Discurso no Senado Federal

COMEMORA O DIA DA AFRICA.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • COMEMORA O DIA DA AFRICA.
Publicação
Publicação no DSF de 28/05/1997 - Página 10581
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • COMEMORAÇÃO, ANIVERSARIO, ASSINATURA, DOCUMENTO, CHEFE DE ESTADO, PAIS ESTRANGEIRO, AFRICA, OBJETIVO, IGUALDADE, ESTADOS MEMBROS, RESPEITO, SOBERANIA NACIONAL, LIBERDADE, EXPLORAÇÃO, COLONIZAÇÃO.
  • ANALISE, SITUAÇÃO, CONTINENTE, AFRICA, POLITICA INTERNACIONAL, ESPECIFICAÇÃO, INFERIORIDADE, INVESTIMENTO, CAPITAL ESTRANGEIRO, GUERRA CIVIL, POBREZA, DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
  • NECESSIDADE, AUMENTO, PARCERIA, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, AFRICA, COMERCIO, TURISMO, COOPERAÇÃO, RENOVAÇÃO, POLITICA, CONTINENTE.

A SRª BENEDITA DA SILVA (BLOCO-RJ. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não poderia deixar passar em branco o dia 25 de maio, quando comemoramos o Dia da África, uma data em que a reflexão deve dar o tom das celebrações, à luz da realidade política dos países africanos, realidade que tem sido muito cruel para algumas dessas nações.

A data lembra que, neste dia, no ano de 1963, 33 chefes de Estado, representantes das nações africanas, assinaram a Carta Africana, em Adis Abeba, externando o desejo de se unirem em torno da unidade e da libertação do continente. As linhas mestras desse documento, adotadas como princípio, foram: a igualdade entre os Estados, a não ingerência nos assuntos internos, o respeito à soberania territorial, refletindo o desejo de livrar a África da exploração e opressão, o legado de séculos de colonização.

A determinação dos representantes dos povos africanos refletia o desejo de livrar o continente das garras da opressão, exploração e humilhação, para fazer triunfar a justiça e o direito dos povos em seguir seu próprio destino.

Infelizmente, a África é lembrada somente por suas tragédias naturais ou por suas guerras que deixam milhões de vítimas. A nossa "Mãe África" está em segundo plano nas prioridades das grandes potências e até mesmo dos países do Terceiro Mundo.

Os países ricos e as nações em desenvolvimento relutam em investir grandes volumes de capital no desenvolvimento e industrialização do continente, deixando-o entregue à própria sorte.

"Os grandes fluxos de capital do planeta sempre se desviam da África. Empobrecida, fica cada vez mais à mercê das indústrias predatórias e dos mercenários de guerra, que têm como único objetivo explorar suas populações, mas não promover o seu progresso." A afirmação é de Graça Machel, viúva do ex-Presidente de Moçambique, Samora Machel.

Estatísticas divulgadas confirmam que os investimentos estrangeiros são muito escassos, agravando a situação de exploração existente no continente. Segundo a Confederação das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento, entre 1994 e 1995, os investimentos feitos diretamente pelas companhias estrangeiras em inúmeros países foi de cerca de US$ 583 bilhões. Desse montante, 95% dos recursos foram para os países desenvolvidos, e apenas 4,32% (US$ 25 bilhões) foram para os países em desenvolvimento. A África ficou com apenas US$ 2,3 bilhões, enquanto a América Latina e o Caribe captaram US$ 8 bilhões, a Ásia recebeu US$ 14 bilhões e os países do Pacífico U$ 200 bilhões. A China foi incluída entre os países desenvolvidos e recebeu, sozinha, U$33 bilhões.

Investidores afirmam que, por ser um continente pobre, "os riscos para os capitais são maiores e o retorno só é possível a longo ou a longuíssimo prazo". As empresas transnacionais percebem que as agências governamentais dos países ricos também priorizam outros continentes em detrimento da África. Em conseqüência, os investidores privados tendem a seguir o exemplo das agências governamentais internacionais e também aplicam poucos recursos nos planos desenvolvimentistas dos países africanos. Em outras palavras, as democracias ocidentais não se importam com o que acontece com o continente africano.

