Discurso no Senado Federal

REGISTRANDO E RESPONDENDO ALGUMAS DAS MANIFESTAÇÕES DOS TELESPECTADORES DA TV SENADO.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ATUAÇÃO PARLAMENTAR.:
  • REGISTRANDO E RESPONDENDO ALGUMAS DAS MANIFESTAÇÕES DOS TELESPECTADORES DA TV SENADO.
Aparteantes
Marina Silva.
Publicação
Publicação no DSF de 24/05/1997 - Página 10412
Assunto
Outros > ATUAÇÃO PARLAMENTAR.
Indexação
  • IMPORTANCIA, TELEVISÃO, SENADO, PARTICIPAÇÃO, SOCIEDADE CIVIL, CIDADÃO, ELEITOR, DEFESA, RESPOSTA, SENADOR.
  • COMENTARIO, OPINIÃO, CIDADÃO, REFERENCIA, VIOLENCIA, DESARMAMENTO, POPULAÇÃO, DESEMPREGO.
  • RESPOSTA, CIDADÃO, CRITICA, ORADOR, REGISTRO, SUGESTÃO, FILME, PLENARIO, OBJETIVO, INFORMAÇÃO, QUORUM.

O SR. LAURO CAMPOS (BLOCO/PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há cerca de um mês, prometi desta tribuna que daria um passo avante no processo de interação entre nós, representantes do povo brasileiro e dos Estados da Federação, e aqueles que se dirigiam a nós, criticando-nos, aconselhando-nos, estimulando-nos através da TV Senado.

É realmente algo insólito, completamente novo, este processo pelo qual a TV Senado serve à democratização do diálogo, à possibilidade de escutarmos as opiniões da sociedade civil, dos eleitores, dos cidadãos brasileiros e, depois - esta é a minha iniciativa -, retornar a eles, através da TV Senado, respondendo as suas questões. Esta minha iniciativa, enunciada naquela ocasião, obteve o apoiamento e os aplausos calorosos do eminente Senador Pedro Simon.

De modo que, então, tendo recebido cerca de 150 correspondências, entre telefonemas, fax, etc, dos eleitores e cidadãos de todo o Brasil, vou, agora, iniciar esta tentativa de responder ou de, pelo menos, registrar essas manifestações.

Gostaria também de dizer àqueles que pretendem estabelecer esse diálogo democrático que façam o favor de consignar em suas mensagens se desejam manter o sigilo a respeito de seu nome, ou se o seu nome poderá ser veiculado a fim de personalizar melhor a pessoa que se dirigiu a nós.

Hélio Vicente Guimarães Santos:

      "Gostaria de parabenizar a atuação dos Senadores Lauro Campos, José Eduardo Dutra e Eduardo Suplicy." Acha que nenhum cidadão deve andar armado, somente os policiais em serviço. Diz ainda que o Senador Romeu Tuma descaracterizou o projeto de lei do Senador José Eduardo Dutra com a sua emenda.

O comentário rápido que farei a esse posicionamento do Sr. Hélio Guimarães é no sentido de que realmente a sociedade brasileira está atingindo tal ponto de agressividade que seria muito conveniente que se desarmasse a população.

Nos Estados Unidos, o direito de comprar armas até pelo correio é um direito que decorre dos diálogos, dos debates e do processo de formação da democracia americana, iniciado pelos federalistas ainda no final do século XVIII. Se o Governo pode ter uma força armada - e muitos achavam que os Estados Unidos não deveriam ter exército naquela ocasião, uma vez que venceu a tese dos Cincinnatis, dos grupos armados, que tantos democratas temiam naquela época - também a sociedade norte-americana achou que os cidadãos tinham direito de andar armados para se defenderem da polícia, da organização militar que faz parte desse autoritarismo, desse despotismo ou desse poder coercitivo que se concentra na mão do Estado.

Portanto, devemos fazer como na Inglaterra, onde os policiais registram a retirada da arma, o momento e para que foi retirada. Colocar arma na cintura de qualquer militar é quase que fornecer a eles salvo-conduto para a violência.

Delore Cardoso, Passo Fundo: agradece a oportunidade de ver e ouvir as sessões. Acha que o Senador Lauro Campos é brilhante, inteligente, coerente com a opinião pública. Elogia também a Senadora Emilia Fernandes.

Joseir, Canal de Marapeti: sugeriu tirar o caduco do Senador Lauro Campos do ar. Sr. Joseir, acho que a sua sugestão é das mais expressivas. Numa sociedade como a nossa, capitalista, que tem necessidade de destruir parte da produção, e de destruir cada vez mais na medida em que os consumidores não têm acesso ao consumo para realizar essa tarefa, o processo de produção tem que culminar num processo de destruição para que a reprodução seja feita.

