Discurso no Senado Federal

REFERENCIAS AO PRONUNCIAMENTO DO SR. VALMIR CAMPELO. AMEAÇA DE SURTO DA DENGUE NO RIO GRANDE DO NORTE. REFLEXÕES SOBRE A RESPONSABILIDADE DO ESTADO BRASILEIRO NA PROMOÇÃO DA SEGURANÇA PUBLICA, A PROPOSITO DO TRAGICO ACONTECIMENTO OCORRIDO EM SÃO GONÇALO DO AMARANTE - RN, QUE CULMINOU NA MORTE DE DEZESSEIS PESSOAS.

Autor
Geraldo Melo (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/RN)
Nome completo: Geraldo José da Câmara Ferreira de Melo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • REFERENCIAS AO PRONUNCIAMENTO DO SR. VALMIR CAMPELO. AMEAÇA DE SURTO DA DENGUE NO RIO GRANDE DO NORTE. REFLEXÕES SOBRE A RESPONSABILIDADE DO ESTADO BRASILEIRO NA PROMOÇÃO DA SEGURANÇA PUBLICA, A PROPOSITO DO TRAGICO ACONTECIMENTO OCORRIDO EM SÃO GONÇALO DO AMARANTE - RN, QUE CULMINOU NA MORTE DE DEZESSEIS PESSOAS.
Aparteantes
Ramez Tebet.
Publicação
Publicação no DSF de 27/05/1997 - Página 10530
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • APOIO, DISCURSO, VALMIR CAMPELO, SENADOR, NECESSIDADE, ATENÇÃO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, SISTEMA PENITENCIARIO, VIOLENCIA, PAIS, IMPORTANCIA, GARANTIA, PROTEÇÃO, DIREITOS HUMANOS.
  • APREENSÃO, ORADOR, SITUAÇÃO, CAPITAL DE ESTADO, ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE (RN), AMEAÇA, PROPAGAÇÃO, DOENÇA ENDEMICA.
  • SOLICITAÇÃO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA SAUDE (MS), MELHORIA, CONDIÇÕES SANITARIAS, ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE (RN), PREVENÇÃO, EPIDEMIA, AMEAÇA, POPULAÇÃO.
  • ANALISE, NECESSIDADE, ESTADO, PROMOÇÃO, SEGURANÇA PUBLICA, IMPEDIMENTO, REPETIÇÃO, VIOLENCIA, PAIS, ESPECIFICAÇÃO, HOMICIDIO, MUNICIPIO, SÃO GONÇALO DO AMARANTE (RN), ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE (RN).

O SR. GERALDO MELO (PSDB-RN. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Senadora Benedita da Silva, que preside esta sessão, Srs. Senadores, eu estava ouvindo, com muita atenção, o pronunciamento do nobre Senador Valmir Campelo sobre a trágica, lamentável e vergonhosa estrutura do sistema penitenciário brasileiro, que está inserida, segundo S. Exª, no conjunto de preocupações que tem em relação à violência no Brasil.

S. Exª reclamava que os compromissos da sociedade brasileira com uma base mínima de direitos humanos a serem protegidos requerem atenção a esse problema.

Curiosamente, Sr. Senador Valmir Campelo, o que me traz à tribuna neste dia não deixa de ter algo a ver com o discurso de V. Exª, na medida em que chego sob a forte impressão de um quadro de violência. E não posso calar, quando a sociedade brasileira me oferece esta tribuna para que eu a use quando julgar importante para o meu País.

Sexta-feria última, fui a Natal, minha cidade, Capital do meu Estado. Voltei no sábado, pois tinha compromissos a cumprir em Brasília, e voltei chocado pelo que encontrei em minha cidade. Primeiro, uma cidade intimidada, assustada diante da infestação de dengue que ameaça a população e que aparentemente encontra as autoridades sanitárias estaduais, federais e as municipais, inteiramente desarmadas para enfrentar o problema.

Tive a notícia de que, somente na manhã do dia em que cheguei a Natal, o plantão de uma clínica de cardiologia - que aparentemente não teria nada a ver com isso - pela lotação excessiva de todos os demais, tinha atendido mais de dez pessoas naquela manhã.

