Discurso no Senado Federal

SOLIDARIZANDO-SE COM AS PALAVRAS PROFERIDAS PELO LIDER DOS SEM-TERRA, SR. JOÃO PEDRO STEDILE, A PROPOSITO DAS CRITICAS A ELE FEITAS PELO PRESIDENTE DA REPUBLICA. CRIMES HEDIONDOS COMETIDOS CONTRA OS TRABALHADORES DO PAIS. AUSENCIA DE UM PROGRAMA EFETIVO DE REFORMA AGRARIA POR PARTE DO GOVERNO.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MOVIMENTO TRABALHISTA. POLITICA SOCIAL.:
  • SOLIDARIZANDO-SE COM AS PALAVRAS PROFERIDAS PELO LIDER DOS SEM-TERRA, SR. JOÃO PEDRO STEDILE, A PROPOSITO DAS CRITICAS A ELE FEITAS PELO PRESIDENTE DA REPUBLICA. CRIMES HEDIONDOS COMETIDOS CONTRA OS TRABALHADORES DO PAIS. AUSENCIA DE UM PROGRAMA EFETIVO DE REFORMA AGRARIA POR PARTE DO GOVERNO.
Aparteantes
José Roberto Arruda, Lauro Campos.
Publicação
Publicação no DSF de 24/05/1997 - Página 10406
Assunto
Outros > MOVIMENTO TRABALHISTA. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • APOIO, DECLARAÇÃO, JOÃO PEDRO STEDILE, LIDER, SEM-TERRA, ORIENTAÇÃO, MOBILIZAÇÃO, POPULAÇÃO, REIVINDICAÇÃO, HABITAÇÃO, EMPREGO, ALIMENTAÇÃO.
  • CRITICA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ACUSAÇÃO, INCITAMENTO, VIOLAÇÃO, ORDEM PUBLICA, OMISSÃO, CRIME, VITIMA, TRABALHADOR, IMPUNIDADE, FALTA, NEGOCIAÇÃO, REIVINDICAÇÃO, POPULAÇÃO, ESPECIFICAÇÃO, DESPEJO, CONJUNTO HABITACIONAL, ESTADO DE SÃO PAULO (SP).
  • CRITICA, INEFICACIA, GOVERNO, POLITICA SOCIAL, REFORMA AGRARIA.
  • CRITICA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, OPOSIÇÃO, CRIAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), BANCOS, VOTAÇÃO, REELEIÇÃO.

O SR. ADEMIR ANDRADE (Bloco/PSB-PA. Sem revisão do orador) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores,

      "se o sujeito não tem casa e não consegue mais pagar aluguel, se organize para pressionar o Governo a resolver o problema habitacional: ocupe os terrenos baldios que estão lá só para especulação imobiliária. Se o sujeito está desempregado, não espere pelo FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), pelo Ministério do Trabalho: se organize e pressione. Façam manifestações na frente da FIESP, na frente das fábricas que estão fechando por causa da política econômica. E se tiver fome, faça manifestação na frente do supermercado. Tá na Bíblia: todo ser humano tem direito a se alimentar. Vá em busca de comida."

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, faço minhas as palavras do líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, João Pedro Stédile. Acho que tem toda a razão esse bravo líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Entendo que, ao invés de considerar as manifestações ameaçadoras, ao invés de considerar que houve pregação da balbúrdia e da desordem, como o Presidente Fernando Henrique Cardoso tentou fazer ontem, Sua Excelência deve envergonhar-se diante da nossa triste realidade, deve envergonhar-se disso. Talvez as palavras de Sua Excelência tenham o objetivo de tentar encobrir a sua culpa em relação aos crimes hediondos que estão acontecendo no nosso País contra trabalhadores desarmados - trabalhadores que até podem radicalizar a luta, mas trabalhadores desarmados. Temos assistido, Sr. Presidente, neste nosso Brasil e principalmente nos Governos do Partido do Presidente Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, a esse tipo de atitude.

Primeiro foram os trabalhadores rurais sem terra no Estado do Pará. A polícia foi para lá a fim de desobstruir uma estrada, por ordem do Governador do PSDB. Só que, ao invés de usar, como víamos nos tempos de antigamente, cassetete, bombas de gás lacrimogêneo, usaram revólveres e metralhadoras, e assassinaram 19 trabalhadores rurais sem terra. Até hoje ninguém foi punido ou culpado por essas mortes. Assistimos, no Governo do ex-Senador Mário Covas, eminente e expressiva figura do Partido Social Democrata Brasileiro, primeiro a uma polícia que mata de maneira arbitrária e violenta como essa ocorrida em Diadema; segundo, a um despejo, ainda que orientado pela justiça, evidentemente por um juiz sem nenhuma sensibilidade, a uma polícia que faz um despejo dessa ordem, armada com revólveres e metralhadoras. É certo que foi recebida com pedradas e com paus, mas não é correto que tenha reagido e assassinado três trabalhadores. Isso não pode ser esquecido. Talvez por isso, a agressão ou a maneira rude de falar do Presidente Fernando Henrique Cardoso ao falar em balbúrdia, em desordem. Entretanto, Sua Excelência não fala na sua própria falta de ação, no seu Governo inoperante e incapaz, que não atua para resolver os problemas sociais e, agora, quer jogar a culpa nos outros, encobrindo a sua própria culpa. Não assisti em outros tempos, nem em governos de PMDB, nem em governo de gente menos séria, a assassinatos frios e covardes como aos que estou assistindo no meu e no Estado de São Paulo.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Sr. João Pedro Stédile não fez nada de mais. Queria que o Presidente Fernando Henrique Cardoso ou que qualquer Senador desta Casa se colocasse na pele de um daqueles cidadãos que estavam lá naquele conjunto; que se imaginasse um trabalhador que não teve a oportunidade de acesso à educação; que se imaginasse um trabalhador que não tem casa para morar; que se imaginasse um trabalhador que não tem emprego para sustentar a sua família. Que faria Sua Excelência? Cruzaria os braços na expectativa de solução por parte de um governo que não tem ação alguma? Queria saber como se sentiria o Senhor Sociólogo Fernando Henrique Cardoso, se fosse o seu irmão que tivesse levado um tiro na face, lá naquele conjunto em São Paulo? Queria que qualquer um Senador se imaginasse pai de um daqueles três trabalhadores que foram assassinados barbaramente pela Polícia Militar de São Paulo e se colocasse no lugar deles!