A maioria de países do continente vive hoje processo de transição, e o mundo assiste à violenta disputa política, em sucessivas guerras civis que destroem países como Ruanda, Zaire (agora República Democrática do Congo), Argélia, Somália, Libéria, Uganda, Burundi, Tanzânia, entre outros. A responsabilidade pela grande instabilidade política é debitada na conta do processo de colonização. As fronteiras dos Estados africanos foram determinadas artificialmente por seus colonizadores. Embora desrespeitando divisões étnicas e culturais, tais limites foram aceitos em um primeiro momento. No entanto, a realidade se impôs e as diferenças explodiram na forma de violentas guerras civis.

Ouro no Zaire, petróleo na Nigéria, diamantes em Angola, recursos minerais e mão-de-obra abundante. Apesar de tantas riquezas naturais em terras férteis em quase todo o continente, o povo africano continua mergulhado na pobreza. E essa é, infelizmente, a notícia que corre o mundo. A imagem transmitida é a de uma África envolta em guerras civis, fome, seca, epidemias e caos. Fala-se em "guerras tribais", como se o continente vivesse na pré-história das relações humanas e seus habitantes não passassem de bárbaros primitivos em busca do poder. É bem verdade que os massacres provocados pelas guerras horrorizam o mundo inteiro, mas o desrespeito aos direitos humanos não é privilégio dos africanos. Mas não podemos nos esquecer dos séculos e séculos de espoliação a que foi submetido o continente africano, a exemplo do que aconteceu com o Terceiro Mundo, depois abandonado à própria sorte como o mais pobre dos continentes.

É realmente preocupante a situação com que várias nações africanas se defrontam, países que enfrentaram além da guerra civil, tragédias naturais ou advindas do subdesenvolvimento, como a seca e a fome. É preciso que a comunidade internacional abdique do olhar de pena e indignação para assumir o olhar de culpa por essa situação, aumentando a ajuda humanitária e econômica à região. Enfrentar o desnivelamento entre os países ricos e pobres é o grande desafio para as nações subdesenvolvidas. Mas, para a África, que é o "irmão pobre", esse desafio assume proporções ainda maiores, gigantescas.

Os milhões de africanos que vieram, como escravos, para o Brasil, contribuíram definitivamente para a formação do que hoje chamamos de "veia africana".

A identidade étnica e cultural e a complementaridade econômica fazem do Brasil e África parceiros naturais do desenvolvimento. O nosso relacionamento pode ser incrementado a partir de vários setores, modificando a correlação de forças de nossa balança comercial. Apenas a título de exemplo, aponto algumas áreas carentes de intercâmbio econômico, que pode ser concretizado: no setor energético, petroquímico, de telecomunicações, de informática, além da troca de experiências para estimular o fluxo turístico entre os dois países.

Estima-se que o Brasil movimenta apenas 3% de seu comércio exterior com o continente africano. Mas podemos fazer muito mais, intensificando as relações comerciais e culturais. Historicamente, falta ao nosso País uma política mais ousada na área comercial, em relação ao continente africano. Poderíamos dizer que nesta parceria internacional não fomos capazes, por exemplo, de fazer com que a nossa indústria de turismo aproveitasse melhor a relação cultural com a África, quando sabemos que o Brasil tem uma vocação natural para o turismo e, assim, o estreitamento dessa relação poderia ajudar economicamente tanto o Brasil quanto os países africanos, aproveitando-se, inclusive, as facilidades criadas a partir da existência de uma língua comum. Estamos convencidos de que podemos priorizar a relação comercial com esses países, projetando o Brasil como uma grande liderança, não só por conta da relação estreita cultural e racial que temos, mas pela necessidade econômica de ampliar nossa parceria e fazer verdadeira justiça social. É importante assumirmos a necessidade de olhar para a nossa "Mãe África" com dignidade, com seriedade e entender que somos colaboradores nesse processo de transição política e econômica da África.

Se nossa economia tiver como referência também os países africanos, poderemos construir uma nova relação, que não será simplesmente cultural e folclórica, mas consolidada numa frente política e econômica que trará prosperidade para todas as nações.

