Discurso no Senado Federal

LEITURA DE OFICIO ENCAMINHADO A S.EXA. PELO PRESIDENTE DA ABI, SR. BARBOSA LIMA SOBRINHO, APOIANDO A ABERTURA DE UMA CPI PARA APURAR DENUNCIAS DE COMPRA DE VOTOS FAVORAVEIS A APROVAÇÃO DA EMENDA DA REELEIÇÃO. PRONUNCIANDO DISCURSO EM NOME DO SENADOR ABDIAS NASCIMENTO, QUE ESTA EM VIAGEM A FRANÇA, DE HOMENAGENS AO DIA INTERNACIONAL DE SOLIDARIEDADE AOS POVOS DA AFRICA AUSTRAL, NO PROXIMO DIA 25 DE MAIO.

Autor
Sebastião Bala Rocha (PDT - Partido Democrático Trabalhista/AP)
Nome completo: Sebastião Ferreira da Rocha
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA CONSTITUCIONAL. HOMENAGEM.:
  • LEITURA DE OFICIO ENCAMINHADO A S.EXA. PELO PRESIDENTE DA ABI, SR. BARBOSA LIMA SOBRINHO, APOIANDO A ABERTURA DE UMA CPI PARA APURAR DENUNCIAS DE COMPRA DE VOTOS FAVORAVEIS A APROVAÇÃO DA EMENDA DA REELEIÇÃO. PRONUNCIANDO DISCURSO EM NOME DO SENADOR ABDIAS NASCIMENTO, QUE ESTA EM VIAGEM A FRANÇA, DE HOMENAGENS AO DIA INTERNACIONAL DE SOLIDARIEDADE AOS POVOS DA AFRICA AUSTRAL, NO PROXIMO DIA 25 DE MAIO.
Publicação
Publicação no DSF de 23/05/1997 - Página 110338
Assunto
Outros > REFORMA CONSTITUCIONAL. HOMENAGEM.
Indexação
  • LEITURA, OFICIO, AUTORIA, BARBOSA LIMA SOBRINHO, PRESIDENTE, ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE IMPRENSA (ABI), APOIO, INSTALAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), CAMARA DOS DEPUTADOS, APURAÇÃO, DENUNCIA, CORRUPÇÃO PASSIVA, DEPUTADO FEDERAL, VOTO FAVORAVEL, APROVAÇÃO, EMENDA CONSTITUCIONAL, REELEIÇÃO, CARGO PUBLICO, EXECUTIVO.
  • PROFERIMENTO, ORADOR, DISCURSO, AUTORIA, ABDIAS NASCIMENTO, SENADOR, HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, SOLIDARIEDADE, POVO, CONTINENTE, AFRICA, MOTIVO, VIAGEM, CONGRESSISTA, PAIS ESTRANGEIRO, FRANÇA.

O SR. SEBASTIÃO ROCHA (BLOCO/PDT-AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, em primeiro lugar, gostaria de fazer a leitura de um ofício da Associação Brasileira de Imprensa, ABI, assinado por seu eminente Presidente, Barbosa Lima Sobrinho, em apoio à instalação de uma CPI na Câmara dos Deputados e, se possível, no Congresso Nacional, para proceder à investigação a respeito das denúncias, já comprovadas de certa forma, da compra de votos por ocasião da votação da emenda da reeleição.

Esse ofício foi dirigido ao Deputado Neiva Moreira, Líder do Bloco das Oposições na Câmara dos Deputados, e é datado do dia 20 de maio:

      "Agradecendo a gentileza de sua comunicação telefônica de ontem, apresso-me a informar-lhe que a diretoria da ABI decidiu, por unanimidade, na tarde de hoje, apoiar a proposta de constituição de uma CPI, a esta altura reclamada pela opinião nacional, para apurar denúncias da Folha de S.Paulo, e já agora de toda a imprensa, sobre a compra de votos para a emenda constitucional destinada a permitir a reeleição do Senhor Presidente da República.

      Confiando no patriotismo da Câmara e do Senado, faço votos, pessoalmente, pelo êxito dessa proposta.

