Discurso no Senado Federal

POSIÇÃO FAVORAVEL A INSTALAÇÃO DA CPI PARA INVESTIGAÇÃO DAS DENUNCIAS DE COMPRA DE VOTOS, DURANTE A VOTAÇÃO DA EMENDA DA REELEIÇÃO NA CAMARA DOS DEPUTADOS. INDIGNAÇÃO COM O PREFEITO DO MUNICIPIO DE PIRAJUI/SP, SR. JOSE ORTEGA, PELO CONSTRANGIMENTO IMPOSTO A UMA CRIANÇA NEGRA DE OITO ANOS, SOLTA NUA NO MEIO DE UM RODEIO.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA CONSTITUCIONAL. DIREITOS HUMANOS.:
  • POSIÇÃO FAVORAVEL A INSTALAÇÃO DA CPI PARA INVESTIGAÇÃO DAS DENUNCIAS DE COMPRA DE VOTOS, DURANTE A VOTAÇÃO DA EMENDA DA REELEIÇÃO NA CAMARA DOS DEPUTADOS. INDIGNAÇÃO COM O PREFEITO DO MUNICIPIO DE PIRAJUI/SP, SR. JOSE ORTEGA, PELO CONSTRANGIMENTO IMPOSTO A UMA CRIANÇA NEGRA DE OITO ANOS, SOLTA NUA NO MEIO DE UM RODEIO.
Publicação
Publicação no DSF de 21/05/1997 - Página 10135
Assunto
Outros > REFORMA CONSTITUCIONAL. DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • APOIO, NECESSIDADE, URGENCIA, INSTALAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), APURAÇÃO, DENUNCIA, VENDA, VOTO, APROVAÇÃO, EMENDA CONSTITUCIONAL, REELEIÇÃO.
  • REPUDIO, CONDUTA, JOSE CARLOS ORTEGA, PREFEITO, MUNICIPIO, PIRAJUI (SP), ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DESRESPEITO, NORMAS, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, DEFESA, DIREITOS, CIDADÃO, OFENSA, DIGNIDADE, CRIANÇA, FAMILIA, UTILIZAÇÃO, MENOR, NEGRO, DIVERSÃO PUBLICA, RODEIO.
  • COMENTARIO, ENCAMINHAMENTO, DENUNCIA, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), SECRETARIA, DIREITOS HUMANOS, EXIGENCIA, PROVIDENCIA, PUNIÇÃO, PREFEITO, AGRESSÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, LEGISLAÇÃO, SENADO, PREVISÃO, CRIME, DISCRIMINAÇÃO RACIAL.

A SRª. BENEDITA DA SILVA (Bloco PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não pedi aparte porque não caberia na comunicação inadiável do Senador Ademir Andrade e, por questão de tempo, também não o fiz na intervenção da Senadora Marina Silva.

No entanto, antes de me pronunciar a respeito do tema que me trouxe à tribuna, quero dizer ao Senador Ademir Andrade e à Senadora Marina Silva que eles foram felizes nas abordagens em relação a esse tema, pois o Congresso Nacional brasileiro está sob suspeita. E por mais que se queira dizer que já expulsaram dois ou que o que está acontecendo na Câmara não está acontecendo no Senado, o Congresso Nacional brasileiro está sob suspeita, já que não temos outro instrumento senão uma CPI que investigue a fundo para provar que não há envolvimento de outros Srs. Senadores, ou Governadores, ou Deputados.

Essa não é apenas uma questão que diz respeito ao papel da oposição: diz respeito a cada um de nós. Se o Presidente da República Fernando Henrique Cardoso não deseja que seja instalada a CPI, que busque apoio em sua Bancada de sustentação no Congresso Nacional; isso não vale para os mandatos individuais, que devem prestar ao seu eleitorado e à população todos os esclarecimentos possíveis.

Ora, uma coisa é o Presidente da República dizer que não quer uma CPI. Esta se instala a partir de nossas assinaturas. E estou assinando para que a CPI seja instalada, não importa se vai atingir esta ou aquela pessoa. O importante é que estamos usando uma prerrogativa nossa, de trazer o debate para o Congresso Nacional. Quem tem medo da CPI? Nossos mandatos devem ser transparentes e passíveis de crítica. E também temos o legítimo direito de defesa. E o direito de defesa do Congresso Nacional neste momento se faz pela instalação de uma CPI.

