Discurso no Senado Federal

REALIZAÇÃO DE SIMPOSIO CIENTIFICO INTERNACIONAL, ALUSIVO AO DECIMO ANIVERSARIO DA TRAGEDIA DO CESIO-137, EM GOIANIA, QUE REUNIRA, ENTRE OUTROS, TECNICOS DA CNEN E DA AGENCIA DE ENERGIA ATOMICA DA ONU.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.:
  • REALIZAÇÃO DE SIMPOSIO CIENTIFICO INTERNACIONAL, ALUSIVO AO DECIMO ANIVERSARIO DA TRAGEDIA DO CESIO-137, EM GOIANIA, QUE REUNIRA, ENTRE OUTROS, TECNICOS DA CNEN E DA AGENCIA DE ENERGIA ATOMICA DA ONU.
Publicação
Publicação no DSF de 21/05/1997 - Página 10153
Assunto
Outros > POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.
Indexação
  • ANIVERSARIO, ACIDENTE NUCLEAR, CONTAMINAÇÃO, MATERIAL RADIOATIVO, CESIO, CAPITAL DE ESTADO, ESTADO DE GOIAS (GO), REALIZAÇÃO, SIMPOSIO, AMBITO INTERNACIONAL.
  • ANALISE, PROCESSO, TRATAMENTO, VITIMA, CIDADE, REJEITOS RADIOATIVOS.
  • NECESSIDADE, AUMENTO, FISCALIZAÇÃO, CASA DE SAUDE, HOSPITAL, INDUSTRIA, EQUIPAMENTOS, MEDICINA, MATERIAL NUCLEAR, ESCLARECIMENTOS, POPULAÇÃO.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, passou-se uma década desde o trágico acidente radiológico de Goiânia, em 1987, no qual extensa contaminação radioativa com Césio-137 traumatizou uma grande cidade brasileira e todo o País. As dores, as dúvidas e as lições daquele drama ainda estão entre nós, devem preocupar-nos e delas temos o dever de extrair maior conhecimento e sabedoria.

O mundo, e nós, já conhecíamos as explosões nucleares de Hiroxima e Nagasaki, ao final da Segunda Guerra Mundial, em 1945. Nelas, além das dezenas de milhares de vítimas das explosões, assistiu-se à morte lenta, à mutilação, às doenças crônicas que, por contaminação radioativa, vitimaram milhares de sobreviventes. Aprendemos, então, a temer, não apenas as terríveis armas nucleares, mas também as seqüelas da radioatividade descontrolada, ameaça potencial presente em qualquer tecnologia radiológica e nuclear.

No entanto, por muito tempo, essa ameaça esteve associada apenas às armas e usinas nucleares. O mundo levou um susto, em 1979, com um vazamento radioativo, limitado, na usina nuclear de Three Mile Island, nos Estados Unidos. Em 1986, em Chernobil, na então União Soviética, um vazamento radioativo muitíssimo mais grave apavorou toda a Europa. Foram dezenas as vítimas fatais e fontes não oficiais falam em números mais elevados.

No entanto, dada a usual cautela com que são manuseados os materiais radioativos nos equipamentos médicos, poucos poderíamos imaginar que deles pudesse advir um acidente tão traumático como foi o do Césio-137 de Goiânia.

A seqüência de eventos fatais começou em 13 de setembro de 1987 na Avenida Paranaíba, centro de Goiânia, num casarão abandonado onde havia funcionado uma clínica de tratamento de câncer, o Instituto Goiano de Radioterapia. Dois catadores de sucata de lá roubaram uma bomba de Césio-137, irresponsavelmente deixada pelos médicos proprietários da clínica. O material foi vendido ao Sr. Devair Ferreira, dono de um ferro velho na rua 57. O Sr. Devair desmontou o cabeçote da bomba de césio, encantou-se com o brilho azulado da pedra que dali retirou, e passou a presentear com pedaços dela parentes, vizinhos e amigos. Todos passaram a ficar expostos à gravíssima agressão radioativa do material, além de contaminar seus objetos de uso pessoal, as casas, as ruas, o sistema de esgoto.

