Discurso no Senado Federal

ARTIGO DO JORNAL O ESTADO DE S.PAULO, EDIÇÃO DE 20 DO CORRENTE, INTITULADO 'A INDUSTRIA DA REFORMA AGRARIA'. INDUSTRIA DA DESAPROPRIAÇÃO NO ESTADO DE MATO GROSSO. CORRUPÇÃO NA DISTRIBUIÇÃO DOS RECURSOS DO PROCERA E NAS OBRAS SUPERFATURADAS REALIZADAS PELO INCRA.

Autor
Júlio Campos (PFL - Partido da Frente Liberal/MT)
Nome completo: Júlio José de Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • ARTIGO DO JORNAL O ESTADO DE S.PAULO, EDIÇÃO DE 20 DO CORRENTE, INTITULADO 'A INDUSTRIA DA REFORMA AGRARIA'. INDUSTRIA DA DESAPROPRIAÇÃO NO ESTADO DE MATO GROSSO. CORRUPÇÃO NA DISTRIBUIÇÃO DOS RECURSOS DO PROCERA E NAS OBRAS SUPERFATURADAS REALIZADAS PELO INCRA.
Aparteantes
José Alves.
Publicação
Publicação no DSF de 23/05/1997 - Página 10334
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • ANALISE, ARTIGO DE IMPRENSA, PUBLICAÇÃO, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DENUNCIA, CORRUPÇÃO PASSIVA, FUNCIONARIO PUBLICO, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA), CORRUPÇÃO ATIVA, FAZENDEIRO, ABUSO, VALORIZAÇÃO, TERRAS, EFEITO, DESAPROPRIAÇÃO, PROPRIEDADE RURAL, ASSENTAMENTO RURAL, PARTICIPAÇÃO, SEM-TERRA.

O SR. JÚLIO CAMPOS (PFL-MT. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do Orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o jornal O Estado de S. Paulo, na sua edição de 20 de maio último, traz um artigo excepcional, intitulado "A Indústria da Reforma Agrária", assunto bastante polêmico e que vem sendo discutido permanentemente nesta Casa. Há alguns momentos, ocupou esta tribuna um outro Parlamentar, que realmente trouxe a debate o momentoso e palpitante assunto da reforma agrária no Brasil. Diz o artigo desse diário:

      "As demonstrações de incompetência, corrupção e descontrole já são suficientes para que se exija uma revisão completa do programa de reforma agrária do Brasil. Em entrevista publicada pelo Estado, no sábado, o Presidente do Incra, Nestor Fetter, reconheceu que o instituto não tem controle sobre os recursos destinados aos assentamentos e acampamentos. No dia seguinte, foi a vez de O Globo revelar histórias escabrosas de superfaturamento da desapropriação de fazendas. Esses dois fatos vêm se juntar a um amplo espectro de irregularidades, desatinos e injustiças envolvendo o processo de reforma agrária: a aceitação de avaliações extravagantes de instalação, cuja compra é financiada em condições favorabilíssimas, como se viu no caso da compra de uma fecularia pelo MST, no Pontal; o contraste entre o tratamento dado a assentados e o abandono dos pequenos proprietários; a tentativa de impor índices de produtividade inatingíveis, ignorando as advertências dos peritos, etc.

      De acordo com o Presidente do Incra" - que é um homem sério e um homem de bem, Dr. Fetter -", muitos beneficiados têm mais de uma carteira de identidade e CPF e abandonam os acampamentos assim que recebem as verbas, para ir explorar outro filão. Da mesma forma, Nestor Fetter calcula que R$1 milhão tenham saído dos cofres do governo no ano passado e aterrissado na tesouraria do MST, sob a forma de pedágio de 2% cobrado dos assentados que recebem financiamento do Programa de Crédito Especial para Reforma Agrária (Procera). Além disso, muitos assentados vendem as glebas que ganham do governo. No Pará, o Incra chegou a encontrar assentados com três mil hectares de terras. Em Goiás, um funcionário chegou a um assentamento com a intenção de entregar 125 títulos, mas só entregou 12, porque os restantes já tinham vendido seus lotes.