Sr. Presidente, tudo pode ser negociado. Se era para tirar os trabalhadores de lá, que se fizesse uma negociação, que se esperasse cinco dias, que se sitiassem os trabalhadores até que eles se rendessem. Negociações têm sido feitas em situações piores e se chegaram a resultados sem se exterminarem vidas. Por isso, condeno a manifestação do Senhor Presidente Fernando Henrique Cardoso, no que diz respeito às questões que Sua Excelência coloca nesse momento.

Quero saber quantas casas populares construiu o Senhor Presidente Fernando Henrique Cardoso no seu Governo. Não tenho conhecimento, no que se refere aos outros Estados, mas no meu não se construiu nenhuma! Quero saber o que Sua Excelência tem feito para resolver o problema da reforma agrária. Sua Excelência diz que assentou 100 mil famílias nos seus dois anos de Governo. Na verdade, este Governo nunca assentou ninguém, apenas regularizou a situação das famílias que ocuparam a terra. Portanto, o Senhor Presidente da República, mais do que ninguém, é o culpado pela invasão das terras. O Presidente é um estimulador dessas invasões, porque Sua Excelência só age depois que as ocupações são efetivas. Não conheço ação do Governo que se antecipe à necessidade de demanda que a nossa população tem na questão da reforma agrária.

Sr. Presidente, não posso acreditar nem aceito a manifestação de um Presidente da República que não defendeu, muito pelo contrário, evitou que o Congresso Nacional e o Senado da República constituíssem uma CPI para apurar o rombo do Sistema Financeiro Nacional. Ao contrário de permitir que a CPI se implantasse, o Presidente criou o Proer para socorrer os bancos falidos. Quantos bilhões foram colocados nas mãos desses banqueiros? E Sua Excelência chegou a afirmar, um dia, que os banqueiros que dessem desfalque iriam para a cadeia. Qual banqueiro está na cadeia? Quais, dos que faliram o Banco Nacional e o Econômico, estão na cadeia? Está todo mundo flanando, usufruindo do roubo que fez durante anos.

Este Presidente tem que compreender a indignação da população brasileira. E por que Sua Excelência não permitiu que a CPI se implantasse para punir os culpados? Agora, Sua Excelência esquece tudo o que esta Nação tem por fazer e quer se reeleger a qualquer custo!

Sr. Presidente, é denunciado, em todo o País, a compra de votos, por Parlamentares, por R$200 mil, praticamente o pagamento de dois anos de mandato. E todo mundo tentar acabar com o escândalo o mais rápido possível, inclusive fazendo com que dois dos envolvidos renunciassem a seus mandatos. O Congresso Nacional quer fazer uma CPI para apurar os culpados e, mais uma vez, as bases do Governo e o próprio Presidente tentam impedir, a qualquer custo, a implantação de uma CPI no Congresso Nacional.

Que moral tem um Presidente como esse para vir a público falar contra a desordem social que está sendo perpetrada?

Não, Sr. Presidente! Não aceitamos esse tipo de colocação.

Queremos que o Presidente da República, que sua base governista no Congresso Nacional, que seus Governadores, especialmente os de seu Partido, tenham paciência com o povo deste País; tenham paciência com a indignação que toma conta de todos e passe a agir, a trabalhar, a governar para mudar a vida da população. É isso que estamos querendo.

Não pensem que vamos esquecer assassinatos como esse! Isso não é atitude de governo responsável: mandar polícia armada para fazer desocupação. Existem outras maneiras e formas de se desocupar. Para isso existe tropa de choque. Não é mandando polícia armada para assassinar barbaramente trabalhadores, como se fez nesse conjunto habitacional no Estado de São Paulo.

O Sr. José Roberto Arruda - V. Exª me permite um aparte?

O SR. ADEMIR ANDRADE - Ouço o Líder do Governo, Senador José Roberto Arruda, pedindo a V. Exª que use o tempo regimental permitido a aparte.

O Sr. José Roberto Arruda - Pois não, Senador. Discordo de V. Exª. Lamento muito, V. Exª, que é um homem inteligente e dedicado à sua atuação parlamentar, perde a razão pelo exagero. Ao olhar V. Exª na tribuna, lembro-me daquela figura de Nelson Rodrigues, "O Turista do Vesúvio", que na ânsia de tirar uma fotografia, chega tão perto do vulcão que corre riscos, que tende a entender que ele, turista, é dono das reações do vulcão; e não é. Será que V. Exª, com toda essa violência retórica, tem consciência da repercussão que um pronunciamento da tribuna desta Casa tem no incitamento à violência? Eu sei que V. Exª é sobretudo um pacifista. V. Exª não gosta, como nós não gostamos, de reações policiais que ultrapassem os limites da humanidade, mas tenho certeza que não concorda em tapar o sol com a peneira, ainda que tenha tentado. O Sr. Stédile incitou à violência, sim; mais que isto: cometeu a irresponsabilidade de dizer com todas as letras - e eu vi, eu ouvi - que as pessoas devem invadir terras e que quem não tem casa deve invadir casas, inclusive a sua casa, nobre Senador Ademir Andrade; que aqueles que estão abaixo da linha da vida de dignidade devem invadir supermercados. Incitou à violência, Senador Ademir Andrade. Ora, eu, como V. Exª, desejo, e desejo muito, modificar o perfil dessa sociedade. É uma sociedade injusta. Não é a sociedade que nós desejamos. Os caminhos de transformação dessa sociedade podem ser diferentes, mas nenhum de nós dois - e eu tenho certeza que não é o pensamento de V. Exª - deseja a transformação dessa sociedade pela força, pela baderna, pela guerrilha. Nós até já defendemos esse tipo de luta, mas quando o Presidente da República era um General de plantão e quando não tínhamos liberdade para ter debates como esse que estamos tendo. Alguém mais desavisado, que chegasse ao nosso País agora e ouvisse, pela televisão, esse discurso inflamado, poderia achar que este País não se redemocratizou, que neste País não há liberdade; poderia achar que o Presidente da República não é um homem com uma folha de serviços prestados a este País, inclusive de resistência à ditadura. V. Exª provavelmente está no exagero, cometendo o erro que lhe tira a razão. O incitamento à violência, Senador Ademir Andrade, de qualquer lado, não presta nenhum serviço à causa da democracia, que, tenho certeza, tanto eu como V. Exª somos ligados. E mais que isso, muito mais que isso. Ao usar palavras de ordem, jargões que até ficam bem no tempo em que nós dois militávamos nos diretórios acadêmicos de nossas faculdades, mas a nossa responsabilidade no exercício parlamentar exige hoje mais profundidade de análise. Ora, Senador Ademir Andrade, tenho certeza que o seu voto ajudou a aprovar a medida provisória, que, pela primeira vez neste País, fez com que os bens dos sócios majoritários dos bancos ficassem indisponíveis. O Governo Federal cumpriu a sua obrigação de encaminhar ao Ministério Público e ao Judiciário deste País aqueles que malversaram recursos e aqueles que não geriram bem recursos dos brasileiros. Pela primeira vez, neste País, bancos são fechados e os banqueiros ficam pobres; ao contrário de antes, que os bancos eram fechados e os banqueiros iam morar nas suas mansões em Miami. Pela primeira vez, neste País, Senador Ademir Andrade, está-se tentando fazer as coisas com clareza, com tranqüilidade. E esses recursos aplicados no Proer, que V. Exª sabe, são dos compulsórios dos próprios bancos, evitaram o que aconteceu na Venezuela, onde 15% do PIB foram gastos na desgraça da ciranda financeira e da quebradeira dos bancos. Não se tratava de defender o Banco Nacional ou o Banco Econômico. Tratava-se de defender...