Alguns dizem que "acaba em pizza". Mesmo que tenham essa concepção - já vi acabar em impeachment e não em pizza -, é preciso que essa comissão parlamentar de inquérito se instale, é preciso fazer um chamamento a todos os Srs. Deputados e Senadores enfatizando o fato de que não estão pura e simplesmente em jogo um, dois, três nomes, ou alguém do Ministério, ou a vontade do Presidente da República. Todos nós, que pertencemos a esta Casa, que fomos trazidos pelo voto direto do povo brasileiro, temos o papel e o dever, já que, nas bases da sociedade brasileira, se perguntam, se interrogam por que não instalamos ainda essa CPI: porque não entendem bem como tramitam essas articulações políticas nesta Casa para a instalação de uma CPI.

Não o faço por um pensamento raivoso, odioso ou vingativo, faço-o pela defesa, em primeiro lugar, do Congresso Nacional, depois pelos mandatos individuais que temos nesta Casa e que buscamos da tribuna, das nossas comissões, prestar contas ao povo brasileiro do que esse Legislativo tem feito, seja a Câmara dos Deputados ou o Senado Federal. Por isso, quero aqui apoiar todas as iniciativas. Estive presente a um ato no Nereu Ramos, onde todas as representações, lideranças e forças políticas sindicais estiveram presentes, porque queremos que essa CPI se instale. E é preciso que saiba o Senado Federal, quero enfatizar, em que pese a achar que não vai resvalar, porque nada temos com isso e vamos votar a reeleição, que, neste momento, estamos sob suspeita.

Não há pressa para tal. A necessidade e a pressa que temos é de instalar a CPI, para investigar, para devolver a este Congresso Nacional, como bem disse a Senadora Marina, a credibilidade que perdemos a cada instante que deixamos de exercer nossa função e dar o instrumento de que o povo brasileiro precisa para a investigação por nós eleitos por eles.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu estava numa CPI em Porto Alegre, na quinta-feira, sexta-feira e sábado, CPI essa que investiga o trabalho infantil e cuja Presidente é a Senadora Marluce Pinto. Participa também dessa CPI a Senadora Emília Fernandes e a Deputada Fátima Pelaes. Foi com muita indignação que tomei conhecimento, em Porto Alegre, de que uma criança havia sido solta nua no meio de um rodeio. A mídia de todo o País noticiou isso e fiquei pensando naquela criança negra, de oito anos - independentemente de ser negra, o que quero é enfatizar a questão da criança, porque estava em Porto Alegre, juntamente com a CPI, cuidando, investigando a questão do trabalho escravo da criança e do adolescente. Tivemos a oportunidade de dar flagrantes e constatar que realmente existe esse tipo de trabalho no Rio Grande do Sul.

Fiquei pensando em como estariam, naquele momento, os pais daquela criança, colocada nua em um rodeio, em situação de constrangimento. Tomamos conhecimento do fato pela divulgação de uma fita de vídeo. O menino ficou preso em um saco de estopa. Poderia ter sido uma brincadeira de crianças. Quando criança, tive a oportunidade de participar da brincadeira do saco, mas lá, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não se tratava de uma brincadeira: o menino ficou preso dentro de um saco de estopa e foi carregado por um palhaço em virtude da iniciativa cruel tomada pelo Prefeito de Pirajuí, José Carlos Ortega, organizador da festa.

O Prefeito pagou R$10 ao pai, que, necessitado e inocente, permitiu a participação do filho sem saber que o levaria àquele grande constrangimento. Lá foi solto o menino e a população que esperava algo sorria, porque não imaginava que apenas um menino, uma criança, seria solta, nua, naquele rodeio, como se fosse um animal.

O Prefeito considerava perfeitamente normal que se soltasse algo no rodeio, mas esse algo, Srs. Senadores, era que uma criança negra de oito anos, tratado como um animal. Ele humilhou essa criança, animalizou essa criança, para o deleite de uma multidão. Isso é uma questão muito séria!

Sei que os grandes temas nacionais são hoje prioridade em nossos debates e que, mesmo com a cobertura da mídia, não tivemos oportunidade de discutir esse ato cruel de um membro do Executivo. Na abertura da festa, o Prefeito fez um aviso e eu trouxe para cá as palavras dele. Prestem atenção ao aviso que ele fez:

      "Tenho uma surpresa para o público a respeito do locutor". Em seguida, revelou o segredo: "Há sete anos, este locutor esteve em Pirajuí e neste período de estada em nossa cidade viveu um grande amor de sua vida, que durou pouco, mas o suficiente para plantar uma semente que gerou vida. E agora, senhor locutor, para você, o fruto deste amor".