É preciso mudar esta visão, marcada pelo estereótipo e pelo preconceito. O nosso compromisso deve ser com a mudança desse olhar sobre a África, resgatando a dignidade de um povo sofrido que, igual a nós, brasileiros, persegue a estabilidade social, política e econômica. Não podemos nos esquecer que, acima de parceiros comerciais, somos irmãos que dividem a mesma história e a mesma cultura. É necessidade urgente e prioritária encontrarmos vias de cooperação para recuperarmos nossa história comum e vencer o preconceito, principalmente da mídia, que veicula uma imagem estereotipada da África.

Certa vez, por ocasião da eleição e posse de Nelson Mandela na Presidência da África do Sul, o jornal Correio Braziliense publicou nota de um jornalista que analisava as eleições sul-africanas. Dizia ele:

      "- o que se prevê é o despreparo dos negros para governar um país rico e de subsolo tão bom.

      - ...os pretos, sempre submissos, não saberão desfrutar da liberdade que conquistaram e, em outras situações, vão partir para revanche e domínio.

      - Não são as melhores as perspectivas da África do Sul para os dias de hoje.

      - Mandela poderá pôr a perder boa fortuna na ânsia de atender logo aos seus amigos que lutaram durante tantos anos por uma liberdade que agora chega, e com a qual muita gente importante do novo governo não saberá o que fazer".

Pois bem. Apesar dessas notícias, o mundo inteiro depositou confiança e esperança no novo Governo da África do Sul, e a história está aí para provar, pois Nelson Mandela é considerado um dos maiores chefes de Estado de todos os tempos, conduzindo uma transição que se tornou referencial de pluralidade. Deu, agora, a maior demonstração disso ao ser o mediador, no Zaire, para a busca da estabilidade.

A África é bem mais que um continente de países pobres e problemáticos. É uma terra de imensuráveis riquezas e potencialidades, com a qual o Brasil pode e deve estabelecer ligações de grande interesse comercial. Os vínculos culturais e históricos facilitam esse processo e não podem ser desprezados ou encarados como algo secundário e irrelevante.

A África é bem mais do que um continente. Para nós, brasileiros, a África tem especial importância em função dos vínculos culturais e históricos que nos unem, que representam muito mais que facilitadores da interação comercial.

O Governo brasileiro deve mostrar mais zelo pelas relações com o mundo africano, que está tão ou mais presente na formação da nacionalidade brasileira que o mundo europeu.

O Dia da África nos lembra todos os oprimidos, desempregados, todos os jovens que não encontram lugar merecido num sistema que convive com a injustiça e o egoísmo. O Dia da África é também o dia das mães de famílias angustiadas, que estão vendo seus filhos abandonados, desassistidos. O Dia da África é o dia dos velhos, rotos, desdentados, marginalizados, que não estamos vendo apenas, neste momento difícil, nos vídeos da televisão brasileira. O Dia da África também significa as esperanças daqueles que transpuseram barreiras, conquistaram a liberdade e estão em busca da paz.

Sr. Presidente, presto esta homenagem a esta data de que jamais poderia deixar de lembrar; faço-a com o apoio dos meus Pares, que consentiram que eu a pudesse fazer na tarde de hoje, e com a emoção de uma cidadã brasileira, oriunda da "Mãe África", que está no País buscando conciliar interesses pluriétnicos e fazer com que o mito da democracia racial brasileira seja derrubado para dar lugar, pura e simplesmente, à igualdade racial entre todos, para que a raça brasileira não conviva com essa desigualdade social e com essa guerra surda e praticamente muda daqueles que não têm sensibilidade para ver os papéis que nós, os negros, temos mundialmente.

Quero dizer que a "Mãe África" está cada vez mais presente e nos chama a atenção para a luta pela liberdade; é uma "Mãe África" que está totalmente despida do seu sentimento de apenas possuir e usufruir de suas riquezas sem considerar primeiro que as relações humanas são preponderantes para que o mundo possa viver e conviver com a paz.

Obrigada, meus Pares, por me concederem esta oportunidade. Obrigada "Mãe África" por poder estar aqui, nesta tribuna, rendendo-lhe homenagem por esses dias - esses dias porque não foi apenas o 25 de maio, mas os dias que virão -, a fim de que a luta pela libertação do povo africano, pela estabilidade econômica, pela democracia das convivências raciais se faça ouvir por todo o universo.

Obrigada, sobretudo, por você existir.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/05/1997 - Página 10581