O SR. ADEMIR ANDRADE - Senador José Roberto Arruda, pediria que V. Exª usasse o tempo de que dispõe como Líder do Governo para fazer a defesa do Governo.

Eu cedi o aparte a V. Exª, mas não quero que tome todo o tempo do meu discurso.

O Sr. José Roberto Arruda - Vou concluir, Senador. Encerrando, gostaria de afirmar que é preciso que todos nós, independentemente de partidos políticos, das diferenças ideológicas e partidárias, que são legítimas, tenhamos noção exata da responsabilidade, da repercussão de incitamentos que fazemos desta Casa.

O SR. ADEMIR ANDRADE - Em primeiro lugar, devo dizer que V. Exª colocou coisas que não são verdadeiras. O João Pedro Stédile, em nenhum momento das suas afirmações, incitou à violência, mas mandou que se fizessem manifestações, que as pessoas fizessem pressão ao Governo. Sua única afirmação foi que ocupassem terrenos baldios, que é obrigação do Governo verificar onde estão tais terrenos para que os mesmos sejam transformados em moradias populares de que o povo está necessitando. Agora V. Exª não me contesta quando afirmo que o Presidente Fernando Henrique Cardoso nunca assentou ninguém neste Governo. O Presidente regularizou a situação das pessoas que ocuparam a terra, nunca tomou a iniciativa de se antecipar ao fato, de aprontar e de preparar uma terra, de chamar os trabalhadores e nela colocá-los para trabalhar.

Quando V. Exª diz que o dinheiro do Proer é todo do compulsório dos bancos, também não é verdade. Porque o Governo ampliou a sua dívida interna para apanhar recursos e repassá-los ao Proer, pagando juros maiores do que o que está cobrando nesse programa. E se ele queria pegar alguém, mais uma vez pergunto: por que não deixou implantar a CPI?

O Sr. Lauro Campos - Permite-me V.Exª um aparte?

O SR. ADEMIR DE ANDRADE - Ouço com alegria o nobre Senador Lauro Campos, pedindo que S. Exª seja breve, porque o tema é importante e o meu tempo é pouco.

O Sr. Lauro Campos - Parabenizo V. Exª por, mais uma vez, estar cumprindo, como poucos de nós, a nossa obrigação, o nosso dever de, como Senadores e políticos da Oposição, apontar as mazelas, os descaminhos, os absurdos que estão se acumulando sobre a sociedade brasileira. O pronunciamento de V. Exª mostra que a consciência dos brasileiros, quer cada um de nós queira ou não, sem incitamento algum, é a própria realidade, é o próprio caráter despótico que se objetiva na nossa estrutura fundiária, na estrutura da repartição da renda, no acesso à Justiça, na manutenção dos direitos dos trabalhadores, dos aposentados etc, tudo isto e muito mais, desrespeitados contumazmente por este Governo. Portanto, é a realidade que provoca, é a realidade que coloca a fome, que é má conselheira, na casa de mais de 34 milhões de brasileiros. São Tomás de Aquino, santo e doutor da Igreja - como São Thomas Morus, santo e doutor da Igreja - afirma que, a partir de determinado momento, a rebelião contra o déspota, a rebelião contra o mau governo não é pecado, não é crime, não é contravenção alguma; é praticamente uma obrigação dos cidadãos conscientes. E entre esses cidadãos, tenho certeza, V. Exª se encontra, devido ao brilhantismo e a coragem de enfrentar um Governo que possui 490 emissoras de rádio e televisão a serviço da divulgação da fala, nem sempre verdadeira, das lideranças que aí estão.

O SR. ADEMIR ANDRADE - Sr. Presidente, quero finalizar dizendo que este bravo cidadão merece, de todo o povo brasileiro, a maior de todas as considerações; um cidadão que tem de ser valorizado, respeitado e de quem o Brasil tanto precisa, que é João Pedro Stédile, além de tantos outros.

Tenho certeza de que nenhum de nós quer a baderna, que nenhum de nós quer a violência. O que nós queremos é justiça, é oportunidade de dignidade na vida, de que cada brasileiro possa viver sem fome, com um teto e sem sofrimento. Esse é o nosso desejo.

A obrigação não é nossa, a obrigação é do Governo, de ver onde as terras estão improdutivas, tomá-las e distribuí-las para a reforma agrária. Não queremos que tomem terras de quem está trabalhando e produzindo. Não queremos desrespeitar o proprietário que se esforça, que trabalha. Não queremos acabar com o empresário responsável. Mas não podemos permitir a alienação, a indiferença do Governo diante das terras improdutivas que aí estão, diante dos terrenos baldios das cidades, contra os quais nada se faz, enquanto vemos o povo sem ter onde morar, onde viver.

O que faz um cidadão que não encontra trabalho, que não encontra forma de conseguir dinheiro para alimentar a sua família? Que alternativa ele tem? Até para conseguir o Seguro Desemprego neste País há uma série de dificuldades. Que alternativas têm essas pessoas? É obrigação do Governo responder-lhes.

Mas, se o Governo é irresponsável, se o Governo é omisso, se o Governo é de um Presidente que não enxerga coisas como esta, as pessoas não têm outra alternativa senão...

O SR. PRESIDENTE (Carlos Patrocínio. Fazendo soar a campainha.) - Nobre Senador Ademir Andrade, a Presidência alerta a V. Exª que o seu tempo já expirou há 5 minutos.

O SR. ADEMIR ANDRADE - Vou encerar, Sr. Presidente.