Quero, com minhas palavras iniciais, denunciar a situação ao País e fazer um pedido de socorro ao Ministro da Saúde e ao Presidente Fernando Henrique Cardoso, para que não deixem a população do meu Estado abandonada, à mercê de uma situação que pode ser resolvida com algumas providências de natureza sanitária que precisam ser tomadas urgentemente, hoje e não amanhã.

A desculpa da falta de dinheiro, a desculpa de restrições orçamentárias não consolará as famílias que, amanhã, tenham sido atingidas pelo problema.

Daqui faço, portanto, com a autoridade de Senador da República do Rio Grande do Norte, um veemente apelo ao Ministro da Saúde. E tenho certeza, tenho confiança e tenho esperança de que S. Exª não me dará motivos para entender que o Ministério da Saúde tenha ficado indiferente a este apelo.

Ao lado desse problema, encontrei a cidade chocada com um episódio que é hoje do conhecimento de todo o País. Foi o momento trágico de desvario de um cidadão da cidade de São Gonçalo do Amarante, que, durante algumas horas, se entregou à tarefa final da sua vida, nas ruas daquela cidadezinha e em seus arredores, matando 16 pessoas, inclusive ele próprio.

Na realidade, não pretendo usar esta tribuna para fazer a narrativa do episódio. A imprensa já o fez com riqueza de detalhes. O assunto já é do conhecimento público. Todos já perceberam que houve uma tragédia que marcará por muitos anos as pessoas que vivem naquela região e todas as pessoas de qualquer região que tenham tomado conhecimento do assunto.

A razão de trazer o assunto à tribuna não é a pretensão de trazer a solução para essas questões, Srª Presidente. Mas tenho pelo menos o direito de reivindicar que os problemas relacionados aos direitos humanos e à segurança pública sejam discutidos sem preconceitos, discutidos sem frases feitas, discutidos sem a histeria demagógica com a qual vem sendo abordado não só no Brasil mas também em todo o mundo.

Recordo-me hoje de tantos episódios que cercaram a atividade das polícias civil e militar. Como o nosso compromisso com a proteção dos direitos humanos é sempre invocado quando apontamos o dedo na cara da polícia, aparentemente a polícia é a única ameaça à sociedade.

Participo, Srª Presidente, Srs. Senadores, da tese de todos quantos dizem que a violência policial é intolerável. É algo repugnante que muitas vezes nos leva a crer que ali estão, fardados ou não, alguns bandidos que arranjaram um emprego na polícia. E, protegidos por esse emprego, dedicam-se à prática da violência e do banditismo ilimitados, até certo ponto sob a proteção da lei.

Sou dos que sustentam, dos que dizem e repetem a vida inteira que a polícia não é uma instituição da qual devemos ter medo. O cidadão não deve ter medo da polícia. A polícia é a instituição para junto da qual o cidadão deve ir quando estiver com medo. Ela deve ser o escudo, a proteção do cidadão contra o medo e a insegurança.

E o que se passou em meu Estado? Um louco, um desvairado, um infeliz sai de sua casa ao anoitecer. Alguns dizem que convidara uns amigos para uma caçada noturna. E, nos arredores da cidade, mata todos os amigos que aceitaram seu convite. Passa pela rua e, da calçada, avista num terraço duas senhoras que conversavam mansamente sobre seus problemas, talvez, suas dificuldades, suas alegrias, suas vidas, senhoras de mais de sessenta anos, em suas cadeiras de balanço. Atira na testa das duas. Vem passando um caminhão carregado, movendo-se devagar ladeira acima. Ele atira de longe no motorista. Como não acerta, corre, sobe no estribo do caminhão e atira na face do motorista.

E coisas assim saiu fazendo até quase meio-dia do dia seguinte. E que providência foi tomada? Conheço o Governo do Rio Grande do Norte, as suas limitações, a sua pobreza.

Cedo, em torno de 8 horas, o Vice-Prefeito do Município, que vinha de Natal para a cidade, passou por esse homem e foi por ele alvejado. Não tendo sido atingido, correu, tentou comunicar-se com a polícia, e chegou a São Gonçalo um veículo com um policial militar e um policial civil. Defrontaram-se com o homem, correram para dominá-lo, ele matou o policial militar e, enquanto matava, o policial civil tentava atirar nele. Todo o tambor do seu revólver girou, nenhuma das balas disparou. O revólver estava carregado com balas vencidas e houve mais uma morte. Se nesse momento ele tivesse sido detido, pelo menos mais seis pessoas não teriam sido atingidas.