      Receba o cordial abraço do

      Barbosa Lima Sobrinho"

Portanto, mais uma personalidade de grande respaldo e respeito em nível nacional vem demonstrar publicamente seu apoio à CPI - esse apoio crescente, já comprovado por pesquisa entre a população brasileira, com 91% dos entrevistados defendendo a instalação da CPI. Agora também é crescente o apoio à CPI por parte de lideranças de caráter nacional.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho à tribuna também para ser o porta-voz, na tarde de hoje, de um discurso que o Senador Abdias Nascimento gostaria de proferir se estivesse presente no plenário. Porém, S Exª encontra-se em Paris, participando como convidado especial de um programa da Unesco, programa que trata da rota dos escravos. Este discurso busca homenagear os povos da África e também os africanos brasileiros, em função do dia 25 de maio, considerado o Dia Internacional de Solidariedade aos Povos da África Austral - representada hoje por países como África do Sul, Angola e Moçambique. O dia 25 de maio é reconhecido pela ONU desde 1972 como o Dia da África.

Passo a ler o discurso de S. Exª: "Nos últimos anos, nos meios de comunicação tornaram tragicamente comuns imagens que retratam um Continente Africano afligido pelo extremo sofrimento humano e por agudas dificuldades nos planos político e econômico. Imagens de fato tão comuns que acabaram por sedimentar uma percepção distorcida daquele Continente, alimentando os preconceitos desenvolvidos durante a longa noite de cinco séculos, que tem como marco inicial a captura e escravização de africanos por portugueses na costa atual do Senegal, em fins do século XV, ponto de partida de um cruel processo de exploração que iria drenar a África de seus maiores recursos materiais e humanos. Espoliado por mais de 500 anos, não surpreende que os insucessos do Continente Africano acabassem justificando a visão racista que considera os africanos incapazes de constituir Estados viáveis e prósperos. Mesmo que tal capacidade tenha sido sobejamente demonstrada pela História das grandes civilizações que se desenvolveram ao norte e ao sul do Saara, como o Antigo Egito, os Reinos de Axum e de Gana, os Impérios do Mali e de Songhai, brilhantes exemplos da capacidade criativa e de organização dos povos africanos. Uma História, infelizmente, apagada da memória dos europeus e dos africanos na Diáspora, substituída por uma visão estática e uniformizadora, que enxerga na África um Continente das Sombras, um Continente sem história.

Na verdade, a situação adversa em que se encontra a virtual totalidade do Continente Africano tem raízes exatamente na invasão européia, iniciada cinco séculos atrás, e na "colonização" empreendida pelos europeus. Sob o pretexto de "civilizar" povos pretensamente bárbaros - o "fardo do homem branco", na formulação do escritor anglo-indiano Rudyard Kipling -, pôs-se em marcha um processo cruel de dominação e exclusão, responsável pela maioria dos males de que a África hoje padece. O total desrespeito à cultura autóctone - cuja própria existência se chegou a negar - e a tradições milenarmente estabelecidas levaria à criação de unidades territoriais descompromissadas com a realidade étnica de cada região, o que explica conflitos como o de Biafra, na Nigéria dos anos 70, ou a atual tragédia que se abate sobre Ruanda e o Burundi, países traçados artificialmente pela pena do colonizador, que obrigou a conviverem sob a mesma bandeira grupos étnicos cuja rivalidade remonta à aurora dos tempos.

Com o fim da Guerra Fria e a queda do regime do apartheid na África do Sul, o continente africano perdeu o papel estratégico que exercia no conflito de interesses entre os blocos comunista e capitalista. Some-se a isso o processo de reordenação econômica do Ocidente, com o estabelecimento de novas prioridades pelos Estados Unidos e pela Comunidade Econômica Européia e a implementação da famigerada "globalização" - cujos efeitos adversos estamos sentindo na própria pele, neste País -, que gera um quadro sombrio que, para ser revertido, demandará os esforços concentrados de gerações e gerações de africanos, bem como o apoio concreto de organismos internacionais dedicados à superação da pobreza e dos males a ela associados.

