Questão de Ordem no Senado Federal

APOIA O SENADOR EDISON LOBÃO, O QUAL SOLICITOU A PALAVRA POR 20 MINUTOS.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Questão de Ordem
Resumo por assunto
REGIMENTO INTERNO.:
  • APOIA O SENADOR EDISON LOBÃO, O QUAL SOLICITOU A PALAVRA POR 20 MINUTOS.
Publicação
Publicação no DSF de 24/05/1997 - Página 10411
Assunto
Outros > REGIMENTO INTERNO.
Indexação
  • QUESTÃO DE ORDEM, REGIMENTO INTERNO, REFERENCIA, TEMPO, PRONUNCIAMENTO, SENADOR, OPÇÃO, USO DA PALAVRA, QUALIDADE, LIDER, PARTIDO POLITICO.

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Senador Bernardo Cabral, essas sessões de sexta-feira são um bom espaço para os tímidos; é aqui que eles treinam a possibilidade de falar nas sessões de quartas e quintas-feiras.

Em primeiro lugar, quero fazer o registro de um acontecimento que vem sendo notícia nos jornais, que é o Grito da Terra Brasil, encaminhado pelos trabalhadores rurais em toda a Amazônia e cujas negociações estão em fase final.

Recebi a informação de um representante da Central Única dos Trabalhadores do meu Estado e de lideranças do Movimento dos Trabalhadores Rurais do Estado do Pará, companheiro Avelino Ganzer, de que houve avanços nas negociações com o Basa e que, em vários pontos, houve acordos. Parece-me que 21 pontos foram negociados em todo esse processo de mobilização que envolveu milhares de trabalhadores. Inclusive, houve grandes manifestações no meu Estado e a participação de milhares de trabalhadores rurais, que buscavam ali propostas para o desenvolvimento sustentável, para o fortalecimento da agricultura familiar, para a redução dos juros, para um melhor tratamento na política de crédito e apoio técnico ao trabalho dos produtores rurais da nossa região e um tratamento adequado à reforma agrária na Amazônia, que não pode ser nos moldes das demais regiões.

Lamentavelmente, no que se refere à questão dos créditos, um dos pontos mais importantes para o Movimento, ontem não houve acordo, e esgotaram-se as negociações. Uma das propostas era a de que as taxas de juros caíssem de 4% para 2%; que o rebate da TJLP, que é de 60%, fosse para 80% e que o rebate do capital fosse para 30% - os 30% do capital concedidos para os agricultores deveriam ser considerados como custo zero. Havia uma reivindicação de que fosse retroativo ao ano de 1994, que foi exatamente o início do Plano Real.

As negociações não avançaram, e a Drª Flora Valadares retirou-se do caso; inclusive, parece-me que viajou para o Estado do Amazonas. Houve pressão. Os trabalhadores acamparam dentro do Basa. Nesse momento, segundo informações que recebi do Sr. Avelino Ganzer, está acontecendo uma nova rodada de negociações com a Drª Flora Valadares.

Essas propostas são as mais importantes. Existem inúmeros trabalhadores que estão sem condições de honrar os seus compromissos junto ao banco em função dos juros estabelecidos, que são inadequados às suas possibilidades de renda, ao que produzem, ao que têm como retorno econômico.

Espero que a Presidente do Basa, Drª Flora Valadares, com a sua sensibilidade, encaminhe essa negociação da melhor forma possível, para que o Grito, que já estava sendo um sucesso nas questões mais pontuais, menos estruturais, possa sair com essa vitória, que será do Movimento, mas, acima de tudo, será a demonstração de que o Governo está sensível ao problema dos pequenos agricultores da nossa região.

Um outro aspecto, Sr. Presidente, a que me quero reportar, é que o Procurador-Geral da República, Dr. Geraldo Brindeiro, pede abertura de processo de cassação do Governador Orleir Cameli e do seu Secretário Estadual de Saúde. Essa matéria está no Correio Braziliense. Segundo a reportagem, o Procurador da República encaminha para o STJ o pedido de cassação do Governador Orleir Cameli pelo fato de ele ter dispensado licitação na feitura de um pronto-socorro, utilizando-se do artifício do estado de emergência, do estado de calamidade, aqueles costumeiramente usados quando se quer favorecer os amigos do dinheiro público, mas inimigos da sociedade, do bom uso desse dinheiro público. Esse foi o caso da empreiteira Mendes Carlos, de propriedade do empresário Narciso Mendes, ex-Deputado, que fez, sem licitação, obras no valor de R$1 milhão.

Esse é mais um dos episódios entre os que estamos cansados de denunciar no Acre. A imprensa nacional tem divulgado o nome desse homem como sendo aquele que teria comprado os votos. Talvez tenha sido dessa forma que ele conseguiu dinheiro para comprar votos de Deputados corruptos.

