornalista Hildegard Angel conseguisse sentir um pouco o sabor da Justiça.

      - "Lavei a alma" - afirmou ontem a jornalista, no escritório do seu advogado, Luiz Roberto Nascimento Silva, segurando o novo laudo sobre o acidente no qual a sua mãe, a estilista Zuzu Angel, morreu em 1976.

      Na opinião de Hildegard, a versão do inquérito policial, considerada mentirosa pela família de Zuzu, foi sepultada de vez."

A entrevista é longa, Sr. Presidente. Sei que V. Exª vai determinar a transcrição nos Anais, porque, afinal, eu requererei. Mas quero fazer desta frase o fecho para o meu discurso: "Foi sepultada de vez".

A frase é popular, a sabedoria do povo tem embutida qualquer coisa que é assim imortal. Diz o povo que "mentira tem pernas curtas". Aqui ela está sendo sepultada de vez. Aquela mãe que ontem sofria, que passou dissabores, que foi perseguida, que foi morta, brutalmente assassinada, sua luta - que depois continuou na filha - tem hoje um emblema: a mentira foi sepultada de vez.

O que quero resgatar, no final deste discurso, Sr. Presidente? Por mais que os detentores do Poder, aqueles que o empalmam, por maior que seja a fortuna que o cidadão consiga amealhar, o homem público só vale por aquilo que faz em defesa da sociedade brasileira. Aqueles que ontem mataram, assassinaram, torturaram, espaldeiraram e que mentiram, hoje estão sendo descobertos pela História, porque a sua mentira está sepultada e a verdade está brotando.

Quero, Sr. Presidente, em meu nome pessoal, dizer que valeu a pena Zuzu Angel não arquivar as suas esperanças, porque elas brotaram como aqueles pedaços de raízes que são podados e vêm e rebrotam, com uma força intensa, no trabalho da sua filha Hildegard.

E esse trabalho e essa luta merecem o reconhecimento do Senado. E o reconhecimento é o requerimento que faço a V. Exª para que determine a transcrição das duas matérias publicadas, anteontem e ontem, no jornal O Globo, como fecho do meu discurso.

Conheço V. Exª, Senador Geraldo Melo, sei o que foi o governo democrático que V. Exª desempenhou no Rio Grande do Norte, sei o quanto isso deve tocar-lhe na alma e, por isso, sei também, por antecipação, que deferirá meu requerimento e determinará a publicação deste discurso e dessas matérias aqui trazidas no Diário do Congresso Nacional.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/05/1997 - Página 9870