Isso é apenas o retrato da situação em que vive a Polícia Militar, a Polícia Civil, o aparelho policial de que dispõe a sociedade. E quando me referi a direitos humanos, Srª Presidente, é porque, para mim, o maior compromisso de todos nós, da sociedade, do Estado, do poder público, é o de pensar nos direitos humanos daquelas senhoras que estavam no alpendre, pensar nos direitos humanos das pessoas que foram abatidas sem saber por quê.

Qual é a capacidade que tem hoje o Estado brasileiro de oferecer segurança e de dar proteção aos nossos concidadãos? Temos falado muito sobre a violência da polícia. E a violência da polícia deve ser combatida sem trégua. Temos visto com que competência, às vezes, a imprensa chega na hora, filma e mostra ao País cenas que desmoralizam a autoridade policial e apresentam a autoridade como um agente sanguinário contra o povo. Pena que ela não tenha tido a mesma diligência para filmar São Gonçalo do Amarante.

Então, aqui estou. Espero que não esteja como uma voz solitária, para dizer que precisamos realmente de uma autoridade neste País, em todas as hierarquias, que tenha pulso suficiente para impedir que a polícia se transforme em esquadrões de extermínio, de violência, de destruição e de ameaça das garantias e dos direitos da pessoa humana.

Precisamos também dizer aos policiais do País que eles podem ir para a rua cumprir o seu dever e que não podem continuar a realizar seu trabalho com medo, como estão fazendo.

De forma, Srª Presidente, que venho até aqui para dividir com o Senado Federal, para dividir com a sociedade, para dividir com V. Exªs. a preocupação que tenho de que, de repente, a única responsabilidade que devemos ter com os direitos humanos é a preocupação em saber se os bandidos estão tendo os seus direitos garantidos.

O Sr. Ramez Tebet - Senador Geraldo Melo, permite-me V. Exª um aparte?

O SR. GERALDO MELO - Só concluindo a frase, Senador Ramez Tebet. Defendo que essas garantias não faltem, que não desonremos o nosso juramento de defender a Constituição e a lei, que demos a todos, aos apenados de todas as categorias, aos presos para averiguação, o direito de serem tratados como seres humanos, mas não esqueçamos que a nossa maior responsabilidade nessa matéria é assegurar os direitos humanos do restante da sociedade, do homem de bem, das pessoas que estão nas suas casas. Ouço V. Exª, Senador Ramez Tebet.

O Sr. Ramez Tebet - Senador Geraldo Melo, positivamente não me abalançaria a interromper o seu brilhante pronunciamento não fosse a afirmativa que V. Exª fez de que não gostaria de ser uma voz solitária, uma voz sozinha. Quero dizer que o equilíbrio do seu pronunciamento, a justeza dos conceitos que V. Exª está emitindo dessa tribuna, a sua voz seria suficiente, pelo passado de V. Exª como ex-Governador, pelo seu equilíbrio como Senador, pela sua cultura e pela sua sensibilidade, a sua voz só já falaria pelo Senado da República. Mas quero cumprimentá-lo, quero juntar a voz do meu Estado à sua voz, porque os fatos narrados por V. Exª com relação ao seu Estado, ao Estado que V. Exª tão bem representa nesta Casa, que é o Estado do Rio Grande do Norte, são fatos que se verificam em todo o território nacional. Toda a sociedade brasileira está inquieta, está clamando por maior segurança, indispensável para o respeito ao mais fundamental dos direitos, que é o direito à própria vida. Sua sensibilidade fez V. Exª citar que duas senhoras de idade, no alpendre de suas casas, conversando, foram alvejadas; que um só cidadão aniquilou a vida de várias pessoas. E se isso fosse um fato isolado, aí sim, um só fato que estivesse acontecendo de quando em quando, mas, Senador, isso está acontecendo a toda hora e a todo instante no Brasil. Então, é preciso realmente somar esforços, é preciso considerar esse assunto altamente prioritário, para que não mais aconteça no seu Estado, para que não aconteça no meu, no Estado de Mato Grosso do Sul, ou em São Paulo, para que a televisão não mostre aquele quadro a que assistimos. Toda a sociedade brasileira viu aquele policial, exímio atirador, que salvou a vida de uma criança que estava detida como refém, uma criança de três anos de idade com uma faca sobre seu pescoço. Será que a vida dela foi salva ou será que essa criança está marcada para o resto da sua vida? Será que vão apagar-se da lembrança, da mente dessa criança os momentos críticos, os momentos dramáticos por que passou? Senador Geraldo Melo, no dia de hoje, V. Exª levanta esse assunto. Juntamente com V. Exª e com o Senado, digo: vamos sacudir a Nação para acabar com a baderna! Vamos verificar quais são as razões desses fatos! Vamos atacar os problemas sociais, que são tão graves neste País! Fico feliz porque tenho percebido que, daqui para frente, o Presidente da República vai fazer um Governo de realizações, um Estado empreendedor. Foi isso que o Presidente Fernando Henrique disse. Acredito que, fazendo isso, sem dúvida, Sua Excelência estará dando uma grande contribuição ao desenvolvimento do País. O Brasil vive uma nova era! Mas não podemos negar que esse é um dos assuntos mais dramáticos e preocupantes para a sociedade e, portanto, para o Governo brasileiro! Quero cumprimentar V. Exª e juntar a voz do meu Estado à dor por que passa o Estado do Rio Grande do Norte!

