Discurso no Senado Federal

NECESSIDADE DA APURAÇÃO DAS DENUNCIAS DE CORRUPÇÃO DE COMPRA E VENDA DE VOTOS EM FAVOR DA APROVAÇÃO DA EMENDA DA REELEIÇÃO, JÃ QUE NÃO BASTA PUNIR APENAS OS CINCO DEPUTADOS, SOB PENA DA REELEIÇÃO FICAR MARCADA PELA SUSPEIÇÃO.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA CONSTITUCIONAL.:
  • NECESSIDADE DA APURAÇÃO DAS DENUNCIAS DE CORRUPÇÃO DE COMPRA E VENDA DE VOTOS EM FAVOR DA APROVAÇÃO DA EMENDA DA REELEIÇÃO, JÃ QUE NÃO BASTA PUNIR APENAS OS CINCO DEPUTADOS, SOB PENA DA REELEIÇÃO FICAR MARCADA PELA SUSPEIÇÃO.
Publicação
Publicação no DSF de 21/05/1997 - Página 10132
Assunto
Outros > REFORMA CONSTITUCIONAL.
Indexação
  • DEFESA, INSTALAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), REELEIÇÃO, REPUDIO, REFORMA CONSTITUCIONAL, PROCESSO, CORRUPÇÃO.
  • PRECARIEDADE, REPUTAÇÃO, CLASSE POLITICA, OPINIÃO PUBLICA.
  • OPOSIÇÃO, CONTINUAÇÃO, VOTAÇÃO, EMENDA CONSTITUCIONAL, REELEIÇÃO, SENADO.

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, mais uma vez quero registrar o meu posicionamento com relação à questão da instalação de uma CPI, para se investigar esse lamentável episódio da venda de votos de Deputados no processo de aprovação da emenda da reeleição.

Amanhã, nesta Casa, iremos votar um projeto que muda a Constituição brasileira e que irá assegurar, se aprovado, o direito de o Presidente da República se recandidatar para buscar governar, por mais quatro anos, este País.

Lamento que a Constituição brasileira, como já falei anteriormente, venha a ser mudada com o registro, na sua história, no seu processo de aprovação, da compra de votos. Seria uma mudança fraudada, do ponto de vista ético e político. Não seria uma mudança feita na disputa política, no jogo entre maioria e minoria. Seria uma fraude, porque considero esse processo de corrupção uma fraude para uma disputa que, democraticamente, deveria legitimar-se num processo de discussão, num debate, entre aqueles que têm um posicionamento contrário e os que têm um posicionamento favorável à matéria.

Por que o Presidente Fernando Henrique Cardoso não quer que uma CPI investigue a compra de votos? Ao assumir esta posição, o Presidente não estaria contribuindo para ampliar as suspeitas de que o procedimento da compra de votos teria chegado muito perto de seu gabinete? São interrogações que, com certeza, a Oposição e a sociedade brasileira, acima de tudo, estão fazendo.

Ontem, o Porta-Voz da Presidência, Embaixador Sérgio Amaral, reconheceu que a imagem do Governo está arranhada com esse episódio. Será então que a boa terapia seria deixar que o tempo e a poeira da velha política fisiológica cicatrizem este arranhão?

Dizem que a memória dos brasileiros é curta. Será curta mesmo? Ou, ao contrário, não seria apenas a enorme quantidade de crimes e escândalos impunes, que congestionam a nossa memória e alimentam a descrença crônica dos brasileiros na apuração dos fatos até o fim e a sua conseqüente punição?

Será que o sociólogo Fernando Henrique Cardoso acredita que passado este inferno astral, o Governo e o Congresso terão credibilidade para continuar votando as reformas? Como o Governo seguirá negociando votos no Congresso para aprovar as reformas?

Será que não ficará a pecha de estar sempre sob suspeição da sociedade brasileira de que haveria compra de votos? Ontem, fiquei estarrecida quando vi um Senador da Bancada de sustentação de Governo, nesta Casa, Senador José Fogaça, dizer que existem aqueles que vendem até voto de pesar. No meu aparte, disse-lhe que se existe quem vende é porque existe quem compra. Se existe quem compra até voto de pesar, quanto mais num processo de emenda de reeleição, que envolve tantos interesses ou mesmo as tão propaladas reformas, tidas pelo Governo como fundamentais para desengessar o País.

A impressão que fica, Sr. Presidente, é que, para aprovar a todo custo esse obscuro objeto de desejo em que se transformou a reeleição, o Governo tomou um caminho quase sem volta. Os nossos tradicionais políticos fisiológicos, corruptos ou corruptores, devem estar alvoroçados e eufóricos diante da possibilidade de que mais uma vez tudo poderá acabar em "pizza". Aliás, o Ministro Sérgio Motta esqueceu-se de avisar que depois de uma boa sauna, nada como uma boa pizza!

Sinceramente, Srªs e Srs. Senadores, será esse tipo de política que queremos continuar fazendo em nosso País? Será que um sociólogo, como nosso Presidente, acredita ser possível reformular as instituições políticas e avançar na democratização em todos os níveis, sem uma ampla reforma da própria política?