O terceiro registro refere-se a um fato, para mim, muito complicado, Sr. Presidente. Trata-se daquela história de se pegar uma frase, extraindo-a do contexto, e generalizá-la como se fosse a verdade. É o que se chama de sofismas. Os intelectuais, os sociólogos, os filósofos gostam muito dessa palavra. Estão atribuindo a João Pedro Stédile a autoria de uma proposta de fazer vigília em frente aos supermercados para que as pessoas alimentadas possam ver a triste cara da fome. Foi dito ainda que João Pedro aconselhou a ocupação, a invasão de supermercados. Ele não usou as palavras invasão e ocupação.

Tenho posicionamento contrário a qualquer tipo de violência, mesmo quando se trata de bandeiras altamente legítimas. A violência, para mim, não é o caminho. Os fins aos quais me proponho não justificam o fato de se lançar mão de todos os meios. A violência talvez seja aceita, do ponto de vista ético, quando ocorre em legítima defesa. Mas, mesmo nesse caso, se houver algum mecanismo de se evitar a violência, ele deve ser levado a cabo para que não ocorra tal fato.

Atribuiu-se ainda a João Pedro a responsabilidade de ter aconselhado a ocupação das cidades, fazendo uma verdadeira baderna. Ora, ele falou exatamente em "ocupar os terrenos baldios, aqueles que estão servindo apenas para especulação imobiliária". Como eu disse, generalizou-se; disseram que ele pediu para que houvesse ocupação. Esse é o discurso que a mídia divulgou e que o próprio Governo e seus defensores têm colocado.

Discordo dessa forma perversa de tratar os adversários. Sofro quando isso acontece com a oposição, mas também não gosto de praticá-la com a situação.

Eu estava lendo um discurso do Presidente Fernando Henrique Cardoso, e não gostei do discurso. Certamente dirão: "Mas isso é uma obviedade, Senadora. A senhora é da oposição e não poderia gostar". O Presidente é um homem inteligente, e há muitas coisas inteligentes que Sua Excelência fala que, independentemente de eu ser da oposição, admiro.

Num dos trechos do seu discurso, o Presidente fala a seguinte frase:

      "A sociedade brasileira exige um basta a esse clima de baderna. A sociedade brasileira não quer a desordem. Pedras, paus, coquetéis molotov são argumentos tão pouco válidos quanto as baionetas, só que menos poderosos".

Se eu quisesse fazer como o Governo e a Situação, eu diria que Fernando Henrique está pedindo a ditadura, está ameaçando, pedindo que as baionetas venham para cima dos manifestantes. Se eu quisesse sofismar, eu o faria. Mas, da mesma forma que não gosto que as pessoas atribuam a João Pedro Stédile a pecha de ter mandado invadir supermercados, apartamentos, quintais, eu não utilizaria o mesmo argumento. Dentro do contexto, o Presidente mandou que as instituições, que o Ministro da Justiça, que os responsáveis pela democracia, endurecessem. No entanto, não é certo sofismar e dizer: "O Presidente defendeu a volta da ditadura militar". Da mesma forma que não gosto que me atirem pedras que não mereço, não gosto de atirá-las.

A Bancada de sustentação do Governo muitas vezes faz uma verdadeira festa, descontextualizando palavras e, ao seu bel-prazer, utilizando nomes, como muitas vezes a Santa Madre Igreja é usada. O Senador Lauro Campos citou o filósofo Tomás de Aquino, que é o baluarte da sustentação ideológica, filosófica da Igreja Católica. O Senador Edison Lobão utilizou o nome do Santo Papa no contexto daquilo que S. Exª também defende.

Há de haver um critério da verdade. Não podemos utilizar a verdade de forma tão especulativa a ponto de não haver verdade nenhuma e de os argumentos e a realidade se subordinarem aos interesses, ao bel-prazer daqueles que os defendem.

Faço este registro porque considero que está havendo uma tentativa, um clima para colocar a sociedade contra o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, descontextualizando palavras. Todo aquele apoio que a sociedade brasileira havia emprestado ao Movimento dos Sem-Terra de repente pode ser retirado porque, de forma proposital, determinadas pessoas atribuem ao Movimento a pecha de violento, de desrespeito às instituições, de ser contrário à democracia, etc.

Em um outro ponto do seu discurso, o Presidente da República fala que, se houver corruptos, eles devem ser punidos. Fala ainda que a Oposição acusa sem, pelo menos, assumir que está acusando e que as denúncias devem ser investigadas com todo rigor.