Assim, para nós, africano-brasileiros, este 25 de maio, Dia Internacional da Solidariedade aos Povos da África Austral, ou Dia da África, instituído pela ONU em 1972, assume um especial significado, ligados que estamos àquela região pelos laços da cultura e do espírito, transmitidos por nossos antepassados de lá provenientes. Ao longo desses últimos 30 anos, o mundo tem acompanhado os esforços da maioria dos países africanos na tentativa de construir os alicerces de um desenvolvimento econômico e social capaz de superar a devastação causada pelo colonialismo. A luta pela liberação da África constituiu-se, na verdade, num processo continental de marginalização, pois, ao mesmo tempo em que assinavam os tratados de independência, e em que os povos e líderes africanos eram tomados de esperança, na perspetiva de recuperar a condução de seus próprios destinos e de reconstruir um passado de glórias, os países colonialistas europeus, em conjunto com os Estados Unidos e a África do Sul do apartheid, estimulavam os conflitos internos, visando à preservação de interesses nem sempre explicitados. Os mesmos interesses que não hesitariam em eliminar, até mesmo fisicamente, lideranças plenamente engajadas na autêntica luta do povo africano - como Patrice Lumumba, no ex-Congo Belga, Eduardo Mondlane e Samora Machel, em Moçambique, ou Amílcar Cabral, na Guiné Bissau -, substituída muitas vezes por títeres a serviço do imperialismo europeu ou norte-americano.

Em 1977 o saudoso e ilustre revolucionário e então Presidente Samora Machel, em discurso durante uma reunião do Conselho de Ministros da República Popular de Moçambique, manifestou com clarividente objetividade sua preocupação com os destinos de seu país e da África como um todo ao afirmar que os africanos se recusavam a ser os eternos fornecedores de matérias-primas, a ser as eternas vítimas de um pacto colonial sob novas roupagens. E que não poderiam continuar pagando preços mais elevados pelos produtos acabados que compravam, ao mesmo tempo em que eram obrigados a vender cada vez mais barato sua força de trabalho.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nós, brasileiros, mais que qualquer outro povo, não podemos ficar indiferentes aos problemas que afligem o continente africano. Foram os africanos os que, com sangue, suor e sêmen, construíram este País que chamamos Brasil, fazendo dele a maior nação africana fora da África. Africanos oriundos, em sua maioria, exatamente da África Austral, onde hoje se situam Angola, Moçambique e África do Sul, além daqueles provenientes da Costa do Ouro, onde ficam atualmente Nigéria e Gana.

É tempo, assim, não só de reconhecer e valorizar plenamente o legado africano, por muito tempo oculto e negado, mas de reavivar os laços históricos que nos ligam ao continente de origem em mais de metade da população brasileira. Numa época em que solidariedade e cooperação são termos consolidados pela agenda internacional, nosso País tem-se mostrado tímido - para dizer o menos - em matéria de iniciativas dessa natureza em relação à África Austral.

Com o fim do apartheid na África do Sul - regime cuja condenação, pelo Brasil, nunca ultrapassou o terreno da retórica -, nossa diplomacia tem campo aberto para se mostrar mais engajada, aproveitando as imensas e variadas possibilidades em termos econômicos, tecnológicos, pedagógicos e culturais em relação àquela parcela do continente africano.

Se temos uma economia relativamente privilegiada no contexto dos países do Sul, é exatamente nesses países que devemos potencializar nossas relações e capacidade de influência.

Ao contrário dos países do Norte, para os quais a África Austral é meramente um terreno minado de incertezas, devemos buscar ali parcerias estratégicas para a concretização de amplas e promissoras possibilidades, num processo que, sem dúvida, contribuirá para reformularmos em conjunto as bases de nosso desenvolvimento econômico recíproco.

Desse modo, neste Dia Internacional de Solidariedade aos Povos da África Austral, o Dia da África, quando se avizinham as passagens de século e de milênio, quero homenagear, por meio de seus representantes diplomáticos, os países dessa região, em particular, e da África de maneira geral, manifestando-lhes a amizade dos afro-brasileiros e nosso compromisso com a redenção do continente africano. É minha convicção que, para o nosso povo e para o nosso País, o reencontro com a África vai proporcionar, para além dos lucros possíveis numa relação econômica, a retomada da solidariedade de povos que a História irmanou e que ela hoje reaproxima, na luta comum contra a pobreza e pelo desenvolvimento."

Esclareço mais uma vez que esse texto foi produzido pelo Senador Abdias Nascimento, mas eu o adoto na íntegra em função de ter o mesmo entendimento do que expôs nesse discurso o Senador Abdias Nascimento.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/05/1997 - Página 110338