Ressalto aqui um episódio acontecido comigo e o ex-Prefeito Jorge Viana: em 1986, Chico Mendes saiu candidato a Deputado Estadual e eu, pela primeira vez, me lancei como candidata à Deputada Federal Constituinte, com apenas 27 anos. Algumas pessoas me diziam que era um sonho uma professora secundária querer concorrer nas eleições. Num debate dentro da universidade, um de meus adversários dizia que ele era corrupto e corruptor e que o seu compromisso com os seus eleitores acabava após a votação, porque comprava e pagava pelos seus votos. Esse episódio fez que Chico Mendes - e eu estava a seu lado - dissesse para um eleitor que assim o indagava: "- Você agora será candidato, Chico?" Ele respondeu: "- Pois é, estão me colocando nessa fria." Jorge Viana então lhe disse: "- Chico, se você falar sempre assim, não terá votos, porque as pessoas pensarão estar lhe fazendo mal." Talvez agora entenda que a "fria" a que ele se referia - à época era muito jovem para entender -, baseava-se no fato de ser muito difícil fazer política em um Estado onde prevalece o dinheiro, sendo muito difícil fazer política a pé, enquanto nossos adversários tinham rios de dinheiro para comprar, aliciar votos e até mesmo fraudá-los.

Infelizmente, com esse vergonhoso episódio, os acreanos lamentam que os seus representantes tenham, mais uma vez, oferecido ao povo brasileiro o triste espetáculo de uma corrupção que parece estar entranhada no âmago das instituições e da política. Mas esses esquemas de corrupção se encontram em qualquer parte do País, lamentavelmente.

O pior, Sr. Presidente, é que frente às pressões do Governo para evitar a CPI, o Poder Legislativo deverá ser, entre os Três Poderes, o mais atingido. Basta ver a evolução das últimas pesquisas de opinião. Dias antes desse escândalo, 75% dos paulistas consideravam a atuação do Congresso regular, ruim e péssimo, segundo o DataFolha. O prestígio do Presidente Fernando Henrique Cardoso, apenas uma semana após o episódio, caiu 8%. Para quanto terá despencado o prestígio do Congresso, que, antes do escândalo, não passava de 12%?

Senhoras e Senhores, estamos aqui para resolver os problemas do País e contribuir para a melhoria da vida dos brasileiros. Mas será que, em face desses episódios, temos credibilidade para debater os problemas do País em face? Será que a população nos dá esse crédito? Eu não estranharia se grande parte dos brasileiros, perguntados sobre o principal problema do País, respondesse - lamentavelmente - que são os políticos.

É muito incômodo para quem enxerga na política um ato de decência e dignidade continuar sendo identificado com esse tipo de atitude e comportamento. Mas mais difícil ainda é passar por cima e não encarar esta unanimidade nacional: a descrença generalizada nos políticos. Nós precisamos, Sr. Presidente, encarar o fato e buscar todas as forças necessárias para resolvê-lo, doa a quem doer!

Eu disse anteriormente que quem não tiver culpa nesse processo que atire a primeira pedra. Só existe uma pedra a ser atirada: CPI. O Governo, a Oposição, a Bancada de sustentação do Governo deveriam trabalhar no sentido de que ela seja instaurada, para que esses fatos lamentáveis sejam devidamente esclarecidos.

Neste momento, cabe ao Congresso deixar de lado a pressão do Executivo e instalar a CPI o mais rápido possível. Punindo dois ou três Deputados e encerrando rapidamente o assunto, estaremos contribuindo para que tudo volte à normalidade. Mas que normalidade? Se for aquela normalidade em que todos nós continuamos a caminhar sobre os tapetes desta Casa, respirando ar condicionado e buscando negociações inúteis nas quais a maioria prevalece sobre a minoria - muitas vezes pela força do "toma lá, dá cá" - então eu não quero essa normalidade. Prefiro que o Brasil pare para pensar. Não adianta caminhar com essas pernas.

Gostaria de convidar todos os Srs. Senadores para fazerem uma profunda reflexão. Gostaria que o Sr. Presidente Fernando Henrique Cardoso deixasse um minuto de lado o seu pragmatismo político perigoso e refletisse. Que política estamos construindo? Para aonde estamos indo? Qual é o projeto político do grupo que domina a espinha dorsal do Governo e que está no Planalto, nos Ministérios da Fazenda, do Planejamento e das Relações Exteriores? Será apenas permanecer 20 anos no poder? Por quê? Para quê?

Repito: a utilização da bela frase de São Francisco de Assis "é dando que se recebe" é inadequada; mas, infelizmente, a nossa cultura fez dela um ato de referência aos acontecimentos espúrios que ocorrem na política brasileira. No entanto, àqueles que desejam estender seu mandato em mais quatro anos e àqueles que buscam conquistar quatro anos de mandato, cabe a frase do homem da Galiléia "De que nos serve ganhar o mundo, se perdemos a nossa alma?"

É isto que o Brasil está fazendo: está perdendo a sua alma, a sua dignidade. Àqueles episódios - os quais deveriam servir para o engrandecimento da nossa democracia, para a reflexão dos nossos problemas - acabamos reagindo com atitudes e gestos que nos levam à vergonha e ao desprestígio frente à população.

Amanhã será um dia decisivo para esta Casa. Se quisermos votar um projeto de mudança da Constituição brasileira contando com o crédito da sociedade brasileira, é fundamental que primeiro esclareçamos esse lamentável episódio. Foram citados dois Governadores e cinco Deputados, que, obviamente, têm direito de defesa. Não adianta cassarmos um ou dois e deixarmos que o Brasil continue apodrecendo em suas entranhas. Na verdade, o que está acontecendo é apenas uma pequena ferida do câncer que está apodrecendo as entranhas das instituições e da política brasileira.

E eu não quero fazer parte disso. Por isso, questiono a votação da emenda da reeleição. Tenho convicção de que esta Casa deva esperar pelos devidos esclarecimentos. Se assim o fizermos, talvez a Nação brasileira comece a respeitar o nosso trabalho e nós recuperemos um pouco da credibilidade que perdemos nesses anos de trabalho árduo para muitos e de falcatruas e de indolência para uma boa parte que envergonha as pessoas que aqui chegam pelo seu esforço, para trabalhar em defesa do País. Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/05/1997 - Página 10132