Discurso no Senado Federal

REFLEXÃO DO JORNAL FOLHA DE S.PAULO SOBRE A VENDA DE VOTOS NA APROVAÇÃO DA EMENDA DA REELEIÇÃO, NA CAMARA DOS DEPUTADOS. DEFESA DA INSTALAÇÃO DA CPI PARA ESCLARECIMENTO DO EPISODIO DE CORRUPÇÃO ENVOLVENDO MEMBROS DA CAMARA DOS DEPUTADOS E OUTRAS AUTORIDADES.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA CONSTITUCIONAL.:
  • REFLEXÃO DO JORNAL FOLHA DE S.PAULO SOBRE A VENDA DE VOTOS NA APROVAÇÃO DA EMENDA DA REELEIÇÃO, NA CAMARA DOS DEPUTADOS. DEFESA DA INSTALAÇÃO DA CPI PARA ESCLARECIMENTO DO EPISODIO DE CORRUPÇÃO ENVOLVENDO MEMBROS DA CAMARA DOS DEPUTADOS E OUTRAS AUTORIDADES.
Aparteantes
Eduardo Suplicy, José Roberto Arruda.
Publicação
Publicação no DSF de 17/05/1997 - Página 9883
Assunto
Outros > REFORMA CONSTITUCIONAL.
Indexação
  • DEFESA, INSTALAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), APURAÇÃO, DENUNCIA, CORRUPÇÃO PASSIVA, DEPUTADO FEDERAL, CORRUPÇÃO ATIVA, GOVERNADOR, ESTADO DO ACRE (AC), ESTADO DO AMAZONAS (AM), FAVORECIMENTO, APROVAÇÃO, EMENDA CONSTITUCIONAL, REELEIÇÃO, FORMA, RESGATE, ETICA, MORAL, CONGRESSO NACIONAL, OPINIÃO PUBLICA, PAIS.
  • CRITICA, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, OPOSIÇÃO, INSTALAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), INVESTIGAÇÃO, APURAÇÃO, DENUNCIA, CORRUPÇÃO, CONGRESSISTA, CONGRESSO NACIONAL, FAVORECIMENTO, APROVAÇÃO, EMENDA CONSTITUCIONAL, REELEIÇÃO, CARGO PUBLICO, EXECUTIVO.

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, lamentavelmente o Senador Arruda já saiu do plenário. Não entendo muito de futebol, mas S. Exª falou que, quando comete um erro, o jogador é expulso do campo, e o jogo não pára por isso. Coincidentemente há uma CPI que está investigando a existência de corrupção na arbitragem. E, nesse caso, os jogadores - cabe muito bem a comparação com os jogadores do interesse público - estão denunciando que há corrupção envolvendo alguns árbitros dessa partida. Estão envolvidos dois Governadores de Estado; estão inclusive mencionando nome de Ministros. Isso precisa ser investigado.

Então, não se trata de um jogador indisciplinado que apenas cometeu uma infração dentro do campo; trata-se de jogadores que estão cometendo gravíssimos problemas a esta Nação e que estão, ao admitirem sua culpa, delatando outros.

A Folha de S. Paulo foi muito feliz quando fez a seguinte reflexão: se o Governo diz que as denúncias são muito graves e precisam ser investigadas com todo rigor; diz também que, se o PFL - e está de parabéns por isto - reconheceu que essas denúncias são verdadeiras, tanto que já expulsou os dois Deputados das fileiras do Partido; portanto, se há crédito para punir aqueles que assumem a culpa, por que não há crédito para investigar aqueles que foram citados pelos culpados?

Então, Senador Roberto Arruda, discordo da comparação que foi feita por V. Exª, a meu ver, um pouco infeliz, porque o problema dos jogos de futebol está sendo investigado por essa CPI que está a denunciar problemas de corrupção, da mesma forma em que lamentavelmente está envolvido o Congresso Nacional e setores do Governo - foram citadas pessoas ligadas ao Governo e dois governadores.

Eu ia falar exatamente sobre esse tema, mas, dada a comparação do Senador Arruda, eu, mesmo não sendo entendida em futebol, resolvi fazer essa observação, porque achei que S. Exª não foi feliz nessa comparação.