Passados alguns dias, a mulher de Devair observou a ligação entre a bela pedra e as doenças que começaram a acometer a vizinhança. O próprio marido já perdia cabelos e dentes. Ela entrou em contato com as autoridades da Vigilância Sanitária. Duas semanas haviam transcorrido do roubo do casarão. O Governo Estadual (Governador Henrique Santilllo) entendeu a gravidade da situação, tomou algumas medidas de emergência e convocou a Comissão Nacional de Energia Nuclear -- CNEN, órgão federal responsável pela fiscalização e controle das fontes radioativas. Foi montada uma grande operação para atacar o problema, numa parceria do Governo Estadual com a CNEN.

Naturalmente, o pânico e o pavor instalaram-se na cidade. Era uma catástrofe sem precedentes, o maior acidente radioativo dessa natureza, e em plena área urbana. A radioatividade, recurso terapêutico moderno indispensável, havia-se transformado em monstro ameaçador e descontrolado. E o pânico propagou-se ao resto do país, na forma de discriminação irracional contra as pessoas e as coisas de Goiânia e de Goiás. Moradores de Goiânia eram rejeitados em hotéis de outros Estados. Caiu drasticamente o comércio interestadual com Goiás.

Aos poucos, os recursos modernos da medicina e da tecnologia nuclear, devidamente mobilizados e aplicados pelas autoridades públicas, permitiram controlar a situação, limitar os danos e tratar adequadamente o desastre. Havia que identificar, isolar e medicar as pessoas seriamente contaminadas. O tratamento especializado foi concentrado no Hospital Naval Marcílio Dias, no Rio de Janeiro.

O tratamento incluía a ingestão de Azul da Prússia, que promovia a descontaminação por via dos intestinos. Os doentes tomavam numerosos banhos diários, procurando-se a descontaminação via poros da pele. Naturalmente, tentou-se conhecer e aplicar, além do que já sabia a medicina nuclear brasileira, o que pudesse de útil vir do exterior. No entanto, mesmo internacionalmente, a medicina não tem solução milagrosa para contaminação radioativa. Quatro doentes morreram. Fontes não oficiais chegaram a identificar, nos meses que se seguiram, mais oito mortes atribuíveis ao acidente.

Cento e doze mil pessoas foram submetidas a teste de dosagem radioativa. Desse total, cento e dezoito foram identificadas como vítimas do Césio.

Se num primeiro momento cuidou-se de atender as vítimas, a preocupação seguinte passou a ser descontaminar a cidade. Felizmente, a área contaminada era bastante concentrada. Na região da rua 57, casas, escolas e ruas inteiras foram desocupadas e os moradores instalados provisoriamente num estádio, deixando todos os seus pertences para trás. Os técnicos da CNEN, com o apoio da Polícia Militar estadual, passaram a medir a contaminação de objetos, casas, pisos, encanamentos; trataram de removê-los, quando perigosos, e embalá-los adequadamente. Foi-se reunindo sistematicamente o chamado lixo radioativo.

Era preciso dar uma destinação tecnicamente correta a esses perigosos resíduos. Em Abadia, município ao sul de Goiânia, foi escolhida uma grande área para armazenamento provisório dos milhares de caixotes contendo o lixo radioativo. Há anos, instalação definitiva e mais segura vem sendo adiada. Agora, ao que parece, no décimo aniversário da tragédia, os dejetos, cerca de cinco toneladas, serão enterrados em câmaras de concreto. Essa demora e protelação constituem uma faceta negativa do tratamento dado pelas autoridades ao desastre do Césio-137.

Na ocasião, o acidente provocou uma ofensiva da CNEN que, em campanha por todo o País, de fiscalização cerrada, recolheu mais de quatorze mil fontes radioativas, com potencial de risco, em clínicas, hospitais e indústrias. Houve nisso uma admissão implícita de que a fiscalização, anteriormente ao acidente, era insuficiente.