Na nossa sociedade, os sem-terra não podem ter acesso aos alimentos; os miseráveis e desempregados também não podem ter. É preciso que a nossa produção arranje formas de ser destruída: a destruição bélica, a destruição espacial, a dissipação necessária. Quanto mais eficiente for uma sociedade industrial, maior deverá ser o número de consumidores improdutivos e de agentes destrutivos, dizia Malthus, em 1820, que entendeu o caráter destruidor desta nossa grande eficiência desumana.

E assim a nossa sociedade tem que sucatear as coisas, os carros têm que durar pouco, as geladeiras têm que ser delgadas, finas, para que estraguem logo e que se comprem outras; as televisões também. No Japão, toda quarta-feira os japoneses se desfazem de produtos semi-novos; jogam tudo fora para poder comprar produtos novos. Nada dura e, assim também, o ser humano se torna sucateável na nossa sociedade.

O senhor expressa justamente esse espírito do capitalismo, esse desrespeito com a vida, esse desrespeito que faz com que aquilo que dura se transforme em caduco, caduque logo e tenha de ser substituído pelo novo.

Também os padrões estéticos são determinados pela produção. Há 50, 40 anos, no tempo dos cadilaques, dos carros chamados "rabos de peixe", as mulheres deveriam ser obesas, pesadas. Esse era o nosso padrão estético. Agora, na sociedade sucateável, do fino, a estética feminina tem que se adaptar, tem que se adelgaçar, fazer tratamentos e ginásticas emagrecedoras, porque o magro, o fino, o frágil é que é bonito.

De modo que quando o senhor sugere o afastamento do caduco Senador Lauro Campos, quero dizer-lhe que esse seu critério é também medíocre no sentido de que a antropologia não dá apoio à sua sugestão. Há sociedades, ao contrário do que o senhor pensa, que são gerontocráticas, sociedades dirigidas pelos mais idosos, sociedades dirigidas por aqueles que já acumularam experiência e sabem realmente alguma coisa a mais do que essa inexperiência jovem e empenachada que sugere a destruição, o sucateamento das gerações mais amadurecidas, da terceira idade.

De modo que, então, espero que o senhor não chegue lá. E se chegar um dia à terceira idade, não se lembre desse conselho que o senhor está me dando.

Manifesta apoio João, de São Paulo. Diz ele:

      "Manifesto apoio ao discurso do Senador Lauro Campos. Achei o seu discurso magnífico."

Vilda Mata Machado, de Viçosa:

"Parabenizo o Senador Lauro Campos." Posiciona-se à favor da emenda da reeleição.

Anônimo: "Parabéns ao Senador Lauro Campos".

Jorge Chadute, de Goiânia: Entende que a TV Senado é um dos mais instrutivos meios de comunicação, porque as pessoas que falam são de alto gabarito, como o Senador Lauro Campos e o Senador Iris Rezende. Além disso, acha necessário que a câmara passeie pelo plenário para que se possa observar quantos Senadores estão no plenário e quais estão prestando atenção.

Excelente sugestão. Para que a nossa atuação no plenário seja examinada pelos nossos cidadãos.

Márcio da Mata: Aprova as atitudes do Senador Lauro Campos e do Senador Ademir Andrade. Acha que os dois são os únicos que combatem as idéias do Governo, de sucateamento do País, em detrimento da economia nacional.

Ivo Machado, Balneário de Camboriú, o cidadão argumenta "que o Senador Lauro Campos, no momento em que discursava, esquecia que o déficit da balança comercial é provocado pela importação e esta, por fim, gera desemprego".

Realmente, talvez, nos 5, 15, 20 minutos de fala eu não tenha me referido a isso. Mas posso passar ao senhor inúmeras, centenas de páginas que já escrevi sobre esse assunto. E tenho absoluta certeza de que, realmente, o senhor tem razão. Agora, na engenharia desse plano que aí está, o Plano Real, o Governo colocou uma taxa de câmbio sobrevalorizada para que os brasileiros importassem carros, artigos de luxo, vestuário fino, perfumes, gravatas Hermés, etc., a fim de que a entrada desses produtos, comprados barato, selasse o êxito do Plano Real; aumentasse a oferta de mercadorias e achatasse os preços, impedindo o retorno da inflação.

É óbvio, então, que enquanto durar o Plano Real teremos aumento do déficit da balança comercial, teremos a destruição do parque industrial. Teremos, agora, a importação de RS$9 bilhões em máquinas e equipamentos, o que vai destruir a nossa indústria de base. O senhor tem toda razão. Não há como mexer numa peça dessa engrenagem, porque ela é toda voltada para um combate perverso, desumano à inflação.