O Sr. José Roberto Arruda - Permite-me V. Exª um aparte, Senadora Marina Silva?

A SRª MARINA SILVA - Com muito prazer.

O Sr. José Roberto Arruda - Senadora, o importante é que todos, independentemente de partidos políticos, de projeto de país que tenhamos, temos algo em comum: a importância da continuidade do processo democrático. O processo democrático tem, por definição, etapas de atuação. O Presidente da Câmara dos Deputados, no momento em que foi confrontado com um grave episódio, tomou a decisão imediata de nomear uma Comissão de Sindicância para apurar os fatos e, se for o caso, sugerir as punições que essa Casa deve imputar. Em relação ao que ocorreu - e é bom que ocorra, e é fundamental que ocorra -, o que pondero, Senadora, é que todos devemos continuar os nossos trabalhos legislativos sobre qualquer assunto, porque o seu voto, o meu voto e o voto da grande maioria dos Parlamentares não está sendo questionado. Não podemos sobrestar o exercício do nosso mandato porque algum parlamentar eventualmente - até que termine o resultado da sindicância devemos colocar o senão - não honrou o seu mandato popular. Devemos continuar a exercitar o nosso: V. Exª com suas convicções, cada um de nós com a própria convicção, mas devemos exercitar o nosso mandato. O que não devemos é entrar no jogo de, a cada episódio desses, tentar usá-lo para tentar paralisar a partida. E quando digo partida, refiro-me à partida do jogo democrático, que, sem nenhum susto, sem nenhum artifício, trouxe a estabilidade econômica a este País, que indicou um modelo de desenvolvimento socialmente mais justo e, mais do que isso, inscreveu a todos nós em um período da História brasileira onde há liberdade, democracia, estabilidade econômica, onde pode haver desenvolvimento e, mais do que isso, evolução política. E quando defendo reeleição, Senadora Marina, não a defendo apenas para o Presidente da República, que é do meu Partido; defendo também para o Governador de Brasília, que é do seu Partido. Não faço separações. Penso que a regra do jogo político tem que valer para todos os partidos, tem que valer em todos os níveis da Administração Pública brasileira. Eram esses os comentários que gostaria de aduzir ao seu pronunciamento. Muito obrigado.

A SRª MARINA SILVA - Concordo, em parte, com o aparte de V. Exª, principalmente quando diz que os nossos trabalhos não podem ser paralisados. Mas faz parte dos nossos trabalhos o processo de investigação. A prática das CPIs tem, inclusive, mostrado ao País que existem momentos em que os nossos trabalhos são eficientes e eficazes, quando se debruçam sobre assuntos dessa natureza para darem as respostas que o País necessita. Nós não estamos paralisados em função da CPI dos Precatórios, não paralisamos o País durante o processo de impeachment do Presidente Collor e nem da CPI do Orçamento. Penso que o Congresso Nacional não pode se apressar em dar uma resposta, punindo um, dois ou três, quando, na verdade, sabemos que essa é apenas a ponta de um iceberg que precisa ser investigado.

Sr. Presidente, por eu ser do Estado do Acre, vejo com tristeza que cinco Parlamentares acreanos estão envolvidos nesse lamentável episódio, e quero historiar um pouco a respeito desses acontecimentos envolvendo o meu Estado. A população do Estado do Acre não merece esse tipo de achincalhamento e vergonha por que vem passando ano após ano. Em quase todos os grandes escândalos da história recente deste País, há alguém do Estado do Acre envolvido lamentavelmente. No caso do escândalo envolvendo o Ministro Rogério Magri, em que foi também gravada uma fita, ali estavam envolvidas pessoas do Acre, episódio que inclusive terminou com o assassinato do Governador Edmundo Pinto, que até hoje não foi esclarecido de forma satisfatória para a opinião pública, pelo menos no caso do Estado do Acre. Tivemos também - e este episódio é recente - a denúncia de que o Governador estaria envolvido em contrabando, inclusive tendo vários CPFs, cinco, parece-me, e uma série de outros problemas que estão na Procuradoria da República. E agora temos, nesse lamentável episódio, cinco Deputados do meu Estado envolvidos na venda do voto. Esses episódios, de alguma forma, fazem com que a auto-estima do povo acreano fique abalada.