A Srª Marina Silva - Senador Ademir Andrade, permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ADEMIR ANDRADE - Lamento profundamente, Senadora Marina Silva. Teria o maior prazer em ouvi-la, mas tenho que obedecer à Presidência desta Casa.

Encerro, dizendo que não vamos esquecer esses fatos. O Presidente Fernando Henrique Cardoso, com os seus arroubos e com as suas ameaças, não vai nos intimidar. Não vamos esquecer esses crimes cometidos contra pais de famílias, desarmados, em posição radical, mas assassinados pela Polícia Militar, e por responsabilidade do Governo, do Governo do PSDB de São Paulo, do Governo do PSDB do Pará, do Governo do PSDB do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Isso, não vamos esquecer!

Havia formas de deslocar aquelas pessoas, de desalojá-las, sem que fossem mortas; havia formas, mas o Governo nada fez para evitar aquelas mortes. Poderia até nos usar, as Oposições. Poderia chamar políticos para dialogar, para negociar, para tirar aquelas pessoas de lá. Mas parece que o Governo quer intimidar, quer matar, e foi o que fez. E é isso que estamos aqui a condenar, da maneira mais veemente possível, da tribuna desta Casa.

Muito obrigado.

 

O SR. EDISON LOBÃO - Sr. Presidente, peço a palavra, como líder, com assento no art. 14, II, "b", do Regimento Interno.

O SR. PRESIDENTE (Carlos Patrocínio) - V. Exª tem a palavra.

O SR. EDISON LOBÃO (PFL-MA. Como Líder. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a Nação tem assistido, com preocupação, aos movimentos de sedição que tanto nos atormentam nos últimos tempos.

Imaginávamos que nenhuma posição o Governo tomaria para conter tais abusos. Sabíamos do espírito democrático deste Governo, das suas defesas pela liberdade, da sua quase obstinação pela legalidade, mas nós nos ressentíamos - a Nação toda - de uma palavra do Governo, de uma posição, de uma atitude que restaurasse a serenidade, a ordem e os princípios de liberdade com a democracia.

Ontem, Sr. Presidente, o Chefe da Nação e o seu novo Ministro de Estado, da Justiça, fizeram pronunciamentos contra a desordem, pronunciamentos firmes, porém não truculentos. Passo a ler alguns trechos do discurso do Presidente da República:

      "De uns tempos para cá (...) tenho visto com indignação o comportamento cada vez mais ofensivo de setores inconformados (...) com sua própria falta de alternativas às nossas políticas. Parece que meu apego ao diálogo e meu amor à liberdade têm sido confundidos (...) com sinais para que as virtudes republicanas sejam atacadas. (...) Mas o limite da paciência e da tolerância é a democracia. A democracia exige respeito e ordem. Sem ordem legítima, não há democracia.

      As invasões repetidas de prédios públicos e de propriedades particulares são ações coordenadas com objetivos políticos que constituem abusos antidemocráticos. Vêm se amiudando incitamentos à desordem, inclusive por parte de lideranças nacionais de alguns movimentos que suscitariam simpatia da sociedade, não fosse sua agora óbvia vinculação político-sectária. Isso é grave. E tanto mais grave quanto o Governo tem estendido as mãos e proposto negociações (...)

      A onda premeditada de violência e anarquia não é apenas um atentado contra a democracia. É um atentado contra a esperança do povo brasileiro, que está fundada na estabilidade econômica, mas também na estabilidade política. A sociedade brasileira exige um basta a este clima de baderna."

E, mais incisivo, disse o Presidente:

      "A sociedade não quer a desordem. Pedras, paus e coquetéis molotov são argumentos tão pouco válidos quanto as baionetas." (Só que menos poderosos.)

Sr. Presidente, o Presidente está correto. Sua Excelência não podia deixar de ter feito a advertência que fez. Este País não podia continuar sendo marcado pela desordem, pelas invasões, invasões urbanas e invasões no campo.

Recordo-me - e todos se lembram - do que foi o estrépito nacional, quando houve a chacina do Pará. Semanas depois, uma nova chacina, já então no Maranhão, mas em sentido contrário, era a chacina de trabalhadores rurais contra operários também rurais de uma fazenda.

Qual foi a reação daqueles que condenavam a chacina do Pará, feita pela Polícia, naquele Estado? Quase nenhuma. A Nação viu, a Nação ouviu e a Nação aquietou-se diante do novo tipo de chacina que ocorreu no meu Estado. Ali eram trabalhadores rurais promovendo a chacina. Diria melhor: não eram trabalhadores rurais, eram agitadores entre os trabalhadores rurais, promovendo aquela chacina. Mas, por isso, nada se disse e nada se fez.

Sr. Presidente, nenhuma nação do mundo constrói o bem-estar de seu povo em regime de desordem.

Recordo-me do que foi o Governo do ex-Presidente Sarney, marcado por doze mil movimentos grevistas, e o Presidente, também um legalista, obstinado pelos princípios da democracia e das liberdades, a tudo assistiu, dando até a impressão de que não tinha como reagir.

Foi ao Rio de Janeiro, participar de uma solenidade, e ali, viajando num ônibus, mais do que apedrejaram seu ônibus, com uma picareta furaram o vidro do ônibus e quase atingiram o Presidente da República, sem nenhuma reação das forças militares, porque o Presidente não desejava fazê-lo.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, esse tipo de atitude tem conseqüências negativas. O que ocorreu no Governo Sarney é que o País cresceu, sim, mas teria crescido o dobro, se não fossem tantos os movimentos de paralisia nacional.

O Sr. Lauro Campos - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. EDISON LOBÃO - Atendo ao pedido de aparte do Senador Lauro Campos.

O Sr. Lauro Campos - Eminente Senador Edison Lobão, a avaliação que faço das colocações de V. Exª é, sobretudo, coberta de receio, receio de que realmente estejamos em uma situação em que o pacífico povo brasileiro, o decantado caráter amistoso do povo brasileiro, de repente parece transformar-se no seu oposto, num povo que, sem motivação específica, sem razão suficiente, movido por ideologias e demônios estranhos, passe agora a sair atacando as instituições, apedrejando os governadores, os presidentes, etc. Ora, no que se refere à questão da terra, no conflito multissecular da terra, o que sabemos no Brasil é que existe uma agressão por parte da estrutura fundiária. Rousseau já sabia que a cerca agride, que a cerca violenta. Thomas Morus dizia que, enquanto a propriedade for a base sobre a qual repousa o edifício social, o quinhão da parte mais estimável e numerosa da população será pobreza, miséria e injustiça. "Santo" Thomas Morus, na sua Utopia. E, assim, eu poderia aqui trazer o depoimento de diversas pessoas, mas eu gostaria, nesse pouco tempo, lembrar que, se houver realmente um cômputo das perdas de um lado e do outro nessa pseudoguerra rural, percebemos, de acordo com a CNBB, que 1.400 trabalhadores sem terra foram assassinados a partir de 1980 e apenas 47 pessoas foram indiciadas. Então, sabemos muito bem que nesta guerra os desarmados, os inermes, aqueles que procuram a terra para trabalhar estão realmente perdendo muito e eu não gostaria que esse jogo fosse empatado através de mais mortes. O que eu temo...