Nesse momento, entra o palhaço no centro da arena, com um saco nas costas, dando a impressão de que se tratava de um animal. Mas não era um animal. O conteúdo foi despejado no chão. Era uma criança negra de sete anos que o prefeito entregou ao locutor, um menino nu, negro, pobre, filho de uma família pobre, negra, sem condições de se defender e de lutar pelos seus direitos e por sua dignidade.

Além do racismo explícito embutido no ato daquele Prefeito, a "brincadeira" de mau gosto feriu a dignidade da mulher, pois, se prestarmos atenção na forma como ele fez aquela apresentação, verificaremos que a mãe da criança foi exposta ao ridículo e que teve sua moral desrespeitada publicamente naquele momento. O pai também sofreu a mesma humilhação diante da forma como o Prefeito disse que o locutor tinha vivido o amor da sua vida e que o resultado desse amor era exatamente aquela criança. O pai sofreu uma humilhação, a mãe foi desrespeitada, e a criança na arena, indefesa, nua, exposta aos olhares dos presentes, também teve sua dignidade ultrajada.

A cena "do pretinho pobre e nu, dentro de um saco" revoltou a população. Quem deixaria seus filhos e filhas, parentes ou amigos passarem por uma situação semelhante, de humilhação, desrespeito e constrangimento? Quem de nós faria isso? Será que isto aconteceria com uma criança não fosse pobre e negra? Aliás, não aconteceria, porque jamais se atreveriam a fazer uma brincadeira dessa natureza com um menino loiro e rico.

Quero crer que, com o respeito que é devido aos seus familiares, o Prefeito sequer pensou, um dia, fazê-lo com alguém de sua família, mas faltou com o respeito a outra família.

A indignação passa pela constatação de que, para o Prefeito este menino é um animalzinho que, pura a simplesmente, pode servir de troça para as aberrações de suas graças.

Recebi essa notícia, também, por meio do pároco da Paróquia São Sebastião, daquela cidade, Padre José Eraldo Germano da Silva, que não conteve a indignação diante de tais fatos e remeteu ao meu gabinete extensas e detalhadas folhas de faxes, contando esta atrocidade.

A Constituição brasileira, elaborada em 1988, representou significativo avanço para a construção de uma sociedade verdadeiramente igualitária, fraterna e do Estado Democrático de Direito no que se refere à defesa dos direitos dos cidadãos, conforme especifica nos seus artigos 1º, 5º e 227.

Quero enfatizar este último:

      "Art. 227 - É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão".

A atitude do Prefeito, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, feriu todos os princípios constitucionais e artigos que dizem respeito à família, à criança e ao adolescente. 

Dentre as leis complementares existentes em nosso País, o Estatuto da Criança e do Adolescente determina:

"Art. 232 - Submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou constrangimento:

Pena - detenção de seis meses a dois anos."

É isso que merece o Prefeito. Temos que acionar este dispositivo para que ele cumpra sua determinação. Já a legislação que deu forma aos crimes de racismo, a Lei 7.716, de 5 de janeiro de 1989, recentemente votada por esta Casa e sancionada pelo Presidente da República, que define os crimes resultantes de preconceitos de raça ou de cor, sujeita o acusado, em seu art. 20, à pena de reclusão de 2 a 5 anos.

Esse Prefeito pode, perfeitamente, ser enquadrado nesse artigo.

A brincadeira foi longe demais. O que seria um simples passatempo - coisa normal, na concepção do Prefeito - torna-se transgressão à lei, punível, inclusive, com prisão: aliás, a infração de várias leis, como pudemos constatar. É uma afronta à Constituição brasileira e até mesmo ao Senado Federal, que aprovou, conforme referência anterior, no dia 13 de maio passado, lei que complementa a Lei nº 7.716/89, prevendo punições ao crime de racismo.

Portanto, a infeliz idéia do Prefeito de Pirajuí merece o repúdio de todos nós. Encaminhamos essa denúncia ao Ministério da Justiça e à Secretaria de Direitos Humanos, exigindo que medidas jurídicas sejam adotadas no sentido da punição ao referido Prefeito, com base na legislação em vigor, uma vez que ele transgrediu todas as nossas leis de proteção ao cidadão.

Sr. Presidente, eu poderia hoje tratar de vários assuntos importantes, mas não me furtaria de dizer que, os que estamos no interesse do direito da criança e do adolescente, não podemos nos calar nesse momento. Isso, no mínimo, seria cumplicidade. Não quero ser cúmplice de nenhuma prática de racismo, tampouco de preconceito e de desrespeito à dignidade do ser humano, seja criança - como foi o caso -, ou adulto, seja negro, branco ou indígena, seja rico ou pobre.

Sr. Presidente, era o que eu tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/05/1997 - Página 10135