Sr. Presidente, faço questão de ressaltar desta tribuna que o povo acreano é honesto e trabalhador, mas que, lamentavelmente, em função da grande miséria e, muitas vezes, do analfabetismo, de problemas estruturais e de responsabilidade do País, pessoas são manipuladas pela compra do voto, muitas vezes, elegendo pessoas que não merecem o respeito do Brasil nem do povo acreano.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ao observar o que está acontecendo neste País, tenho a impressão de estar assistindo a um velho filme. Recordo-me do escândalo do Ministro Magri, quando o governo de então se apressou em afastar o Ministro, para impedir que se tirasse a sujeira que estava embaixo do tapete.

Neste episódio, de forma semelhante, observo que há uma pressa muito grande, inclusive utilizando-se um instrumento inadequado, que é a Comissão de Sindicância, muito embora os Deputados e a própria Presidência da Casa estejam fazendo um esforço no sentido de tentar dar alguma resposta. Mas essa Comissão não tem poderes para quebrar o sigilo bancário, telefônico e nem tampouco fazer as investigações necessárias para que esse episódio lamentável seja esclarecido.

Neste sentido, Sr. Presidente, a forma mais adequada e a postura correta tanto dos governistas quanto da Oposição seria exatamente aquela de darmos cabo a um processo de CPI, para que o Congresso Nacional não permaneça com a imagem que tem frente à opinião pública. Hoje, contamos apenas 17% de credibilidade. A Folha de S. Paulo diz que 75% da população nos olha com desconfiança. E por que nos olha com desconfiança, Sr. Presidente? Eu, que sou acreana e que ganhei este mandato pelo respeito da população do meu Estado, não gostaria de ver o meu nome na vala comum juntamente com o daqueles que praticam esses tipos de irregularidades como se fôssemos todos iguais. Não somos iguais. Mas, lamentavelmente, pelo que se repete nesta Casa, pelo que tem acontecido historicamente, envolvendo o Poder Executivo, é como se isso fosse uma prática comum, e as pessoas nos chamam a todos de "os políticos". E ser chamado de "os políticos" significa aqueles que querem tirar proveito próprio de determinadas circunstâncias. Não são pessoas que estão aqui pelo interesse público, não seriam pessoas que chegaram aqui pelos seus méritos, mas seriam pessoas que se aproveitaram da oportunidade que tiveram para aqui chegar e tirar algum proveito.

No meu Estado, muitas vezes, as pessoas indagam por que será que alguns políticos fazem investimentos tão astronômicos em suas campanhas eleitorais. Existem pessoas que gastam em suas campanhas eleitorais somas de dinheiro que, nem que passassem o resto da vida como Senadores, Deputados ou Governadores, jamais teriam condições de reaver em termos de vantagens financeiras. É estranho! Então, quando as pessoas vêem que alguns venderam seu voto por R$100.000,00 ou por R$200.000,00 em apenas uma votação, sabe-se lá o que aconteceu em outras? Aí as pessoas começam a entender por que esses investimentos tão altos são realizados. Não se trata de idealismo: de pagar para trabalhar, de pagar para servir ao público. Trata-se de pagar alguma coisa para tirar do público o seu mesquinho interesse privado.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tenho acompanhado esse episódio recente de troca de votos, onde é citado o Ministro das Comunicações, que é muito ligado ao Presidente Fernando Henrique Cardoso. Penso que o Presidente deveria ser o primeiro a defender uma CPI para que tudo fique esclarecido, a fim de que não paire nenhuma dúvida em relação à sua participação nesse episódio lamentável ou à de pessoas próximas a Sua Excelência. Até porque as pessoas mencionadas na fita - e questionam-se a credibilidade e a forma como fizeram essas acusações - estão sendo punidas pelo crime que cometeram. Mas elas citam outras pessoas, e penso que essas pessoas deveriam ser as primeiras a querer que esse fato ficasse devidamente esclarecido.

Observo também que estamos num processo onde cabe uma reflexão tanto nossa, da Oposição, quanto da Situação. Do ponto de vista da Oposição, a busca de uma CPI não deve ser para podermos aumentar o problema e tirarmos apenas vantagem política, mostrando para a opinião pública as chagas do Governo ou de quem quer que seja. Deve ser para denunciar o fato à opinião pública, mas acima de tudo para, num processo cirúrgico, resolver o problema. O nosso propósito deve ser o de resolver o problema e não apenas o de puxar esse novelo como se fosse mais um episódio de onde se pode tirar vantagens políticas.