O SR. PRESIDENTE (Carlos Patrocínio) - A Mesa gostaria, nobre Senador Lauro Campos, de alertar V. Exª de que tem sido paciente, mas, tradicional e regimentalmente, não é sequer permitido apartear quando se fala como Líder, eminente Senador Edison Lobão. Portanto, eu gostaria de pedir que V. Exª, Senador Lauro Campos, concluísse o seu aparte.

O Sr. Lauro Campos - Não quero gastar mais tempo para discutir o Regimento...

O SR. PRESIDENTE (Carlos Patrocínio) - O nobre Senador Edison Lobão está falando como Líder pelo prazo de cinco minutos, portanto, o seu tempo regimental são cinco minutos. V. Exª está tomando o tempo do orador.

O Sr. Lauro Campos - Consultei aos colegas e me disseram que o seu tempo era de 20 minutos. Então, realmente, quero dizer que, quando se trata de um processo de recrudescimento do autoritarismo, é muito comum que se fantasie as oposições, lutas e demônios que estariam contra o Governo, a fim de justificar o incremento do autoritarismo e do despotismo. Espero que isso não aconteça.

O SR. EDISON LOBÃO - Sr. Presidente, não pretendo me alongar, mas solicitei a palavra com base no art. 14 do Regimento, letra "b", portanto, por 20 minutos. Hoje, não há Ordem do Dia, peço a V. Exª que me assegure, portanto, a palavra por esse tempo. Faça a gentileza de atender ao Regimento.

O SR. PRESIDENTE (Carlos Patrocínio) - A Mesa adverte V. Exª que concedeu a palavra por cinco minutos, como Líder.

O SR. EDISON LOBÃO - Eu havia pedido por 20 minutos, de acordo com o item II, "b", art. 14 do Regimento.

A SRª MARINA SILVA - Pela ordem, Sr. Presidente.

O SR. PRESIDENTE (Carlos Patrocínio) - Tem a palavra, V. Exª, Senadora Marina Silva.

A SRª MARINA SILVA (BLOCO/PT-AC. Pela ordem.) - Penso que o Senador Lobão foi claro, quando fez o seu pedido e citou o artigo, o qual o coloca para falar na condição de Líder por 20 minutos. V. Exª não recusou o pedido do Senador Lobão, então, penso que lhe deve ser assegurada a palavra por 20 minutos, até porque não é uma sessão deliberativa.

O SR. PRESIDENTE (Carlos Patrocínio) - Exatamente por causa disso, eminente Senadora Marina Silva, pelo fato de não haver Ordem do Dia, estamos concedendo a palavra nos termos do art. 14, II, "a". Mas V. Exª pode observar que a Mesa está sendo tolerante. Já se passaram mais de cinco minutos do término previsto para o pronunciamento do eminente Senador Edison Lobão.

A Mesa será tolerante, nobre Senadora, mas é preciso levar em consideração que temos ainda mais seis ou sete oradores inscritos.

O SR. EDISON LOBÃO - Agradeço, Sr. Presidente, e me encaminho para o encerramento do meu discurso, dizendo que esta Casa ouviu a palavra dos eminentes representantes da Oposição. Em primeiro lugar, o Senador Ademir Andrade, que foi meu companheiro na luta em favor dos garimpeiros da Serra Pelada. Ali defendemos juntos a mesma causa, eu não apoiava a ação do Governo contra os garimpeiros. Mas não posso também concordar com o que S. Exª declara aqui com relação ao Presidente Fernando Henrique Cardoso, por injustas as suas palavras. S. Exª diz que o Presidente fez um discurso com manifestação plenamente ameaçadora. E mais do que isso: culpa o Presidente da República por assassinato de trabalhadores. Ora, isso é um exagero evidente. Culpar o Presidente da República, um homem obstinado na defesa das liberdades da democracia por assassinato de trabalhadores é evidentemente um excesso inconcebível a respeito do qual não podemos silenciar.

Do Senador Lauro Campos, além das exceções objurgatórias que faz neste momento, ainda ouvimos anteriormente, durante o aparte que fez ao discurso do Senador Ademir Andrade, outras observações. S. Exª lembrava São Tomás de Aquino que pretendia a rebelião contra os déspotas. Mas será que Fernando Henrique Cardoso é um déspota? Alguém é capaz de achar que Fernando Henrique Cardoso é um déspota? O Presidente da República está promovendo sim a reforma agrária. Nenhum governante fez tanto quanto ele neste País. Terá distribuído, até o final de seu Governo, mais terras do que todos os governos somados. Os oposicionistas deste plenário que, seguramente, aplaudem os Governos passados de João Goulart e os anteriores, não são capazes de testemunhar a reforma agrária no Governo João Goulart nem em outros governos. A reforma agrária começou, sim, a partir dos governos da revolução, contraditoriamente. Foi o Governo da revolução do Presidente Castello Branco quem elaborou o Estatuto da Terra e foi a partir daí, de fato, que se realizou a reforma agrária neste País.

Sei que muitos procuram usar a Igreja, até São Tomás de Aquino aqui se usa em favor de invasão de terras, em favor de uma reforma agrária truculenta. Pretendo, então, usar o príncipe da Igreja também, só que mais recente, mais atual, que é o Papa João Paulo II. Quando o Papa veio ao Brasil, em 1991, esperava-se que Sua Santidade fizesse uma manifestação rigorosa em favor das invasões de terras. O Santo Padre, consciente do seu papel, chegou ao meu Estado, o Maranhão, na época em que eu governava o Estado e, falando sobre a reforma agrária, disse que deve ser feita, que os proprietários devem compreender a situação dos que não têm terras, porém, invasão da terra alheia não, em nenhuma hipótese. Assim disse o Papa.

Senador Lauro Campos, aí está, contrapondo-se a São Tomás de Aquino, o nosso Papa que hoje governa a Igreja de nosso País.

A Srª Marina Silva - Permite V. Exª um aparte?