Até aí está ótimo. Se realmente as denúncias são graves, se realmente devem ser investigadas com todo rigor, não é através da Comissão de Sindicância que vamos conseguir esse rigor. Já foi dito mil vezes, por pessoas que entendem desse processo, que a Comissão de Sindicância não tem poderes para fazer investigações e que o instrumento correto e adequado é a instalação de uma CPI. Por que não se cria a CPI? Quem tem medo da CPI? Eu não tenho.

Sou do Estado do Acre; orgulhosamente, sou do Estado do Acre, mas não tenho medo da CPI. Tenho absoluta certeza de que, em qualquer processo de investigação, jamais o meu nome estará associado a esses tipo de vergonha. Se estivesse, quebraria o meu sigilo bancário. Do meu pai não poderia, porque não tem conta bancária; do meu irmão não quebraria, porque não tem conta bancária; meus cunhados e minhas irmãs também não têm conta. E assim vai até a terceira geração. Talvez os únicos que têm conta bancária na minha família sejamos eu e o meu tio.

Não se quer CPI. Não se quer a CPI porque teme-se que, ao se investigar com profundidade, apareçam nomes de pessoas que a sociedade jamais esperaria que estivessem vinculadas a um processo tão vergonhoso. Se há o nome de dois Governadores, é fundamental que o Senado da República empenhe-se na investigação, uma vez que cuidamos do interesse da Federação. E esse interesse está prejudicado em função de que dois Governadores, um do Estado do Amazonas, outro do Estado do Acre, compraram votos por meios altamente condenáveis. E condenáveis por quê? Primeiro, porque votos não se devem comprar; segundo, porque utilizaram dinheiro público, através de empreiteiros inescrupulosos, para patrocinar essa compra de votos.

Então, o Senado tem a obrigação de assinar a CPI. A Câmara dos Deputados mais ainda, porque tem cinco dos seus membros envolvidos.

Então, Sr. Presidente, dizer apenas que é a favor da CPI, que os culpados serão punidos, que se houver culpados serão demitidos, não basta, porque não se chegará aos culpados de maior monta se não houver CPI. Só poderão ser demitidos e punidos se houver culpados e se tivermos a CPI.

Sr. Presidente, tenho, com muita tristeza, acompanhado esse processo que envolve o meu Estado nesses escândalos todos. Ás vezes, ao manifestarmos o lugar em que nascemos, as pessoas comentam, de imediato, que o Acre é um lugar complicado. O Acre não é um lugar complicado. O Acre é apenas mais um dos Estados da Federação em que acontece corrupção. O Acre é mais um dos Estados da Federação em que um Deputado corrupto se esconde por detrás de um taxista, de uma pessoa humilde, e encaminha um processo ao Ministério das Comunicações para conseguir uma rádio e uma emissora de TV, e consegue. Consegue para falar bem de si mesmo e falar mal de pessoas de bem, para se reeleger e dar continuidade àquilo a que o Senador Cabral falava, ou seja, fazer política por interesse pessoal e econômico.

Sr. Presidente, nunca entendi como é que, no meu Estado, algumas pessoas gastam tanto dinheiro em suas campanhas. A minha campanha está no livro do Diap. A campanha da Senadora Marina Silva está em último lugar em termos de gastos. E, com muito orgulho, aqui estou com o voto consciente da população do meu Estado, que venceu vários coronéis de barranco, arraigados, incrustados na política acreana, e me trouxe até aqui para cumprir com o papel de, primeiro, defender o meu Estado e o meu País também, mas, acima de tudo, para dar um testemunho, talvez em um momento tão difícil, de que no Acre não somos todos iguais, de que existem pessoas de bem, pessoas que não se envolvem nesse processo de corrupção.

Temos, no Acre, as melhores experiências, graças à ação da sociedade. Temos o Projeto Reca, um dos melhores projetos de assentamento, com a ajuda da Igreja e de um povo altivo, trabalhador, que consegue uma renda, em três hectares de terra, de até cinco salários mínimos. Tivemos também um movimento forte de seringueiros que lutaram pela preservação daquela floresta, mesmo quando o Governo Federal determinou que o modelo de desenvolvimento para os acreanos deveria ser a pecuária e a exploração de madeira. Resistimos e provamos, na prática, que a pecuária não absorvia mão-de-obra, que a madeira era uma atividade predatória e o correto seria fazermos uma reforma agrária adequada, com reservas e com assentamentos extrativistas.

No Acre, temos, hoje, um dos melhores referenciais em termos do tratamento da prostituição infantil: a Casa Rosa Mulher, que, na época do Prefeito Jorge Viana, foi premiada nacionalmente e reconhecida internacionalmente.