      Essa situação caracteriza a existência de uma indústria da reforma agrária. Entretanto, não são só o MST, como patrocinador de invasões, e os acampados profissionais, como corretores de glebas, que exploram esse mercado. Há também os fazendeiros, que, mancomunados com técnicos do Incra, promovem a invasão e a desapropriação das próprias fazendas para vendê-las por preços estratosféricos. No Tocantins - Estado de V. Exª, Senador João Rocha, que com muita honra preside esta Casa neste instante -, fazendeiros contratam sem-terras para invadir suas propriedades, que rapidamente recebem avaliação supervalorizadas de funcionários corruptos. Um "investidor" chegou ao requinte de oferecer para desapropriação uma fazenda antes mesmo de comprá-la. O Incra prontamente a avaliou em R$7,9 milhões, quando ela seria comprada por R$87 mil" - ou seja, 100 vezes mais do que o valor dessa propriedade.

      "Os casos são muitos, e a conclusão é uma só: tal como está estruturado, o programa de reforma agrária não tem como principal função beneficiar famílias pobres sem terra, mas fazendeiros mafiosos, funcionários públicos corruptos e organizações militantes que seqüestraram a causa da redistribuição de terras em proveito de projetos políticos próprios.

Este caso, Sr. Presidente, nobre Senador João Rocha, está ocorrendo no meu Estado de Mato Grosso, onde, vergonhosamente, foi instituída a indústria da desapropriação. Se fizéssemos hoje licitação para a compra de terras para fazer reforma agrária, assentamentos populacionais ou distribuição para os sem-terras, pagaríamos pouco mais de 20% ou 30% do valor das desapropriações que o Incra tem feito. Trata-se de corrupção em todos os sentidos, de ponta a ponta, desde o proprietário corruptor até o funcionário corrupto, com participação de MST.

Há poucos dias, um amigo meu que mora na região de Rondonópolis, num pequeno distrito, foi visitar os seus familiares. Quando lá chegou, perguntou pelos seus dois sobrinhos de vinte e de dezoito anos, e sua mãe, tia dos meninos, disse que eles estavam trabalhando como invasores de terra e ganhando R$300 por mês para carregar bandeira vermelha, invadir propriedade e dar uma de sem-terra. Meus amigos, a que ponto chegou o Brasil no dia de hoje!

No caso de Mato Grosso, a corrupção é geral. Lamentavelmente, há escritórios de maracutaia, de desapropriação montados em Cuiabá, fazendo os tropéis. Antes de desapropriar terra, o cidadão interessado na desapropriação passa num desses escritórios ligados a determinados grupos políticos e faz um contrato de advocacia com esse escritório. A partir disso, é providenciada a desapropriação de sua terra: rapidamente, o processo entra no Incra e vem para Brasília; sai o decreto e o pagamento em TDA a preços estratosféricos.

Há corrupção violenta não só no preço da terra, como na distribuição dos recursos do Procera. Em vez de se entregar esse pequeno recurso em espécie ao agricultor, uma parte já é entregue em material: vacas, por exemplo.

A vaca leiteira, que no mercado vale cerca de R$150, o Incra compra para distribuir aos assentados por R$300, e o cidadão não tem como reclamar; e não compra sequer no município onde está o assentamento. Por exemplo, na região de Guarantã há assentamento de reforma agrária, mas a vaca que o assentado recebe é comprada em Alta Floresta, para não se ligar um dono ao outro, ou seja, para que o cidadão que vende a vaca em Alta Floresta ao Incra não tenha contato com o assentado de Terra Nova ou de Guarantã, onde será distribuído o animal.

Há corrupção também nas obras superfaturadas. O Incra recebe milhões de reais para abrir estradas, construir escolas, fazer centros comunitários e postos de saúde nos projetos de assentamento, e a obra feita é de quinta categoria; o preço, monstruoso!

A obra que se faz por R$70 mil sai por um preço absurdo, porque o Incra contrata ou faz convênio com as prefeituras, já indicando empresas próprias, ligadas a políticos e funcionários do bloco "incraniano".

É verdade o que esse jornal divulga. Em relação a esse fato que o Estado de S.Paulo denunciou, com coragem, na edição de terça-feira, dia 20, posso dar testemunho, porque vem ocorrendo em meu Estado.

