Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE AS DENUNCIAS QUE ENVOLVEM O MINISTRO SERGIO MOTTA E ALGUNS DEPUTADOS FEDERAIS. IMPORTANCIA DA INVESTIGAÇÃO DOS FATOS POR MEIO DE UMA CPI. DESQUALIFICAÇÃO DAS DENUNCIAS PELO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, QUE ALEGOU SER TUDO UMA ONDA DA OPOSIÇÃO. TENTATIVAS DE DESMORALIZAÇÃO DO LEGISLATIVO E DO JUDICIARIO. APRESENTAÇÃO DE REQUERIMENTO A MESA, CONVOCANDO O MINISTRO SERGIO MOTTA AO SENADO.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA CONSTITUCIONAL.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE AS DENUNCIAS QUE ENVOLVEM O MINISTRO SERGIO MOTTA E ALGUNS DEPUTADOS FEDERAIS. IMPORTANCIA DA INVESTIGAÇÃO DOS FATOS POR MEIO DE UMA CPI. DESQUALIFICAÇÃO DAS DENUNCIAS PELO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, QUE ALEGOU SER TUDO UMA ONDA DA OPOSIÇÃO. TENTATIVAS DE DESMORALIZAÇÃO DO LEGISLATIVO E DO JUDICIARIO. APRESENTAÇÃO DE REQUERIMENTO A MESA, CONVOCANDO O MINISTRO SERGIO MOTTA AO SENADO.
Publicação
Publicação no DSF de 17/05/1997 - Página 9866
Assunto
Outros > REFORMA CONSTITUCIONAL.
Indexação
  • CRITICA, CONDUTA, SERGIO MOTTA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DAS COMUNICAÇÕES (MC), FALTA, ETICA, NEGAÇÃO, COMPARECIMENTO, COMISSÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, APURAÇÃO, DENUNCIA, CORRUPÇÃO PASSIVA, DEPUTADO FEDERAL, FAVORECIMENTO, APROVAÇÃO, EMENDA CONSTITUCIONAL, REELEIÇÃO.
  • CRITICA, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, IMPUTAÇÃO, OPOSIÇÃO, RESPONSABILIDADE, CORRUPÇÃO, DEPUTADO FEDERAL, FAVORECIMENTO, APROVAÇÃO, EMENDA CONSTITUCIONAL, REELEIÇÃO.
  • APRESENTAÇÃO, REQUERIMENTO, MESA DIRETORA, SOLICITAÇÃO, COMPARECIMENTO, SENADO, SERGIO MOTTA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DAS COMUNICAÇÕES (MC), ESCLARECIMENTOS, DENUNCIA, CORRUPÇÃO PASSIVA, DEPUTADO FEDERAL, CORRUPÇÃO ATIVA, GOVERNADOR, ESTADO DO AMAZONAS (AM), ESTADO DO ACRE (AC), OBTENÇÃO, VOTO FAVORAVEL, APROVAÇÃO, EMENDA CONSTITUCIONAL, REELEIÇÃO.

O SR. LAURO CAMPOS (BLOCO/PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, ao contrário do que seria de se esperar, S. Exª, o Ministro Sérgio Motta, conhecido como Serjão, negou-se a comparecer perante a Comissão da Câmara dos Deputados que pretende esclarecer episódios muito suspeitos, de suma gravidade, que teriam envolvido a compra dos votos de cinco Deputados Federais. Ora, de início, eram dois; agora são cinco.

Nesses dias, eu estive tentando compreender o que se passa. Há muitas coisas estranhas que talvez só inteligências superiores como aquela que julga o Sr. Sérgio Motta possuir podem entender. Ele, que se auto-intitula Maquiavel, talvez se tenha esquecido de que Nicolau Maquiavel, nascido em 1468, e que tantos serviços prestou a César Borja, príncipe de Florença, filho de Alexandre VI, o Papa, é tão antigo que a modernidade de hoje não deveria tomar como modelo. Mas Sérgio Motta afirma ser o novo Maquiavel, e isso S. Exª me disse em resposta a uma pergunta dirigida que lhe fiz na Comissão de Assuntos Econômicos desta Casa. 