Enfim, temos ali inúmeras experiências, como o próprio projeto de agricultura familiar e os sistemas agroflorestais da Prefeitura de Rio Branco. Temos ali um trabalho autônomo, nos seringais, de ONGs sérias, com mais de quarenta e seis escolas no meio dos seringais, onde o Governo e o Estado não aparecem, além de postos de saúde feitos por iniciativa da sociedade.

É esse lado bom da sociedade acreana que não permite, que não admite que a "cara" dos acreanos seja mostrada ao Brasil através dos "Ronivons" e dos "Joões Maias", dos "Orleires Camelis". Essa não é a "cara" dos acreanos. É a "cara" da ausência do Estado brasileiro no Estado do Acre, que não investe em saúde, não investe em educação, não tem um projeto de desenvolvimento. E aí qualquer aventureiro, com trinta dinheiros, conseguidos dessa forma, monta um comitê, faz cirurgias duvidosas, fazendo laqueadura de trompas em mulheres que, em filas, são mutiladas, independentemente de suas idades, para conseguir votos. É lá que se troca voto por uma aspirina; é lá que se troca voto por uma lata de leite. Esse não é o Acre dos acreanos que lutam, é o Acre dos acreanos que foram esquecidos pelo Governo Federal e que alimenta essa política do "pires na mão", do "toma-lá-dá-cá".

Tenho orgulho de ser acreana. Pareço um pouco bairrista, mas não é bairrismo; é que não admito que, neste momento, a Região Norte seja considerada "bode expiatório" desse processo de corrupção que existe em todo o País. Afinal de contas, o Ministro citado não é acreano. Dos Governadores citados, um é do Acre e o outro é do Norte, mas, com certeza, o dinheiro para fazer esse tipo de atividade espúria é conseguido por outros meios, bem fora da nossa Região.

Em nome do desejo de que o Brasil possa acabar de vez com a corrupção de suas entranhas, particularmente nos lugares onde o sofrimento a desinformação são maiores, é que venho a esta tribuna dizer que, orgulhosamente acreana, tenho lutado para acabar com esse tipo de mazela. Afinal de contas, não é de hoje que denunciamos a primeira conta fantasma criada, que serviu de escola para PC Farias, chamada "Flávio Nogueira". Foi também no Acre o episódio que envolveu o Ministro Magri. Depois, houve o assassinato do Governador. Agora, temos um Governador que está sendo processado por várias denúncias de corrupção - além desta agora -, que tem cinco CPFs, e que é recebido às vésperas da reeleição por pessoas de alto gabarito da política nacional, porque estão no comando maior. Essas pessoas não deveriam ter crédito nenhum para esse tipo de prestígio, porque, de alguma forma, estavam controlando bancadas de quatro, cinco, seis votos. É essa política que tem que acabar.

Para concluir, Sr. Presidente, defendo que demandas legítimas não podem ser tratadas como barganha.

Quero dar um testemunho. Tenho levado as demandas legítimas do povo acreano ao Presidente Fernando Henrique Cardoso. Já fui recebida várias vezes por Sua Excelência. O movimento dos seringueiros, a denúncia contra a exploração irregular de madeira feita pelo Padre Paulino - que, inclusive, foi recebido pelo Presidente. Todo o processo de luta que estamos travando para que se tenha uma resposta econômica, social, estrutural naquele Estado tenho encaminhado ao Governo. E tenho dito que é possível resolver o problema do Acre com muita facilidade. Afinal de contas, são 15 milhões de hectares de floresta e apenas 450 mil habitantes. É menos gente do que em um bairro de São Paulo. Com um governo competente, com um pouco de atenção do Governo Federal, com a transformação das experiências positivas que ali acontecem em políticas públicas de desenvolvimento, com certeza, poderemos ser uma referência, um exemplo para o Brasil de como desenvolver sem devastar.

Tenho levado todas essas demandas ao Presidente e tenho dito a Sua Excelência que não me furto de dar a minha contribuição a qualquer que seja o Presidente, porque a Amazônia não pode mais esperar. E se Sua Excelência estiver imbuído do propósito de dar as respostas adequadas, as dará, independentemente do voto da Senadora Marina. Se Sua Excelência enviar projetos de interesse da sociedade, com os quais eu concorde, não terei qualquer problema em votar a favor. Mas, respeitando a diferença política, que não pode ser objeto de barganha: vou votar a favor disso em troca do apoio aos seringueiros; vou votar a favor daquilo em troca da estrada ou do hospital. Voto de acordo com os meus princípios e o Governo Federal tem a obrigação de encaminhar as demandas legítimas da sociedade, independentemente de concordar ideologicamente com aqueles que estão no poder.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/05/1997 - Página 10411