Rodrigo Rosa, São Paulo. Perguntou quem era o Senador que estava se pronunciando no momento. Gostaria de saber se o programa era ao vivo ou gravado.

Gostaria de esclarecer que os meus pronunciamentos são todos de improviso, com exceção de dois que fiz desta tribuna, que são análises mais aprofundadas, um com mais de 40 páginas e outro com 32 páginas, sobre livros escritos por Sua Excelência o Presidente Fernando Henrique Cardoso.

E há um outro, também, de maior volume, que trata de uma análise e de uma interpretação da crise do capitalismo na União Soviética. Para mim não foi o socialismo que entrou em colapso. Foi o capitalismo que penetrou lá, desde o início, desde as bases, com a sua tecnologia individualista, egoísta, excludente e destruidora. E isso inibiu, impediu o avanço do socialismo na União Soviética, socialismo que exige, obviamente, a democratização do consumo, a democratização da renda, a democratização do acesso de todos os cidadão aos bens produzidos pelo trabalho coletivo.

Lá, com os cargos egoístas, com os cargos elitistas e excludentes, com a produção bélica destruidora e inútil, obviamente restou a pobreza para ser dividida e alguns grupos privilegiados passaram a adquirir esses produtos de luxo que o capitalismo transplantou para cá.

Eduardo Sobreira, São Carlos:

      Achei brilhante e louvável o discurso do Senador Lauro Campos na sessão de 03/02. Concordo inteiramente com o que o Senador disse a respeito do Real.

Glade Divino Limões:

      Parabenizo os Senadores Pedro Simon, Iris Rezende, Sérgio Machado, Lauro Campos e Josaphat Marinho. Desejo que eles possam completar as suas tarefas, sempre com o intuito de ajudar a população brasileira. Desejo receber o discurso desses Senadores.

Anônimo, Curitiba:

      Graças a Deus, nós, cidadãos, podemos ainda contar com Senadores como Josaphat Marinho e Lauro Campos, que são patriotas, coerentes e que lutam para melhorar a vida da população brasileira.

Eu gostaria de perguntar à Mesa de quantos minutos ainda disponho.

O SR. PRESIDENTE (Carlos Patrocínio) - V. Exª dispõe ainda de 3 minutos e 17 segundos.

O SR. LAURO CAMPOS - Muito obrigado.

Recebi também uma mensagem de Belo Horizonte, de um grupo de ex-colegas meus da universidade, que diz:

      O Lauro, sem dúvida alguma, é a inteligência mais privilegiada de toda a nossa geração.

      Leo Martins:

      Parabenizo o Senador Lauro Campos pelo excelente discurso de 20/02. O Sr. Senador soube dissecar muito bem o Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, o qual, em seu projeto de globalização, está vendendo o País. Lamento ter votado no atual Presidente .

      Indigna-se com a degradação do trabalhador, realizada por esta gestão.

Antônio Abílio Pedroso:

      Muito me admira a atuação do Senador Lauro Campos. Um homem de sua idade deveria fazer ataques não à pessoa do Presidente da República, e sim à atuação do mesmo. E essas críticas de maneira nenhuma devem ser desrespeitosas, como têm sido.

Eu gostaria de esclarecer ao Antônio Pedroso que, em primeiro lugar, fiz uma reanálise das obras do Presidente FHC e procurei mostrar aqui como muitas de suas obras constituem uma espécie de antecipação, de previsão a respeito daquilo que está acontecendo hoje.

Sua Excelência o sabe muito bem - e isso está demonstrado em suas obras -, pois, dentre outras coisas, diz em sua tese Capitalismo e Escravidão que a escravidão tinha de ser abolida no Brasil, porque ela não permitia uma exploração tão grande do trabalhador assalariado quanto o capitalismo já exigia. Sua Excelência disse que o capitalismo explora mais os trabalhadores com sua tecnologia, com suas inovações, com sua modernização, com a introdução de novas técnicas, com o down sizing e a reengenharia do que a própria escravidão podia fazer.

A escravidão não manda o trabalhador para a rua, porque o trabalhador é escravo, e o escravo não pode ficar desempregado. O escravo é alimentado na senzala e é medicado porque é propriedade do patrão. O trabalhador assalariado não, quando ele não dá lucro, rua; quando ele não dá lucro, desemprego a custo zero para o empregador, para o senhor dos escravos modernos. E, agora, todo o esforço deste Governo tem sido no sentido de reduzir o que eles chamam de custo Brasil.