O SR. EDISON LOBÃO - Senadora Marina Silva, concederia o aparte a V. Exª se o Presidente permitisse, porém, o Presidente já pediu-me que não houvesse mais apartes.

O SR. PRESIDENTE (Carlos Patrocínio) - A Presidência lamenta, nobre Senadora Marina Silva, mas vamos cumprir o Regimento.

O SR. EDISON LOBÃO - Sr. Presidente, ninguém governa sem autoridade. O governante não precisa ser truculento, não tem que ser violento, mas sem autoridade ele não governa.

Querem dois exemplos? Menciono-os agora. Quando o Presidente João Goulart perdeu a autoridade, perdeu o Governo. Caiu, foi deposto. As ruas tomaram conta de seu governo e as ruas não sabem governar.

Um exemplo anterior foi o do nosso Monarca Pedro II. Pedro I governou com firmeza e estabeleceu os fundamentos da Nação brasileira. Pedro II, mais ameno, foi levando como podia, até que chegou o momento em que recebe em seu Palácio Imperial um major do Exército que diz que ele estava deposto. Faltava autoridade ao Monarca Pedro II.

O Presidente Fernando Henrique Cardoso precisa estar atento às lições da História e não permitir que o seu governo se esvaia sem autoridade. Ele tem que ter autoridade e precisa mantê-la contra a desordem.

Sr. Presidente, país sem ordem é país sem presente. País que não tem ordem, não tem futuro, não tem destino. E não desejamos isso para o Brasil.

Por isso estou aqui para apresentar a solidariedade do meu Partido, o PFL, ao Presidente da República, pela posição que assumiu ontem, corajosamente, em benefício de toda Nação brasileira. Contemporizar com os trabalhadores, sim! Contemporizar com todo aquele que tem dificuldade, sim! Contemporizar com a desordem, não! Porque isso não serve ao País, isso não serve à Nação brasileira, isso pode servir a uma pequena minoria de agitadores neste País.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

O SR. PRESIDENTE (Carlos Patrocínio) - A Mesa, ainda respondendo à questão de ordem da eminente Senadora Marina Silva e alertando o eminente Senador Edison Lobão, entende que um Líder pode falar por cinco minutos antes da Ordem do Dia ou por vinte minutos após a Ordem do Dia. Como hoje não há Ordem do Dia, não existe "após a Ordem do Dia". Esse é o entendimento da Mesa.

Concedo a palavra ao eminente Senador Lauro Campos. V. Exª dispõe de vinte minutos.

O SR. LAURO CAMPOS (BLOCO/PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há cerca de um mês, prometi desta tribuna que daria um passo avante no processo de interação entre nós, representantes do povo brasileiro e dos Estados da Federação, e aqueles que se dirigiam a nós, criticando-nos, aconselhando-nos, estimulando-nos através da TV Senado.

É realmente algo insólito, completamente novo, este processo pelo qual a TV Senado serve à democratização do diálogo, à possibilidade de escutarmos as opiniões da sociedade civil, dos eleitores, dos cidadãos brasileiros e, depois - esta é a minha iniciativa -, retornar a eles, através da TV Senado, respondendo as suas questões. Esta minha iniciativa, enunciada naquela ocasião, obteve o apoiamento e os aplausos calorosos do eminente Senador Pedro Simon.

De modo que, então, tendo recebido cerca de 150 correspondências, entre telefonemas, fax, etc, dos eleitores e cidadãos de todo o Brasil, vou, agora, iniciar esta tentativa de responder ou de, pelo menos, registrar essas manifestações.

Gostaria também de dizer àqueles que pretendem estabelecer esse diálogo democrático que façam o favor de consignar em suas mensagens se desejam manter o sigilo a respeito de seu nome, ou se o seu nome poderá ser veiculado a fim de personalizar melhor a pessoa que se dirigiu a nós.

Hélio Vicente Guimarães Santos:

      "Gostaria de parabenizar a atuação dos Senadores Lauro Campos, José Eduardo Dutra e Eduardo Suplicy." Acha que nenhum cidadão deve andar armado, somente os policiais em serviço. Diz ainda que o Senador Romeu Tuma descaracterizou o projeto de lei do Senador José Eduardo Dutra com a sua emenda.

O comentário rápido que farei a esse posicionamento do Sr. Hélio Guimarães é no sentido de que realmente a sociedade brasileira está atingindo tal ponto de agressividade que seria muito conveniente que se desarmasse a população.

Nos Estados Unidos, o direito de comprar armas até pelo correio é um direito que decorre dos diálogos, dos debates e do processo de formação da democracia americana, iniciado pelos federalistas ainda no final do século XVIII. Se o Governo pode ter uma força armada - e muitos achavam que os Estados Unidos não deveriam ter exército naquela ocasião, uma vez que venceu a tese dos Cincinnatis, dos grupos armados, que tantos democratas temiam naquela época - também a sociedade norte-americana achou que os cidadãos tinham direito de andar armados para se defenderem da polícia, da organização militar que faz parte desse autoritarismo, desse despotismo ou desse poder coercitivo que se concentra na mão do Estado.

Portanto, devemos fazer como na Inglaterra, onde os policiais registram a retirada da arma, o momento e para que foi retirada. Colocar arma na cintura de qualquer militar é quase que fornecer a eles salvo-conduto para a violência.

Delore Cardoso, Passo Fundo: agradece a oportunidade de ver e ouvir as sessões. Acha que o Senador Lauro Campos é brilhante, inteligente, coerente com a opinião pública. Elogia também a Senadora Emilia Fernandes.

Joseir, Canal de Marapeti: sugeriu tirar o caduco do Senador Lauro Campos do ar. Sr. Joseir, acho que a sua sugestão é das mais expressivas. Numa sociedade como a nossa, capitalista, que tem necessidade de destruir parte da produção, e de destruir cada vez mais na medida em que os consumidores não têm acesso ao consumo para realizar essa tarefa, o processo de produção tem que culminar num processo de destruição para que a reprodução seja feita.

Na nossa sociedade, os sem-terra não podem ter acesso aos alimentos; os miseráveis e desempregados também não podem ter. É preciso que a nossa produção arranje formas de ser destruída: a destruição bélica, a destruição espacial, a dissipação necessária. Quanto mais eficiente for uma sociedade industrial, maior deverá ser o número de consumidores improdutivos e de agentes destrutivos, dizia Malthus, em 1820, que entendeu o caráter destruidor desta nossa grande eficiência desumana.