Quid bonus (a quem serve) se, quando se trata de um crime passional, a pergunta clássica é: cherchez la femme, ou seja, procurem a mulher causadora do crime passional. Aqui, quando se trata desse tipo de crime, pergunto: a quem serve, a quem beneficia os R$200 mil que cada um dos Deputados teria levado?

Confessaram o seu crime. Confessaram que receberam R$200 mil para votar favoravelmente à reeleição do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Se nesse momento inicial, em que estão dando o chute na bola para começar esse jogo suspeito da reeleição, já aparecem corruptos e corruptores - e, muito estranho, depois de colocar R$200 mil no bolso e ter recebido, um deles, no ano passado, a concessão de uma estação de televisão -, parece que querem matar a galinha dos ovos de ouro, porque S. Exªs sabem que a sua confissão representa a perda de seu mandato. Portanto, estão sacrificando o mandato de Deputado Federal, cada um deles, uma vez que não há dúvida alguma de que a corrupção passiva de que S. Exªs se auto-incriminam não poderá ter outra conseqüência senão a perda dos seus mandatos. E tão clara e transparente foi a sua ação criminosa, e tão firme e detalhada a sua confissão, que o PFL, o Partido a que a que pertencem, sem maiores delongas como é tão freqüente nesta Casa quando se trata de investigar a vida, o comportamento, a ética de nossos companheiros, em vinte e quatro horas já os expulsou, como a parte inicial do preço que vão pagar. É muito estranho tudo isso!

O Ministro Sérgio Motta, que afirmou, entre outras coisas, que com Deputado só conversa na sauna, disse que não foram cinco, que foram apenas dois. Ora, duas andorinhas não fazem verão, dois votos de Deputados não ganham reeleição. Se o processo foi bem conduzido pela inteligência superior do Ministro Sérgio Motta, com as suas espertezas maquiavélicas, obviamente tem mais gente metida nessa embrulhada.

O interessante é que o Ministro Sérgio Motta, Sua Excelência, o Presidente Fernando Henrique Cardoso, e até a Primeira-Dama usaram a mesma expressão, que está nos jornais de ontem: "esse fisiologismo é coisa antiga, é coisa da República velha. Os neo não usam desses expedientes espúrios e condenáveis, não compram consciências, não compram votos".

Em uníssono, a declaração foi a mesma.

Fiz um discurso, desta tribuna, no ano passado, em que salientei a declaração do Governo de que havia parado com a compra de votos, parado com o fisiologismo. Quando se pára alguma coisa é porque essa coisa estava em movimento. Portanto, não é tão antiga a prática fisiológica neste País, o quanto agora S. Exªs pretendem afirmar.

Até às vésperas, até no início e no meio do processo das reformas constitucionais, que servem a este Governo, obviamente houve recurso. Sempre que julgaram periclitar o apoio da maioria, o uso da máquina, o uso de favores, e, agora, o uso do dinheiro para conseguir, de qualquer forma, a maioria necessária.

Portanto, não seriam apenas as duas, ou mesmo as cinco "andorinhas" que seriam capazes de mudar o resultado pretendido pelo Governo, no que diz respeito à reeleição do Presidente Fernando Henrique Cardoso. É preciso investigar mais profundamente esse assunto. E, para evitar que uma Comissão Parlamentar de Inquérito viesse com os seus poderes, capaz de penetrar até as bases e as raízes dessa podridão, os Partidos que apóiam o Governo, mais do que depressa, criaram uma Comissão que não tem poderes. Uma Comissão que convoca o Ministro Sérgio Motta e S. Exª não comparece, porque esta não tem poderes para que o Sr. Sérgio Motta compareça a fim de explicar parte desses problemas em que o nosso "Maquiavel" acabou se metendo.

Pois bem, a quem serve, a quem beneficia, a confissão desses Srs. Deputados? A S. Exªs não, porque perderão os seus mandatos, certamente - já foram expulsos dos seus Partidos. A quem serve essa confusão, essa desmoralização do Legislativo? Talvez, sirva àqueles que querem também desmoralizar o Judiciário, àqueles que querem criar as condições ideais para que, num processo de limpeza, em nome da higiene, em nome da ética e da moral, um novo Fujimori se instale neste País.