O SR. GERALDO MELO - Agradeço muito honrado a V. Exª pelo seu aparte, inclusive, por V. Exª se tratar de alguém que tem autoridade para falar sobre esse assunto. V. Exª é um dos juristas respeitados do Senado Federal. De maneira que ouço a palavra de V. Exª e a incorporo ao meu discurso.

Vou terminar fazendo apenas dois breves comentários. Da forma como vejo essa questão discutida, fico com a impressão de que se procura passar a idéia de que a sociedade brasileira, quando fala em segurança, em medo, está pensando em defender-se de um inimigo que é a polícia. Não ouvimos falar em qualquer proposição nem surgir qualquer projeto realmente crível, consistente, para desarticular o crime organizado no Brasil, este, sim, a verdadeira ameaça.

É imperativo que sejamos capazes de encontrar as formas de barrar a violência policial, de tirarmos de dentro de todas as polícias os bandidos que, lá, arranjaram emprego. Precisamos criar condições para discutir, adequadamente, a questão da segurança. Isso leva-me ao segundo comentário, que gostaria de fazer, antes de encerrar.

Estamos manifestando uma tendência de apontar para os problemas aquelas soluções que são simpáticas, que geram aplausos, espaço na mídia mas que, talvez, não resolvem a questão. Recordo-me, Srª Presidente, quando aqui, com grande alarido, esta Casa aprovou aquele projeto de desarmamento. O porte de armas passou a ser um crime. É claro, é uma medida muito importante e saneadora. Mas, é preciso não esquecer que o Poder Público para desarmar todos os cidadãos precisa, ao mesmo tempo, dizer a eles que fiquem desarmados em paz, porque ele, Estado, vai dar garantias a todos.

Sabemos que não são as armas que estão dentro de uma gaveta, na casa de um funcionário público, com medo de ser assaltado por um ladrão às duas horas da manhã, que estão criando insegurança no Brasil. São as dos que não serão atingidos pela nossa Lei do Porte de Arma, aquelas do crime organizado, que está a importar bazucas e metralhadoras ilegalmente.

Faziam isso antes, fazem hoje e continuarão a fazer. A única diferença é que agora temos que deixar o caminho livre, porque, se todos cumprirem a lei, eles não precisarão de armas pesadas, pois não haverá mais nenhuma.

Estou colocando isso, solidário que sou com a medida de desarmamento da sociedade, apenas para destacar que o Estado brasileiro precisa preparar-se para dar à sociedade, à população desarmada do País a tranqüilidade e a segurança de que ela necessita para dormir em paz e que as senhoras de São Gonçalo do Amarante, do Rio de Janeiro, de Porto Alegre, da Bahia, do Amazonas possam conversar ao entardecer, no alpendre de sua casa, sem o risco de serem baleadas por um louco, como ocorreu em São Gonçalo do Amarante. Não podemos querer que o cidadão, diante dessa situação, vá se armar; seria uma situação trágica se a sociedade brasileira caminhasse para isso.

Era o que tinha a dizer, Srª. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/05/1997 - Página 10530