Quanto aos cento e dezoito indivíduos afetados pela radiação, passaram a receber uma pensão individual mensal de cento e noventa e seis reais e tratamento médico especializado, por meio da Fundação Leide das Neves Ferreira--Funleide, nome que homenageia a menina que foi a primeira vítima fatal do acidente. Esses contaminados e afetados são, em sua quase totalidade, pessoas de baixa renda. Muitos tiveram dedos e membros amputados, sofrem de ulcerações e, em geral, de seqüelas preocupantes em seu estado de saúde. Vivem, muitas vezes, o drama de serem evitados por outras pessoas, sentindo-se discriminados.

A Funleide segue os princípios do Protocolo da Ucrânia, um acordo internacional firmado no rastro do desastre de Chernobil, que fixa padrões de atendimento para vítimas de acidentes radioativos e nucleares. De acordo com o Protocolo, a Funleide deve garantir assistência às vítimas até a terceira geração, já que uma conseqüência possível desse tipo de acidente é a transmissão, às futuras gerações, de defeitos genéticos. O tratamento deve incluir acompanhamento médico e psicológico, formação escolar, reintegração profissional e moradia. Também cabe à Fundação fomentar pesquisas médicas relacionadas ao acidente.

Tudo indica que a Funleide não está conseguindo atender as vítimas como devia, já que entre essas encontram-se sinais de insatisfação. Também a pesquisa científica que ela patrocina ressente-se de melhor continuidade. Trata-se do acompanhamento das mutações genéticas das crianças irradiadas ou filhas de pais irradiados pelo Césio-137. Essas mutações têm-se revelado de incidência superior à normal, indicando maior probabilidade das vítimas desenvolverem câncer ou doenças do sangue.

O Registro de Câncer em Goiânia demonstra que, na população de Goiânia em geral, aumentaram os casos de câncer nos últimos anos. Não há uma prova conclusiva de que isso se deva ao acidente radioativo, mas é claro que os habitantes daquela Capital terão que ser monitorados com especial cuidado, não só em relação ao câncer, como também quanto a distúrbios nervosos e malformações.

Os três médicos proprietários do Instituto Goiano de Radioterapia, onde tudo começou, foram julgados e condenados criminalmente por não terem informado à CNEN que deixaram para trás a bomba de Césio-137, quando mudaram de endereço. Foram sentenciados a três anos de detenção, cumpridos em prisão-albergue.

É evidente que se quisermos evitar acidentes radioativos como o de Goiânia, ou mesmo de menor monta, é preciso que a fiscalização exigida pelas normas legais se faça rigorosamente. E que se apliquem rigorosamente as penalidades de lei sempre que couber. E que os técnicos que lidam com tais equipamentos, a população em geral e, sim, os donos de ferro-velho e catadores de sucata, todos esses e todos nós, sejamos, periodicamente, esclarecidos e instruídos em relação aos cuidados e perigos envolvidos na tecnologia radiológica e nuclear. Se tudo isso fosse feito, corriqueiramente, há dez anos atrás, não teríamos tido o desastre de Goiânia.

Senhor Presidente, prepara-se para o décimo aniversário da tragédia do Césio-137 em Goiânia um simpósio científico internacional que reunirá, entre outros, técnicos da CNEN e da Agência de Energia Atômica da ONU. É muito louvável essa iniciativa. Mas gostaríamos que a década do terrível acidente fosse também dedicada a relembrar as vítimas, o sofrimento de toda uma cidade, o terror de todos nós, a solidariedade, que também marcou presença no episódio, os esforços da medicina, as vitórias da tecnologia, que devemos saber usar a nosso favor, e seus perigos, que devemos saber evitar, exercendo responsavelmente nossa cidadania e nossa qualidade de sociedade que quer aperfeiçoar-se, sempre e mais.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/05/1997 - Página 10153