Assim, poderíamos entender por que tamanhos despautérios, por que tamanhos ilogismos, por que tamanhas aberrações e declarações que são, realmente, suicidas do ponto de vista político. Qual a lógica que está por trás de tantas incongruências e de tantos atos incompreensíveis?

Ontem, em Minas Gerais, o Presidente Fernando Henrique Cardoso quis atenuar e desqualificar esse acontecimento seriíssimo. Disse Sua Excelência que isso não passa de "onda" da Oposição. Um Ministro de Estado, acusado por vários Deputados de terem recebido, através de governadores de Estado, R$200 mil, cada, para apoiar a reeleição pretendida por Sua Excelência. Isso, por acaso, partiu da Oposição? Ou partiu do próprio Governo e dos Partidos que o apóiam? Todos os cinco Deputados pertencem aos Partidos que apóiam o Governo. A onda não veio das oposições. E sobre essas ondas parece, comodamente, surfar Sua Excelência, o Presidente da República, que não leva o acontecimento a sério. Portanto, é preciso se aprofundar no âmago dessa chamada onda e não surfar irresponsavelmente em sua superfície. E se existe um jogo maquiavélico em todo esse processo, é óbvio que esse maquiavelismo parte da suspeita de que a lua cheia está-se transformando em quarto minguante. O Governo já não tem segurança de contar com o seu rolo compressor, com a eficiência de sua vontade soberana. E agora mostra sua fraqueza, comprando cinco Deputados Estaduais. Isso é uma demonstração de fraqueza, revelando também mais um ingrediente que pode nos levar a fortalecer a convicção de que, alguém no Governo, maquiavelicamente, esteja jogando na desmoralização. Duzentos mil reais para comprar apenas esses "votinhos" insignificantes com R$1 milhão ou, nesse preço, R$200 mil, está também contratada a confissão por parte daqueles que receberam o dinheiro? A confissão desmoralizante, a confissão desmoralizadora de toda a instituição legislativa, se isso não for devidamente apurado. E mesmo que seja, já é, em si, um ato completamente desmoralizador. Portanto, é preciso aprofundarmos nessa hipótese de que realmente os R$200 mil e a concessão da retransmissora de canal de televisão não foram apenas para comprar esses votos, que não valem esse preço, mas que neles estava embutido o preço da autodenúncia, da perda de cinco mandatos de Deputados.

Infelizmente, não encontro, partindo do pressuposto da inteligência e da esperteza do Ministro Sérgio Motta, outra explicação para o seu comportamento, a não ser esse maquiavelismo suspeito, que S. Exª estaria utilizando para desmoralizar totalmente as instituições no Brasil, entre elas o Legislativo; outra, obviamente, o Judiciário, que há muito tempo é uma das vítimas dessas tendências desmoralizadoras, manipuladas pelo Poder Executivo.

Portanto, o que teríamos de concluir é que, diante de uma possível derrota eleitoral, com o povo fazendo ouvir as vozes roucas nas ruas, com os atos praticados com um nítido caráter anti-social e antinacional, o Governo estaria diante de um processo de desmoralização.

Mas uma pessoa tem que se salvar, tem que haver alguém incólume, para ser um impositor de uma nova ética, de uma nova moralidade, de uma nova composição dos Poderes. Tem que haver um Fujimori, aparentemente asséptico, para impor a assepsia geral.

Portanto, o Presidente Fernando Henrique Cardoso não pode se imiscuir com o seu cavaleiro e Ministro Sérgio Motta. Sérgio Motta assumirá integralmente a culpa - se o meu raciocínio estiver correto -, porque é óbvio que Maquiavel deve estar disposto a se sacrificar pelo Sr. César Borja, pelo seu príncipe. Isso faz parte das incumbências, do destino, dos compromissos de Maquiavel com os objetivos finais.

Para que o processo chegue até o seu final, é necessário que se crie um círculo de pureza diante da figura do Presidente Fernando Henrique Cardoso e para que isso se faça é preciso que não apenas cinco confessem a sua desmoralizante descompostura, mas também o Ministro Sérgio Motta, aquele que afirmou que todos nós somos seres dos quais ele não se aproxima senão com os cuidados, ou da nudez, ou da mão no bolso, para não ser assaltado por nós, políticos.