Lamentavelmente, o Governo está passando essa idéia para a opinião pública, ou seja, de que não quer investigar o fato, a fim de continuar tirando vantagens políticas da situação que tem em relação ao processo de reeleição, às reformas e a uma série de acontecimentos. O Governo acha que está na ofensiva e que, por isso, não pode ser paralisado.

Sr. Presidente, a opinião pública deve se perguntar: para que o Presidente Fernando Henrique Cardoso quer mais quatro anos de mandato? Para continuar com essa postura? Toda vez que se tenta investigar, então não há fato determinado? Não é suficiente? Na CPI dos Bancos não havia fato determinado. Para o Governo, no caso da compra de votos, o envolvimento de cinco Deputados Federais e dois Governadores e a citação de pessoas ligadas ao Governo, nada disso é suficiente para que se estabeleça uma CPI e que isso é "onda da Oposição".

Ora, não foi a Oposição que fez essa denúncia. Pelo que sei, foram os políticos ligados à base de sustentação do Governo. Não foi a Oposição que fez as gravações. Foram os próprios amigos desses políticos. O que a Oposição está fazendo é buscar investigar esses acontecimentos à luz do interesse da sociedade brasileira, que não mais suporta esse tipo de complacência com aqueles que fazem o que bem querem da função pública, a fim de prejudicar o interesse público.

Um outro aspecto que gostaria de ressaltar no meu pronunciamento é o fato de que, no Brasil, lamentavelmente, estamos acostumando a sociedade brasileira à frase, da qual discordo totalmente de que "tudo acaba em pizza". Não deveria ser assim. Mas, lamentavelmente, a frase parece que é repetida pela sociedade, pelos políticos e por aqueles que têm interesse que acabe em pizza. No Brasil, eu diria, deveríamos acabar, utilizando uma expressão dos nordestinos, em "pisa", que significa muita peia, muita responsabilidade a ser chamada por essas pessoas que fazem o que bem entendem com a certeza da impunidade.

Por que Parlamentares do Acre, mais uma vez, foram envolvidos nesse lamentável episódio? Porque é do Acre o exemplo da primeira conta fantasma, que não foi investigada, que não foi punida. É porque no Acre temos um Governador que tem cinco CPFs e que está envolvido num contrabando de avião e de mercadoria irregular, tendo um processo na Procuradoria da República que não anda. É porque, lamentavelmente, foi no Estado do Acre que o Governador foi assassinado, por corrupção, na questão do Canal da Maternidade, com obras superfaturadas, e sequer o seu crime foi esclarecido. É por isso que algumas pessoas se dão ao direito de vender o seu voto por trinta dinheiros e ainda confessar isso, em meio à risadagem, a supostos amigos que estão gravando as conversas, e achar que nada vai acontecer porque têm um mandato de Deputado, de Governador ou, sei lá, de Senador, não para cuidar do interesse público, mas do interesse pessoal. É por isso que as pessoas continuam fazendo isso, mesmo após a CPI que afastou um Presidente, mesmo após a CPI do Orçamento, que afastou vários Deputados corruptos.

Se houvesse alguma punição naquele Estado, com certeza esses episódios não estariam se repetindo. Discordo da utilização da expressão de que "tudo deve acabar em pizza"; deve acabar, no mínimo, em justiça, justiça social. Temos um Estado onde, em algumas regiões, o índice de analfabetismo é de quase 90%, onde existem pessoas que nunca viram um médico e, no entanto, ouvem, através do rádio, porque graças a Deus o rádio chega até lá, que existem Deputados que venderam seus votos por trinta dinheiros, que significam R$200 mil.

Um outro aspecto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é que estamos trabalhando uma forma de fazer política no Brasil, o que, em muitos casos, tem levado a opinião pública a ter dúvidas sobre a grandeza de nossos propósitos. Nesse sentido, não adianta eu ficar feliz, porque foram Deputados de Oposição que cometeram o delito; lamentavelmente, quando essas coisas acontecem, todas as pessoas acabam pagando um preço muito alto por esses acontecimentos.