Em entrevista publicada pelo referido jornal, o presidente do Incra, Nestor Fetter reconhece que "hoje, o Incra trabalha de forma reativa: invade, desapropria e assenta". O instituto fomenta as invasões e participa delas indiretamente ao financiar o MST e ao premiar as ocupações com desapropriações e assentamentos.

O resultado: o País tem 1,6 mil assentamentos não emancipados, que o presidente do Incra chama de "favelização rural". É uma política contraproducente, quando não estéril, do ponto de vista do interesse social.

São milhões e milhões de reais, milhões e milhões de TDA´s que estão sumindo no esgoto da corrupção do Incra em Mato Grosso e em vários Estados.

O Sr. José Alves - V. Exª me permite um aparte?

O SR. JÚLIO CAMPOS  - Com muita honra, Senador José Alves.

O Sr. José Alves - Senador Senador Júlio Campos, V. Exª traz, na tarde de hoje, um assunto da mais alta relevância e de uma gravidade sem precedentes para o mundo político-social da Nação, ao relatar denúncias ocorridas em seu Estado. V. Exª como ex-governador, como representante de um Estado eminentemente agrícola bem sabe das dificuldades existentes. A falta de uma definição de política agrícola correta e coerente por parte do Governo Federal tem levado com freqüência, e o exemplo mostrado por V. Exª é bem significativo, porque aos assentamentos é oferecido juros de 6% ao ano, com prazo de carência. E, vejam bem, se o financiado pagar em dia, terá um desconto de 50%. Já, num programa equivalente, que merece uma atenção tão grande como o do assentamento dos sem-terra, o programa de agricultura familiar, se os juros ultrapassarem 9% vão para TJLP e não há nenhum abatimento se o pagamento for feito com pontualidade. V. Exª traz esses fatos e outros que devem exigir do Ministro Raul Jungmann uma atitude imediata, coerente com a política agrária. Em meu Estado, o Incra comete um absurdo: tenta fazer a reforma agrária em lote irrigado com alta tecnologia. Mas são fatos que V. Exª traz para discussão e quero solidarizar-me com V. Exª nesse importante pronunciamento.

O SR. JÚLIO CAMPOS - Agradeço o brilhante aparte de V. Exª. É pena que o Senado esteja um pouco vazio na tarde de hoje, quando assunto tão importante como o da reforma agrária é debatido. Mas não podíamos, jamais, nos calar, deixar de trazer ao conhecimento da Nação brasileira, do Congresso Nacional, essa indústria nova que se criou no País: a da invasão de terras.

O editorial do jornal O Estado de S.Paulo conclui:

      "A estratégia de invasões se orienta e se alimenta pelo que proporciona em oportunidade de negócios e de créditos fabulosos e de manipulação política. Neste contexto, quanto maior o número de invasores, quanto maior a dependência perante o Governo Federal, enfim, quanto maiores as distorções, melhor para quem se serve dessa indústria."

É a nova indústria que surgiu no Brasil, a indústria da invasão de terra, da desapropriação supervalorizada das terras que nunca dão, da desapropriação de terras inaceitáveis para agricultura brasileira. E é por isso que os pequenos agricultores vão mal.

Neste sentido, fazemos um apelo sério ao Presidente Fernando Henrique Cardoso, ao Sr. Ministro dos Assuntos Fundiários, Dr. Raul Jungmann, que, tenho certeza, é um homem de bem, um homem sério, um pernambucano de postura. Sendo assim, que ele vá realmente ao encontro do Presidente do Incra, Dr. Nestor Setter, a fim de descobrir esse ninho de mafiosos, esse ninho de corrupção, existente hoje em várias superintendências do Incra brasileiro.

Com tristeza, mas com tristeza realmente, digo que, lamentavelmente, o Incra de Mato Grosso não vai bem. Lá há sinal de podridão, há o rastejo de serpentes que tentam corroer o dinheiro público. Por esse motivo, pedimos uma providência urgente, aqui e agora, com relação à política fundiária brasileira.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/05/1997 - Página 10334