E assim a nossa sociedade tem que sucatear as coisas, os carros têm que durar pouco, as geladeiras têm que ser delgadas, finas, para que estraguem logo e que se comprem outras; as televisões também. No Japão, toda quarta-feira os japoneses se desfazem de produtos semi-novos; jogam tudo fora para poder comprar produtos novos. Nada dura e, assim também, o ser humano se torna sucateável na nossa sociedade.

O senhor expressa justamente esse espírito do capitalismo, esse desrespeito com a vida, esse desrespeito que faz com que aquilo que dura se transforme em caduco, caduque logo e tenha de ser substituído pelo novo.

Também os padrões estéticos são determinados pela produção. Há 50, 40 anos, no tempo dos cadilaques, dos carros chamados "rabos de peixe", as mulheres deveriam ser obesas, pesadas. Esse era o nosso padrão estético. Agora, na sociedade sucateável, do fino, a estética feminina tem que se adaptar, tem que se adelgaçar, fazer tratamentos e ginásticas emagrecedoras, porque o magro, o fino, o frágil é que é bonito.

De modo que quando o senhor sugere o afastamento do caduco Senador Lauro Campos, quero dizer-lhe que esse seu critério é também medíocre no sentido de que a antropologia não dá apoio à sua sugestão. Há sociedades, ao contrário do que o senhor pensa, que são gerontocráticas, sociedades dirigidas pelos mais idosos, sociedades dirigidas por aqueles que já acumularam experiência e sabem realmente alguma coisa a mais do que essa inexperiência jovem e empenachada que sugere a destruição, o sucateamento das gerações mais amadurecidas, da terceira idade.

De modo que, então, espero que o senhor não chegue lá. E se chegar um dia à terceira idade, não se lembre desse conselho que o senhor está me dando.

Manifesta apoio João, de São Paulo. Diz ele:

      "Manifesto apoio ao discurso do Senador Lauro Campos. Achei o seu discurso magnífico."

Vilda Mata Machado, de Viçosa:

"Parabenizo o Senador Lauro Campos." Posiciona-se à favor da emenda da reeleição.

Anônimo: "Parabéns ao Senador Lauro Campos".

Jorge Chadute, de Goiânia: Entende que a TV Senado é um dos mais instrutivos meios de comunicação, porque as pessoas que falam são de alto gabarito, como o Senador Lauro Campos e o Senador Iris Rezende. Além disso, acha necessário que a câmara passeie pelo plenário para que se possa observar quantos Senadores estão no plenário e quais estão prestando atenção.

Excelente sugestão. Para que a nossa atuação no plenário seja examinada pelos nossos cidadãos.

Márcio da Mata: Aprova as atitudes do Senador Lauro Campos e do Senador Ademir Andrade. Acha que os dois são os únicos que combatem as idéias do Governo, de sucateamento do País, em detrimento da economia nacional.

Ivo Machado, Balneário de Camboriú, o cidadão argumenta "que o Senador Lauro Campos, no momento em que discursava, esquecia que o déficit da balança comercial é provocado pela importação e esta, por fim, gera desemprego".

Realmente, talvez, nos 5, 15, 20 minutos de fala eu não tenha me referido a isso. Mas posso passar ao senhor inúmeras, centenas de páginas que já escrevi sobre esse assunto. E tenho absoluta certeza de que, realmente, o senhor tem razão. Agora, na engenharia desse plano que aí está, o Plano Real, o Governo colocou uma taxa de câmbio sobrevalorizada para que os brasileiros importassem carros, artigos de luxo, vestuário fino, perfumes, gravatas Hermés, etc., a fim de que a entrada desses produtos, comprados barato, selasse o êxito do Plano Real; aumentasse a oferta de mercadorias e achatasse os preços, impedindo o retorno da inflação.

É óbvio, então, que enquanto durar o Plano Real teremos aumento do déficit da balança comercial, teremos a destruição do parque industrial. Teremos, agora, a importação de RS$9 bilhões em máquinas e equipamentos, o que vai destruir a nossa indústria de base. O senhor tem toda razão. Não há como mexer numa peça dessa engrenagem, porque ela é toda voltada para um combate perverso, desumano à inflação.

Rodrigo Rosa, São Paulo. Perguntou quem era o Senador que estava se pronunciando no momento. Gostaria de saber se o programa era ao vivo ou gravado.

Gostaria de esclarecer que os meus pronunciamentos são todos de improviso, com exceção de dois que fiz desta tribuna, que são análises mais aprofundadas, um com mais de 40 páginas e outro com 32 páginas, sobre livros escritos por Sua Excelência o Presidente Fernando Henrique Cardoso.

E há um outro, também, de maior volume, que trata de uma análise e de uma interpretação da crise do capitalismo na União Soviética. Para mim não foi o socialismo que entrou em colapso. Foi o capitalismo que penetrou lá, desde o início, desde as bases, com a sua tecnologia individualista, egoísta, excludente e destruidora. E isso inibiu, impediu o avanço do socialismo na União Soviética, socialismo que exige, obviamente, a democratização do consumo, a democratização da renda, a democratização do acesso de todos os cidadão aos bens produzidos pelo trabalho coletivo.

Lá, com os cargos egoístas, com os cargos elitistas e excludentes, com a produção bélica destruidora e inútil, obviamente restou a pobreza para ser dividida e alguns grupos privilegiados passaram a adquirir esses produtos de luxo que o capitalismo transplantou para cá.

Eduardo Sobreira, São Carlos:

      Achei brilhante e louvável o discurso do Senador Lauro Campos na sessão de 03/02. Concordo inteiramente com o que o Senador disse a respeito do Real.

Glade Divino Limões:

      Parabenizo os Senadores Pedro Simon, Iris Rezende, Sérgio Machado, Lauro Campos e Josaphat Marinho. Desejo que eles possam completar as suas tarefas, sempre com o intuito de ajudar a população brasileira. Desejo receber o discurso desses Senadores.

Anônimo, Curitiba:

      Graças a Deus, nós, cidadãos, podemos ainda contar com Senadores como Josaphat Marinho e Lauro Campos, que são patriotas, coerentes e que lutam para melhorar a vida da população brasileira.

Eu gostaria de perguntar à Mesa de quantos minutos ainda disponho.

O SR. PRESIDENTE (Carlos Patrocínio) - V. Exª dispõe ainda de 3 minutos e 17 segundos.

O SR. LAURO CAMPOS - Muito obrigado.

Recebi também uma mensagem de Belo Horizonte, de um grupo de ex-colegas meus da universidade, que diz:

      O Lauro, sem dúvida alguma, é a inteligência mais privilegiada de toda a nossa geração.