Fui vítima de uma campanha de difamação em todos os meios de comunicação. Graças a Deus, tenho certeza de que o meu nome jamais seria envolvido em episódios de corrupção, mas em mentiras, como dizer que a Senadora Marina Silva é quem estava por trás daquele processo de denúncias contra o Governador Orleir Cameli. Imaginem V. Exªs! A frágil Senadora Marina Silva, apenas uma professora secundária, orquestrando aquelas denúncias com emissoras de comunicação deste País, muito poderosas. Não tem cabimento. Mas foi assim a versão que foi passada no meu Estado, de que se tratava de uma campanha de difamação do Governo do Estado do Acre.

Hoje, Sr. Presidente, essas informações só estão chegando com a devida clareza, dentro do Estado do Acre, porque, graças a Deus, os meios de comunicação nacionais, mais uma vez, estão dando conhecimento do que está acontecendo, senão muitos acreanos ainda poderiam pensar que se tratava novamente de campanha de difamação contra "homens de bem" - e nós estamos vendo que não o são.

Para concluir, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Congresso Nacional precisa recuperar a sua credibilidade. Isso não é esforço de uma legislatura ou de duas, é o esforço de uma vida toda. E, para que isso aconteça, é fundamental que episódios dessa natureza sejam devidamente investigados e que não se coloquem panos quentes, como se diz no linguajar popular, sobre as feridas daqueles que agora estão sangrando na própria pele pelos erros e delitos que cometeram.

Relembro aqui algo que me entristece sobremaneira, quando acontecem determinados episódios que precisam de decisões importantes no Congresso Nacional: a linguagem mercadológica. Todos nós a assistimos durante o processo de votação da reeleição na Câmara dos Deputados, ou seja, "toma lá, dá cá", "é dando que se recebe" e assim por diante. Essa linguagem parecia apenas uma figuração de linguagem, num processo de discussão em que as pessoas achavam que estavam fazendo de brincadeira. Lamentavelmente, estamos descobrindo que a linguagem mercadológica fazia parte de uma prática concreta de compra de votos em troca do apoio à reeleição.

Quero aqui protestar sobre o uso inadequado do termo. A frase mais bonita que já ouvi, em termos religiosos, a de São Francisco, "É dando que se recebe", que tem um sentido espiritual altamente elevado, no Brasil foi amesquinhada pelos políticos ao utilizarem-na em ocasiões em que está envolvida a troca de alguma coisa.

Alerto a todos aqueles que estão buscando mais quatro anos para o seu mandato e aqueles que estão buscando os primeiros quatro anos que, no Brasil, já que se deturpou algo com um sentido espiritual tão elevado, que pelo menos se pense naquela outra frase, que diz: "De que adianta ganhar o mundo, se perdemos a nossa alma?" No Brasil, as pessoas estão se acostumando a ganhar o mundo, a trocar coisas por coisas, perdendo a sua própria alma, a sua dignidade. Não há mais limite ético para a ação das pessoas. Trocar um voto, que não é um direito seu - porque o cidadão, o povo acreano que elegeu essas pessoas não lhes delegou o poder de vender o seu voto no Congresso Nacional; muito pelo contrário -, é vender a própria alma.

Nesse sentido, Sr. Presidente, só posso dizer que o Senado deveria imediatamente buscar assinar, junto com a Oposição, o pedido de CPI, para que esse episódio seja esclarecido, para que se tenha uma resposta à altura daquilo que a sociedade brasileira está esperando. Não me conformo em pensar que esse episódio também acontece em outros Estados da Federação. Para mim, isso não é motivo de consolo, e sim que pudéssemos esclarecer esse fato e que a Oposição, os homens e mulheres de bem deste País, dentro do Congresso Nacional, pudesse dar uma resposta à altura daquilo que a sociedade brasileira espera de nós; que a prática do mercado, do interesse público trocado, aviltado, amesquinhado pelos interesses particulares de uma minoria - espero seja minoria - não permaneça e não desqualifique a nossa democracia, como tem feito. Inclusive, fazendo com que comentários perigosos comecem a acontecer, de que no tempo da ditadura essas coisas não aconteciam.