Portanto, as ofensas são espalhadas de uma maneira irresponsável e geral. E são inaceitáveis por parte do Poder Legislativo, que não pode, de forma alguma, se conformar em ser o objeto destas considerações; estas, sim, que representam injúrias, calúnias e difamações lançadas contra o Poder Legislativo.

Logo, é necessário, pelo menos para começar, que o Ministro Sérgio Motta seja convocado a esta Casa para prestar esclarecimentos a respeito do que foi dito e do que foi, talvez, deturpado pela imprensa, pois realmente não acredito que tamanho despautério, tamanho despropósito tenha sido pronunciado ipsis litteris por S. Exª, o Ministro Sérgio Motta. Seria um descalabro tão grande, seria um absurdo de tamanha dimensão que nem a cabeça maquiavélica de Sérgio Motta poderia elucubrar e enunciar.

Portanto, estou encaminhando requerimento no sentido - desde que S.Exª não foi à comissão da Câmara - de que S. Exª venha nos esclarecer, porque não acredito que tudo isto possa ter sido cometido por S. Exª para garantir a reeleição, esta reeleição que vem sem desincompatibilização, que já começa na corrupção, através de atos de corrupção. Corruptores e corrompidos lutando a mesma luta, a luta que sabemos já existir, confessada também pelo Presidente da Radiobrás, que disse estar movendo uma guerrilha televisiva para a reeleição do Presidente da República. - Quem não tiver competência, que não se estabeleça. Eu tenho 490 emissoras para reeleger Fernando Henrique Cardoso Presidente - declarou tudo isto à revista IstoÉ. Assim, é a máquina que está, já há muito tempo, a serviço da reeleição. Os conchavos entre o Presidente da Radiobrás e o Presidente da República se deram antes da eleição anterior, num restaurante de Recife, onde eles se encontraram. E, ali, o servil presidente da Radiobrás sugeriu a reeleição, antes da eleição. Por isso, a ele foi dado esse superpoder. E continua lá; não foi demitido após aquela confissão, porque realmente estão compactuados, tendendo aos mesmos fins, fins que justificam tudo nesta República moderna, neo-qualquer-coisa.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, pelo dedo se conhece o gigante. Se o dedo aí está - são cinco Deputados envolvendo R$1 milhão e a concessão de emissoras de televisão -, se a esperteza aí está e, como diz o ditado mineiro, a esperteza, quando cresce, cria perna e costuma comer o esperto, o maquiavel poderá ser comido por suas espertezas, pelos demônios que ele solta - pequenos alguns deles, como, por exemplo, prometer, diante de duas vagas de ministérios, a quatro ou cinco candidatos, garantir, para ver a casa pegar fogo, para ver a discórdia surgir entre os partidos que pleiteavam esses ministérios, e, finalmente, de uma lista de quatro, saem o quinto e o sexto, que não estavam naquela lista, que não eram cogitados - mas um dedo maquiavélico e conturbador, cujo objetivo não era a estabilidade e a estabilização, mas a conturbação dos próprios partidos que o apóiam.

Espero que nós, do Legislativo, nos coloquemos de pé, reafirmemos nossa dignidade, reafirmemos que não estamos aqui para freqüentar saunas com esse Ministro ou com qualquer outro. Até hoje, em minha vida, nunca entrei em sauna alguma, pois prefiro suar no cabo da enxada e em outras práticas esportivas. Esse negócio de sauna é para as práticas do Sr. Sérgio Motta. Ele deve estar acostumado a se precaver, andando desprovido do dinheiro que voa de seu bolso, para comprar consciências e corromper o Legislativo.

O SR. PRESIDENTE (Geraldo Melo) - Senador Lauro Campos, desculpe-me por interrompê-lo, mas gostaria de avisar que o tempo de V. Exª está esgotado há 8 minutos.

O SR. LAURO CAMPOS Sr. Presidente, peço desculpas a V. Exª e encerro aqui o meu discurso.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/05/1997 - Página 9866