Todos os direitos que constituem o custo Brasil, como aposentadoria e auxílio família, estão sendo destruídos. Enquanto isso, o Japão cresceu; sabem por quê? Porque, com ele, cresceram os direitos dos trabalhadores. Lá, o trabalhador tem vitaliciedade assegurada, tem emprego pela vida inteira; lá, o empregado participa do lucro e da direção das empresas; lá, os empregados também fazem parte da direção técnica, do comando das linhas de montagem.

Se compararmos essa situação com a do Japão, que é um país onde o capitalismo deu certo na medida do possível, apesar dos karochi - os suicídios de fim de semana -, apesar do desespero que existe em grande número de japoneses jovens e da faixa etária intermediária, apesar disso tudo, a nossa situação aqui é completamente diferente.

Então, realmente, o Presidente Fernando Henrique Cardoso está fazendo aquilo que disse que seria o destino do capitalismo: reduzir o salário e aumentar o que ele chamava de extração da mais-valia relativa, por meio do trabalho assalariado, em substituição ao trabalho escravo, que já não conseguia fazê-lo.

A Srª Marina Silva - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. LAURO CAMPOS - Ouço V. Exª com prazer.

A Srª Marina Silva - Entendi a forma como V. Exª fez a comparação entre o trabalho escravo e o trabalho assalariado.

O SR. LAURO CAMPOS - Baseado no Professor Fernando Henrique Cardoso!

A Srª Marina Silva - Eu queria apenas fazer uma pequena observação. No caso do trabalho escravo, por mais que o senhor fosse o dono da propriedade e que o escravo fosse o objeto, uma propriedade do senhor, havia um problema muito grave em relação a qualquer outra forma de exploração conhecida, principalmente quando se trata da escravidão a partir do século XV, da escravidão moderna, da implementação do sistema colonial: o fato de que esses escravos eram praticamente descartáveis. A forma pela qual eles eram apanhados na África e trazidos principalmente para as colônias portuguesas, que era um depositário de escravos, mostrava que eles não constituíam valor algum do ponto de vista da preservação de sua integridade humana. A sua alimentação era de péssima qualidade, havia maus tratos dentro da senzala, até porque a condição de escravo é a negação da própria condição humana; o cidadão é tratado como um objeto, e o senhor pode fazer com ele o que bem entender, até mesmo assassiná-lo. O escravo não tinha direito sobre a sua própria condição de vida. A ele não era oferecido condição humana, direitos humanos. Isso aconteceu na escravidão moderna e na escravidão antiga. Só eram considerados seres humanos aqueles que não eram escravos e que tinham direitos, até mesmo na própria Grécia. Fiz esse relato apenas para que não se faça uma interpretação equivocada no que diz respeito a essa forma de trabalho, que, para mim, é uma das mais perversas já existentes, em que pese o assalariamento não ter dignificado o homem na sua totalidade, em relação aos seus direitos.

O SR. LAURO CAMPOS - Eu queria apenas lembrar a V. Exª que citei aquilo que o Professor Fernando Henrique Cardoso escreveu em seu livro Escravidão e Capitalismo. Gostaria também de dizer que concordo inteiramente com V. Exª. Inclusive, Marx cita em O capital um alemão estudioso, pesquisador, que andou por Minas Gerais e que cita justamente isso em um de seus livros.

Quando o trabalho é mais produtivo, como nas minas de ouro, o dono do escravo faz o cálculo. O custo da perda de um escravo pela morte prematura é compensado - e mais do que compensado - pelo ouro que seu trabalho intensivo e mal pago fornece ao senhor de escravo. E também, ao invés de colocar uma parte dos escravos para produzir alimentos, minimizou-se essa parte em relação àqueles escravos que são altamente produtivos, altamente lucrativos trabalhando nas minas de ouro. Então, em alguns setores de atividade, a escravidão ainda foi pior do que em outros.

O Professor Fernando Henrique Cardoso afirma que um dos motivos, talvez o principal motivo, da abolição da escravatura não tenha sido humanismo, não tenha sido o liberalismo inglês devastador, não tenha sido nada disso, mas apenas uma necessidade que apareceu numa fase do desenvolvimento do capitalismo brasileiro.

O SR. PRESIDENTE (Carlos Patrocínio) - A Mesa adverte o eminente Senador Lauro Campos para o fato de que o seu tempo já expirou há seis minutos.

O SR. LAURO CAMPOS - Agradeço a V. Exª pela paciência. Quero apenas dizer que estou iniciando a abordagem sobre essas mais de cem manifestações que recebi, inclusive com referências a outros Senadores. Como falei, uma vez por mês, às sextas-feiras, pretendo utilizar o meu tempo para testar pelo menos esse retorno, essa continuação do processo de interação que a TV Senado nos permite.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/05/1997 - Página 10412