Eu prefiro a democracia, que é sempre melhor do que qualquer saída ditatorial, porque pelo menos nela a imprensa pode mostrar quem são aqueles que se vendem e, lamentavelmente, também quem são aqueles que compram, podendo mostrar quem são aqueles que, nesse momento, estão interessados em investigar até as últimas conseqüências e os que querem permanecer com o lixo embaixo do tapete, incomodando o bem público e o Brasil com as práticas inescrupulosas que estão ocorrendo.

O Sr. Eduardo Suplicy - Permite-me V. Exª um aparte, Senadora Marina Silva?

O SR. PRESIDENTE (Carlos Patrocínio) - A Mesa gostaria de informar a V. Exª, Senadora Marina Silva, que o seu tempo já se esgotou há cinco minutos.

A SRª MARINA SILVA - Sr. Presidente, peço apenas para conceder o aparte ao Senador Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy - Gostaria de expressar o quão feliz deve estar o povo do Acre por ter V. Exª como representante daquele Estado. V. Exª tem demonstrado, desde o início de sua carreira política, ao longo de sua vida, mas sobretudo desde os seus primeiros dias no Senado, a correção com que procura agir e a maneira com que sempre aponta o que considera aviltante, o que considera uma ofensa à dignidade de todos aqueles que estão em organismos públicos, seja no Executivo ou no Legislativo. Em diversas ocasiões, V. Exª teve a coragem de dizer a verdade e de procurar saber o que é verdade, mas, sobretudo, por suas atitudes, conquistou o respeito e o apoio de todos os Senadores, inclusive daqueles que são adversários do Partido dos Trabalhadores. No próprio Executivo, tem tido V. Exª inúmeras demonstrações desse respeito e desse apoio, até mesmo por parte do Presidente da República, com vistas àquilo que tem sido objeto de seu interesse: a busca da justiça, a melhoria do meio ambiente, a preservação da Floresta Amazônica, a possibilidade de estarem as populações da floresta a desenvolver as suas possibilidades de exploração dos recursos naturais, dos recursos da floresta, dos recursos minerais e o trabalho na agricultura. Tem V. Exª estimulado as formas cooperativas de trabalho, enfim, sempre defendendo o interesse público. Por vezes, aqueles que detêm o controle dos meios de comunicação no Estado do Acre têm realizado campanhas contra V. Exª, exatamente por causa de sua postura. Muitas vezes, como V. Eª mencionou, atribuindo-lhe o motivo de denúncia sobre fatos graves que ocorrem com pessoas na vida política. Agora, com nitidez, é um dos principais órgãos de imprensa, o jornal Folha de S. Paulo, que, com coragem e determinação, publicou, em suas primeiras e principais páginas, denúncia envolvendo nomes importantes da vida política do Amazonas e de alguns Deputados Federais do Acre. É muito importante que sejam os próprios órgãos de imprensa do Acre que venham colaborar com a Folha de S. Paulo no sentido de desvendar a fundo todos os fatos que estão ocorrendo. É também importantíssimo que o Presidente Fernando Henrique e os seus Ministros, a começar pelo Ministro Sérgio Motta, sejam os primeiros a apoiar o processo de investigação adequado que precisa ser realizado, com o instrumento mais eficaz: a Comissão Parlamentar de Inquérito. Considero que o Presidente Fernando Henrique está numa posição de extrema fraqueza quando ordena aos líderes de sua base de apoio a darem ordem aos Parlamentares, seja do PSDB, do PFL, do PTB e, agora, do PMDB - quando, neste dia, anunciam-se dois Ministros, Eliseu Padilha e Iris Rezende -, enfim, dos partidos que o apóiam. Parece que quer o Governo que tais Partidos sejam dóceis, no sentido de não permitirem que os seus Parlamentares estejam a assinar pedido de comissão parlamentar de inquérito. Senadora Marina Silva, no meu pronunciamento, prosseguirei nesse tema, mas considero da maior importância o que V. Exª está a alertar às autoridades do Governo Federal, ao Presidente da República e, sobretudo, aos líderes da base do Governo, inclusive ao próprio Senador José Roberto Arruda, que fez um paralelo desse fato com o jogo de futebol. A expulsão de dois jogadores do campo, obviamente, significa que o jogo deve prosseguir. Mas, quando se sabe, com clareza, que houve atos graves de outros jogadores que continuam em campo, quando se sabe que houve elementos externos que invadiram o campo para atrapalhar as regras do jogo, então é preciso que providências sejam tomadas, é preciso que aqueles que estejam atrapalhando o jogo sejam também excluídos, que o juiz tome a providência de tirar do meio do campo aqueles que vieram atrapalhar as regras do jogo.