      Leo Martins:

      Parabenizo o Senador Lauro Campos pelo excelente discurso de 20/02. O Sr. Senador soube dissecar muito bem o Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, o qual, em seu projeto de globalização, está vendendo o País. Lamento ter votado no atual Presidente .

      Indigna-se com a degradação do trabalhador, realizada por esta gestão.

Antônio Abílio Pedroso:

      Muito me admira a atuação do Senador Lauro Campos. Um homem de sua idade deveria fazer ataques não à pessoa do Presidente da República, e sim à atuação do mesmo. E essas críticas de maneira nenhuma devem ser desrespeitosas, como têm sido.

Eu gostaria de esclarecer ao Antônio Pedroso que, em primeiro lugar, fiz uma reanálise das obras do Presidente FHC e procurei mostrar aqui como muitas de suas obras constituem uma espécie de antecipação, de previsão a respeito daquilo que está acontecendo hoje.

Sua Excelência o sabe muito bem - e isso está demonstrado em suas obras -, pois, dentre outras coisas, diz em sua tese Capitalismo e Escravidão que a escravidão tinha de ser abolida no Brasil, porque ela não permitia uma exploração tão grande do trabalhador assalariado quanto o capitalismo já exigia. Sua Excelência disse que o capitalismo explora mais os trabalhadores com sua tecnologia, com suas inovações, com sua modernização, com a introdução de novas técnicas, com o down sizing e a reengenharia do que a própria escravidão podia fazer.

A escravidão não manda o trabalhador para a rua, porque o trabalhador é escravo, e o escravo não pode ficar desempregado. O escravo é alimentado na senzala e é medicado porque é propriedade do patrão. O trabalhador assalariado não, quando ele não dá lucro, rua; quando ele não dá lucro, desemprego a custo zero para o empregador, para o senhor dos escravos modernos. E, agora, todo o esforço deste Governo tem sido no sentido de reduzir o que eles chamam de custo Brasil.

Todos os direitos que constituem o custo Brasil, como aposentadoria e auxílio família, estão sendo destruídos. Enquanto isso, o Japão cresceu; sabem por quê? Porque, com ele, cresceram os direitos dos trabalhadores. Lá, o trabalhador tem vitaliciedade assegurada, tem emprego pela vida inteira; lá, o empregado participa do lucro e da direção das empresas; lá, os empregados também fazem parte da direção técnica, do comando das linhas de montagem.

Se compararmos essa situação com a do Japão, que é um país onde o capitalismo deu certo na medida do possível, apesar dos karochi - os suicídios de fim de semana -, apesar do desespero que existe em grande número de japoneses jovens e da faixa etária intermediária, apesar disso tudo, a nossa situação aqui é completamente diferente.

Então, realmente, o Presidente Fernando Henrique Cardoso está fazendo aquilo que disse que seria o destino do capitalismo: reduzir o salário e aumentar o que ele chamava de extração da mais-valia relativa, por meio do trabalho assalariado, em substituição ao trabalho escravo, que já não conseguia fazê-lo.

A Srª Marina Silva - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. LAURO CAMPOS - Ouço V. Exª com prazer.

A Srª Marina Silva - Entendi a forma como V. Exª fez a comparação entre o trabalho escravo e o trabalho assalariado.

O SR. LAURO CAMPOS - Baseado no Professor Fernando Henrique Cardoso!

A Srª Marina Silva - Eu queria apenas fazer uma pequena observação. No caso do trabalho escravo, por mais que o senhor fosse o dono da propriedade e que o escravo fosse o objeto, uma propriedade do senhor, havia um problema muito grave em relação a qualquer outra forma de exploração conhecida, principalmente quando se trata da escravidão a partir do século XV, da escravidão moderna, da implementação do sistema colonial: o fato de que esses escravos eram praticamente descartáveis. A forma pela qual eles eram apanhados na África e trazidos principalmente para as colônias portuguesas, que era um depositário de escravos, mostrava que eles não constituíam valor algum do ponto de vista da preservação de sua integridade humana. A sua alimentação era de péssima qualidade, havia maus tratos dentro da senzala, até porque a condição de escravo é a negação da própria condição humana; o cidadão é tratado como um objeto, e o senhor pode fazer com ele o que bem entender, até mesmo assassiná-lo. O escravo não tinha direito sobre a sua própria condição de vida. A ele não era oferecido condição humana, direitos humanos. Isso aconteceu na escravidão moderna e na escravidão antiga. Só eram considerados seres humanos aqueles que não eram escravos e que tinham direitos, até mesmo na própria Grécia. Fiz esse relato apenas para que não se faça uma interpretação equivocada no que diz respeito a essa forma de trabalho, que, para mim, é uma das mais perversas já existentes, em que pese o assalariamento não ter dignificado o homem na sua totalidade, em relação aos seus direitos.

O SR. LAURO CAMPOS - Eu queria apenas lembrar a V. Exª que citei aquilo que o Professor Fernando Henrique Cardoso escreveu em seu livro Escravidão e Capitalismo. Gostaria também de dizer que concordo inteiramente com V. Exª. Inclusive, Marx cita em O capital um alemão estudioso, pesquisador, que andou por Minas Gerais e que cita justamente isso em um de seus livros.

Quando o trabalho é mais produtivo, como nas minas de ouro, o dono do escravo faz o cálculo. O custo da perda de um escravo pela morte prematura é compensado - e mais do que compensado - pelo ouro que seu trabalho intensivo e mal pago fornece ao senhor de escravo. E também, ao invés de colocar uma parte dos escravos para produzir alimentos, minimizou-se essa parte em relação àqueles escravos que são altamente produtivos, altamente lucrativos trabalhando nas minas de ouro. Então, em alguns setores de atividade, a escravidão ainda foi pior do que em outros.

O Professor Fernando Henrique Cardoso afirma que um dos motivos, talvez o principal motivo, da abolição da escravatura não tenha sido humanismo, não tenha sido o liberalismo inglês devastador, não tenha sido nada disso, mas apenas uma necessidade que apareceu numa fase do desenvolvimento do capitalismo brasileiro.

O SR. PRESIDENTE (Carlos Patrocínio) - A Mesa adverte o eminente Senador Lauro Campos para o fato de que o seu tempo já expirou há seis minutos.

O SR. LAURO CAMPOS - Agradeço a V. Exª pela paciência. Quero apenas dizer que estou iniciando a abordagem sobre essas mais de cem manifestações que recebi, inclusive com referências a outros Senadores. Como falei, uma vez por mês, às sextas-feiras, pretendo utilizar o meu tempo para testar pelo menos esse retorno, essa continuação do processo de interação que a TV Senado nos permite.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/05/1997 - Página 10406