A SRª MARINA SILVA - Agradeço a V. Exª o aparte e as palavras carinhosas e respeitosas. Gostaria de dizer que o Estado do Acre sempre teve, na ação de V. Exª, um grande aliado nas grandes causas. Inclusive, neste momento, o Projeto de Renda Mínima de V. Exª é motivo de ação por parte do Conselho Nacional dos Seringueiros, no sentido de implementá-lo em socorro dos seringueiros e dos extrativistas, abandonados à própria sorte.

Sr. Presidente, solicito a V. Exª um pouco mais de tolerância para que eu possa concluir.

Gostaria de colocar algumas questões fundamentais. Para o povo brasileiro, o que é um deputado, um senador, um governador ou, até mesmo, o Presidente da República? Com todos esses acontecimentos que citei e outros que porventura tenha me esquecido, é no mínimo uma pessoa suspeita de estar cometendo, diariamente, atos ilícitos. Nosso povo não considera que as autoridades exerçam suas funções públicas por méritos, mas, sim, por terem sido espertos e conseguido, de alguma forma, aproveitar a oportunidade que lhes apareceu diante da vida.

Na política, diferentemente de outras profissões, em que o trabalho gera amor e respeito por parte da população - como, muitas vezes, temos por médicos, por professores e por pessoas de renome, como é o caso de alguns arquitetos muito bem conhecidos por nós -, o respeito e o carinho são muito difíceis de serem conquistados. Na política, lamentavelmente, as pessoas identificam aqueles que a praticam como alguém que está esperando a oportunidade de lesar o interesse público.

Está sendo dito que a não instalação da CPI seria uma vitória do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Lamento essa vitória. Seria uma triste vitória; a vitória de que o lixo iria continuar embaixo do tapete; a vitória de que a verdade não seria esclarecida, de que a impunidade continuaria, porque, do lado dos corruptores, nada seria feito para parar esse processo insano de corrupção no Brasil.

Por outro lado, Sr. Presidente, é preciso que fique bem claro para a opinião pública nacional que, da parte da Oposição, o interesse é de investigar os fatos, de buscar resolvê-los - como já falei anteriormente -, para que não fique a idéia de que se trata apenas de fazer política para barganharmos vantagens e a simpatia da opinião pública. A simpatia e o respeito da opinião pública acontecerão quanto mais formos capazes de dar as respostas adequadas para os problemas que estamos enfrentando.

Afinal de contas, a violência policial, o analfabetismo, a doença, que muitas vezes mata pela ausência de um simples remédio para diarréia, não têm como esperar por tempo algum. O tempo é agora!

Gostaria de encerrar o meu pronunciamento dizendo que o Presidente Fernando Henrique Cardoso, como sociólogo, como pessoa que entende o que está acontecendo neste País, se não age é porque teme que algum de seus Ministros seja encontrado na sauna ou porque quer ser conivente com esse tipo de atitude.

Ainda sou daquelas que acredita que o sociólogo Fernando Henrique Cardoso, por compreender o Brasil, deve ser capaz de dar a resposta que o Brasil precisa. E o Brasil não precisa de meias verdades, o Brasil precisa da verdade por inteiro, verdade essa que, nesse episódio lamentável, se chama CPI. Só ela poderá investigar esse caso para que, mais uma vez, as coisas não acabem em pizza, como muito bem é colocado pelos meios de comunicação.

Portanto, da parte de alguns Parlamentares, de políticos, de homens e mulheres de bem do Acre, é isso que esperamos; da parte de muitas pessoas do Congresso Nacional, é isso que deve ser feito; e, da parte do Governo, é isso que a sociedade brasileira espera, até para que se justifique o fato de o Presidente Fernando Henrique Cardoso querer mais quatro anos de governo. Que não seja para continuar o lixo embaixo do tapete.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/05/1997 - Página 9883